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domingo, 19 de outubro de 2008

Instrutor da SWAT critica operação policial





As longas negociações entre a polícia e Lindemberg Alves foram gravadas. Elas revelam detalhes impressionantes, como a voz de uma das jovens sendo agredida pelo seqüestrador. Minutos antes de a polícia invadir o apartamento, a tensão chega ao máximo. Lindemberg fala até em suicídio. Por que será que tudo deu errado? A reportagem é de Valmir Salaro.

As negociações entre a polícia e Lindemberg Alves foram todas gravadas. Minutos antes de a polícia invadir o apartamento, momentos de tensão. É o que você vai ver agora. Por que será que deu tudo errado?

Um rapaz desequilibrado.

“Tem um anjinho aqui falando: ‘Não faz isso’. Do meu lado, tem outro, um diabinho, falando: ‘Faz. Não deixa passar, não’. Tem um anjinho e um diabinho aqui. O diabinho está falando pra fazer. ‘Vai em frente, não pára’”, disse Lindemberg.

Eram 5h35 da tarde da última sexta feira. Lindemberg Fernandes Alves conversa com o capitão Adriano Giovaninni, do Gate, o Grupo de Ações Táticas Especiais.

Depois de cinco dias de seqüestro, o negociador ainda tenta acalmar o rapaz.

Capitão Adriano: Dá ouvido ao lado bom, ao anjinho. Não é melhor?
Lindmberg: Não sei, não sei qual é o melhor não.
Capitão Adriano: Claro que é melhor.

Algumas imagens foram divulgadas neste sábado pela Polícia Militar e mostram os momentos finais da negociação na entrada principal do prédio. Cerca de meia hora antes da invasão, o promotor Augusto Rossini também fala com Lindemberg.

Augusto Rossini: Eu vou garantir a sua integridade. Pensa nisso. A vida continua. É bonita a vida.
Lindemberg: A minha cabeça tá a milhão. Minha cabeça tá a milhão.
Augusto Rossini: Não, velho, não tem que ficar assim. Vem aqui, vamos sair.
Lindemberg: Não, imagina. Todo mundo aí fora não tem nada a ver com isso que tá acontecendo não.

Sem entrar em detalhes, Lindemberg diz que a situação piorou, por causa de uma conversa que teve com as meninas. Tenso, o rapaz chegou a pedir à polícia que invadisse o apartamento.

Lindemberg: Mano, invade logo, mano.
Policial: Quê? Não, não tem nada disso.
Lindemberg: Quero que você invade, mano. Tô vendo aqui pra você invadir.
Policial: Não, não, na verdade eu quero que você saia daí, tranqüilo, com as duas.
Lindemberg: Deixa outro cara vir e invadir, pra responsa cair em cima dele, não cair em você.
Policial: Não, não isso eu não posso fazer. Eu trabalho só nisso.
Lindemberg: Deixa outro cara vir negociar comigo. Se o cara invadir, eu vou acabar com tudo isso aqui.

O promotor e o policial falam que Lindemberg pensava em se matar.

Lindemberg: Não tenho expectativa de vida mais não, mano. Não tenho mais nenhuma motivação de buscar. Antes eu tinha sonho, sonho de ter uma família, sonho de ter uma casa, um carro.

Durante o seqüestro, o ex-namorado de Eloá foi violento com as meninas.

Terça-feira, dia 14, 5h25 da tarde. A energia elétrica tinha sido desligada.

Lindemberg: Liga essa luz aí, mano.
Policial: Eu ligo, eu ligo, mas vamos conversar.
Lindemberg: Liga essa ***** dessa luz aí, senão eu vou começar a bater nas meninas, eu vou começar a agredir as meninas, as meninas vai sofrer. E ó, presta muita atenção.
Menina: Ai, pára, pára.

“Ele bateu, ele agrediu, com tapas, pontapés, puxou o cabelo, então você ficava preocupado em razão de você ver uma pessoa que você está querendo ajudar sofrendo ali”, conta o capitão Adriano.

Sexta-feira, 5h46 da tarde. Vinte minutos antes da invasão do apartamento, Lindemberg fala sobre a ex-namorada, Eloá.

Lindemberg: Não tenho vontade de ter mais ninguém, mano. Não tenho vontade nem de ter a Eloá, mano, mais. Tem um mês tentando esquecer ela. Tem um mês tentando sair, me divertir, me distrair, mas não dá, mano, não dá, alguma coisa tá falando pra mim. ‘Cobra, mano, cobra e cobra’.

Logo depois, o seqüestrador faz uma ameaça.

Lindemberg: Uma situação só de vingança, só de vingança.
Policial: Não, não é. É cansaço mesmo, viu?
Lindemberg: Sabe por que, mano? Muita gente aí fora vai pagar por isso. Muita gente aí fora vai sofrer. Vai chorar. Vou acabar com tudo. Deixa bem claro pra população que tá chegando ao fim, meu. Tudo o que eu tinha não é nada. Tudo que eu não tenho mais não é nada.

“Na verdade, eu acho que eu poderia ter inúmeras cartas na manga, mas ele já tava decidido a fazer o que fez, aí é praticamente impossível tentar retirar isso da sua cabeça”, explica o capitão.

Às 6h01 e 53 segundos, a gravação tem um corte. E na imagem seguinte, não aparece mais o relógio da câmera.

Na seqüência do vídeo da polícia, a conversa entre o negociador e Lindemberg continua por um minuto. Até que o seqüestrador interrompe a ligação.

Depois de um novo corte na gravação, o diálogo prossegue. A negociação dura mais um minuto. Em nenhum momento do vídeo há barulho de tiro. Seqüestrador e policial também não falam sobre isso. As últimas palavras dos dois são essas:

Lindemberg: Dá um tempo pra mim que eu tô precisando ficar sozinho. Não quero ver ninguém.
Policial: Tá bom. Então deita aí e descansa um pouco. Tá bom?
Lindemberg: Falou.
Policial: Falou, até mais. Tchau.

Quatro minutos depois, o apartamento é invadido.

“Nesse momento, eu não estava junto ao prédio, estava no interior de uma viatura do Corpo de Bombeiros recarregando meu celular. No último contato com ele o celular acabou e eu fui conectar numa tomada pra tentar retomar um contato com ele”, explica o capitão Adriano.

Lindemberg não quis se entregar. Na versão da polícia, ele deu o tiro que precipitou a invasão. A negociação fracassou e as duas reféns ficaram gravemente feridas. O resultado trágico da operação foi criticado.

O Fantástico saiu em busca de respostas e ouviu um brasileiro que dá aulas para um grupo de elite da polícia americana: a SWAT.

Há nove anos, Marcos do Val é instrutor da SWAT em Dallas, nos Estados Unidos. Famosa na televisão e no cinema, a SWAT é um grupo de elite da polícia americana, preparado para enfrentar situações de emergência.

O brasileiro corre o mundo ensinando técnicas de invasão e combate. Marcos já treinou seguranças do Papa no Vaticano e militares que lutaram na guerra do Afeganistão.

A convite do Fantástico, ele assistiu aos principais momentos do cerco em Santo André e avaliou a operação.

Primeiro erro: permitir que a negociação se arrastasse por cinco dias.

“Em uma situação passional como essa, quanto mais tempo leva, mais inconstante a pessoa fica”, ensina.

Marcos explica que a SWAT estabelece o prazo máximo de 24 horas para libertar o refém. Mas nunca foi preciso esperar tanto.

“A negociação mais longa que a SWAT de Dallas fez até hoje durou nove horas. A partir daí é invasão”, ressalta.

Terça-feira, 22h50. Nayara é libertada pela primeira vez. Era um acordo de Lindemberg com a polícia: soltar a jovem em troca da volta da energia elétrica.

“Foi bem feito, porque houve essa troca: me dá a refém, que eu acendo a luz novamente", diz Marcos.

Quarta-feira. Para o instrutor da SWAT, a polícia perdeu uma chance de terminar o seqüestro no momento em que Eloá lança uma corda improvisada e recolhe o almoço. O corpo da jovem ficou inclinado para fora da janela. E Lindemberg apareceu atrás da ex-namorada.

“Essa é uma oportunidade que a SWAT usaria como vantagem”, afirma.

Havia duas possibilidades de ação. A primeira: atiradores de elite poderiam atingir Lindemberg, uma estratégia descartada pela polícia.

“Por se tratar de um jovem, com uma decepção amorosa, a nossa opção era esgotar todas os meios de negociação e tentar cansá-lo”, explicou em uma entrevista o comandante do Gate, coronel Eduardo Félix.

Diz o instrutor que a SWAT aproveitaria uma situação assim para matar o seqüestrador.

“Para eles não importa se é um jovem, o que importa é que tem uma vida em risco e que o rapaz está colocando vidas de terceiros em risco também”, ressalta Marcos.

Segunda tática que a SWAT usaria: a triangulação. Dois policiais estariam de tocaia em escadas posicionadas ao lado da janela, fora do ângulo de visão de Lindemberg. Um terceiro policial ficaria na janela do andar de cima, pronto para descer de rapel. No momento do ataque, um dos policiais na escada agarraria Eloá e tentaria proteger a cabeça dela. O outro daria cobertura enquanto o terceiro viria de cima e daria um tiro no seqüestrador. Tudo isso ao mesmo tempo.

“É o efeito surpresa”.

Quinta-feira: Nayara volta ao apartamento.

“Isso é o maior absurdo dos absurdos. Em nenhum lugar do mundo já existiu uma situação dessas”, critica Marcos.

Em entrevista, o comandante Félix disse que não acha que a volta de Nayara ao apartamento foi um erro na operação policial. Segundo a polícia, Nayara teria se oferecido para ajudar na negociação, com permissão da mãe. Mas ninguém esperava que a jovem entrasse de novo no apartamento.

“Teria que ter um policial com escudo balístico na frente, a Nayara do lado, o policial segurando ela para se aproximar, para falar. Se for o caso, recuar. Mas não deixar ela sozinha, andando, abrindo a porta. O seqüestrador se sentiu poderoso nessa hora, porque teve a refém de volta. Foi um erro gravíssimo e eu sinto vergonha de ser brasileiro e saber que a polícia brasileira fez isso”, admite Marcos.

Sexta-feira: o dia da invasão. Marcos acha que os policiais usaram uma carga excessiva de explosivo, e que não contaram com a possibilidade de haver obstáculos atrás da porta. Isso atrasou a entrada da equipe.

“Deu tempo para o seqüestrador pegar a arma, fazer o disparo para onde ele quisesse”, afirma
Marcos.

Outro erro: não entrar simultaneamente pela frente, janela e fundos, com uso de bombas de luz e som, que deixariam o seqüestrador desnorteado.

“Esse tipo de bomba é para dar aquela sensação de desespero para o seqüestrador. Ele não sabe de onde está vindo a polícia".

O policial que estava posicionado na escada, além de atrasado - a explosão já havia acontecido -, demora muito para subir.

“O que deveria ter sido feito? Esse policial, por exemplo, poderia ter vindo correndo com a escada, pararia na parede de costas, colocaria a escada praticamente como se fosse uma grade para ele, já posicionada, e outro já viria correndo e subindo ao mesmo tempo”, ensina.

As imagens mostram que a polícia teve dificuldade para conter Lindemberg. A SWAT utiliza uma técnica que leva menos de um segundo para imobilizar o agressor.

“Um piscar de olhos e ele já está imobilizado e algemado no chão”, diz Marcos.

Marcos também viu falhas graves no socorro às vítimas. O médico, sozinho, luta para atravessar o tumulto. Os policiais pisam em Lindemberg. O caminho deveria estar livre para a equipe de socorro médica, com macas.

Eloá foi carregada no colo por um policial, um procedimento que Marcos julgou incorreto. E o pior: a cabeça ferida da jovem esbarra no corpo do médico. O jaleco dele fica manchado de sangue. Depois que o médico percebe, volta, então, para socorrê-la.

O desfecho foi trágico.

“Nós usamos todas as técnicas para evitar o que ocorreu”, garante Flávio de Pierre, comandante do GATE.

“Se nós tivéssemos atingindo com um tiro de comprometimento o Lindemberg, fatalmente o senhores estariam hoje questionando o Gate porque não negociaram mais”, declarou o comandante Félix.

“Você pode ter certeza nós estamos aprendendo muito com esse resultado e vai nos servir como experiência de vida”, admite o negociador do seqüestro Adriano Giovanini.

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