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domingo, 29 de maio de 2011

Pais de Evandro ouviram a sentença no Tribunal do Júri


29/05/2011 às 00:00:00 - Atualizado em 28/05/2011 às 22:43:36


Aliocha Maurício
Dois dias de julgamento com plenário lotado.

O segundo dia do julgamento de Beatriz Abagge iniciou às 9h30 de ontem, no 2º Tribunal do Júri de Curitiba, sem a presença dos pais do garoto que desapareceu em Guaratuba, no dia 7 de abril de 1992. No entanto, eles chegaram minutos depois, e tomaram lugar entre os que assistiam o julgamento.

A acusação começou o debate com a promotora Lucia Inez Giacomitti Andrich, que solicitou aos jurados não se comoverem com as faixas e camisetas em defesa da acusada. "Muitos que estão hoje aqui, nem nascidos eram, mas vestem camisetas, sem saber o que está por trás", alertou.

Entrevista


Diogenes Caetano, tio de Evandro, falou com os jornalistas. "Não penso mais em Evandro, mas em todas as crianças sacrificadas por esta seita. Não faço ideia de quantos inocentes salvei nestes dezenove anos em que a seita teve que gastar dinheiro com a defesa delas e deixou de gastar para matar mais crianças", disse.

Primeiro dia

Quatro testemunhas de defesa e duas de acusação foram ouvidas anteontem, no primeiro dia do julgamento. Com plenário lotado, principalmente de estudantes de Direito, as declarações do delegado da Polícia Civil Luiz Carlos de Oliveira, última testemunha de defesa ouvida, caíram como uma bomba.

Com plenário lotado, principalmente de estudantes de Direito, as declarações do delegado da Polícia Civil Luiz Carlos de Oliveira, última testemunha de defesa ouvida, caíram como uma bomba.
Ele foi categórico ao afirmar que o Ministério Público e o Judiciário foram induzidos a erro "até hoje", manipulados por informações falsas, para incriminar não só Beatriz, mas também os seis outros acusados pelo mesmo crime.

Apontou o engenheiro civil Diógenes Ramos Caetano (parente do menino morto) como um dos responsáveis pela trama, dizendo que ele contou com a ajuda da Polícia Militar e de "outras pessoas" para dar sustentação à fraude

Rapidez

Ao contrário do primeiro julgamento a que mãe e filha foram submetidas, no Fórum de São José dos Pinhais, em 1998, que durou 34 dias e posteriormente foi anulado, os trabalhos, agora, aconteceram com rapidez.

Depois dos depoimentos, o juiz determinou a leitura de algumas partes do processo, escolhidas por promotores e advogados (o que consistiu especialmente na leitura de laudos) e por fim ouviu Beatriz Abagge a portas fechadas, já depois das 20h de anteontem.
Por se tratar de depoimento pessoal, em que ela iria narrar torturas que disse ter sofrido, a defesa pediu privacidade. O plenário foi esvaziado, ficando apenas as partes e os jurados. Terminado o depoimento, os trabalhos foram encerrados.



Segundo julgamento do caso Evandro é retomado no PR
28 de maio de 2011 11h07 atualizado às 13h10


Beatriz Celina Abagge chora durante exibição de vídeos em que diz ter confessado o crime sob tortura. Foto: Joyce Carvalho/Especial para Terra

Beatriz Celina Abagge chora durante exibição de vídeos em que diz ter confessado o crime sob tortura
Foto: Joyce Carvalho/Especial para Terra


Joyce Carvalho
Direto de Curitiba

O segundo dia de julgamento de Beatriz Abagge, acusada de encomendar a morte do menino Evandro Ramos Caetano, em 1992, recomeçou na manhã deste sábado no Tribunal de Júri de Curitiba (PR). O dia teve início com os debates entre acusação e defesa. Durante a exibição de vídeos da defesa, Beatriz chorou e foi amparada por sua advogada.

Em um primeiro momento, a Promotoria fez a sustentação de acusação. Os promotores relembraram os depoimentos das testemunhas de sexta-feira e citaram constantemente as informações repassadas pela odontolegista Beatriz França, que disse ter 99% de certeza que o corpo encontrado no matagal cinco dias após o desaparecimento da criança era mesmo o de Evandro, que na época tinha 6 anos. Ela fez a afirmação com base em uma restauração encontrada na arcada dentária da vítima.

Depois da Promotoria, teve início a sustentação da defesa, que tem uma hora e meia para convencer os jurados sobre a inocência de Beatriz Abagge. Durante a exibição de vídeos em que Beatriz afirmava que teria confessado o crime sob tortura, a ré se emocionou e foi às lágrimas.

Após a apresentação da defesa, haverá uma hora para réplica da acusação e outra hora para tréplica da defesa. Estima-se que a veredito seja anunciado no final da tarde de hoje pelo juiz Daniel Avelar.

Beatriz Abagge, 47 anos, é acusada sequestro, cárcere privado e homicídio triplamente qualificado. Segundo o Ministério Público, juntamente com a sua mãe, ela encomendou o sequestro do garoto, que teria sido utilizado em um ritual de magia negra na cidade de Guaratuba, no litoral do Paraná. O corpo foi encontrado cinco dias depois em um matagal sem as mãos e os dedos dos pés, além das vísceras para fora e com o coro cabeludo arrancado.

A mãe de Beatriz, Celina Abagge, também foi acusada do crime. As duas foram absolvidas no primeiro julgamento do caso, realizado em 1998. Na época, o júri durou 34 dias. O Ministério Público recorreu da decisão e o julgamento foi anulado.

Desde então, o segundo julgamento tem sido adiado por mudanças de advogados da defesa e validação de provas. Celina Abagge não voltou ao banco dos réus porque tem mais de 70 anos. As duas ficaram três anos e nove meses presas, e depois ficaram em prisão domiciliar por 3 anos antes do primeiro julgamento.

Outras cinco pessoas foram julgadas pelo crime. O pai de santo Osvaldo Marcineiro, o pintor Vicente Paulo Ferreira e o artesão Davi dos Santos Soares foram condenados em 2004. Já Francisco Sérgio Cristofolini e Airton Bardelli dos Santos foram absolvidos em 2005.

Ontem, no primeiro dia de julgamento, foram ouvidas quatro testemunhas de defesa e três de acusação. Por último, Beatriz Abagge deu seu depoimento por cerca de uma hora, mas a portas fechadas. A defesa pediu para que o depoimento acontecesse sem a presença do plenário, o que foi deferido pelo juiz Daniel Avelar. A acusação também alega que Beatriz Abagge confessou o crime na época, mas a ré sustenta que isto ocorreu porque ela e sua mãe sofreram sessões de tortura.


Dra. Isabel Kugler Mendes: nenhuma dúvida sobre a inocência dos acusados.


“Tive a oportunidade de descer até Guaratuba e conhecer o local do “pretenso ritual satânico”. Aí, se alguma dúvida existia, quanto á inocência de todos, essa desapareceu.”
Dra. Isabel Kugler Mendes, atual Secretária da Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Ordem dos Advogados do Paraná

Entrevista com a Dra. Isabel Kugler Mendes, atual Secretária da Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Ordem dos Advogados do Paraná.
Qual a sua opinião sobre o caso de Guaratuba?
Dra. Isabel Kugler Mendes - O caso de Guaratuba, sem dúvida nenhuma, foi um dos casos de maior repercussão dentro do Judiciário Brasileiro, e porque não dizer da imprensa. Ele ultrapassou nossas fronteiras e foi lançado internacionalmente, se diz que a notícia correu em mais de 50 países, e houve o acompanhamento da mídia nacional até o final. Tomei conhecimento dos fatos através da imprensa e passados dois meses e pouco, fui procurada por membros da família Abbage na qualidade de presidente de um órgão de defesa dos Direitos da Mulher, o Conselho Municipal da Condição Feminina de Curitiba. Recebemos a denúncia de que Celina e Beatriz Abagge teriam sido torturadas. E aí, não importando se culpadas ou inocentes, decidiu-se buscar a verdade sobre as torturas. Porque a tortura é um crime hediondo que, de forma nenhuma, pode qualquer pessoa a ela ser submetida. É um preceito Constitucional que há que ser respeitado. Inicialmente tomamos conhecimento do processo e foi com surpresa que constatamos que, desde o início o mesmo estava cheio de falhas. No inquérito policial os erros visíveis e primários. Examinando o processo - na época tinha 5 volumes e acredito que hoje são quase 80, levantamos as ilegalidade, falhas, erros e omissão das autoridades e elaboramos um primeiro dossiê mostrando tudo isso e o encaminhamos às autoridades e imprensa. Trabalho que contou com o apoio das advogadas e psicólogas que então prestavam serviço no Conselho.
Numa segunda etapa, num trabalho isolado, fui conhecer as pessoas envolvidas, inicialmente as mulheres. E qual não foi minha surpresa quando, decorrido já seis meses da prisão delas, constatei que ainda apresentavam inúmeros sinais da violência, da tortura a que foram submetidas. Beatriz Abbage apresentava, nos dedos das mãos, inúmeros sinais de queimaduras que, aliás, até hoje ela ainda carrega muitos desses sinais. Também apresentava cicatriz de cortes na testa, na fronte. Sinais esses, segunda ela, produzidos por fivelas de cintas dos policiais torturadores. E ainda, surpresa maior foi quando ela contou em detalhes, que tinha sido estuprada, pelo menos, por dois policiais. Como havia desmaiado não sabe se outros a violentaram também. D. Celina também relatou as torturas sofridas, que foram muitas e cruéis.
Considerando que, como consta do processo, desde o primeiro momento em que essas duas mulheres se viram frente às autoridades judiciais - juiz e promotor - elas relataram as torturas que tinham sofrido como o estupro; considerando que os sinais da violência eram visíveis, fiquei pasma ao ver que, em nenhum momento foi tomada qualquer medida. Inclusive a justiça omitiu que Beatriz Abbage denunciava o estupro, simplesmente registrando “ela diz que sofreu atos libidinosos”. Por que? Para que não precisassem abrir inquérito, como a lei obriga e porque o rumo da investigação seria outro: confissão mediante tortura.
Para entrevistar os homens foi uma dificuldade imensa. Só consegui quando me coloquei, por curto período, como auxiliar da defesa - era uma defensora dativa, Dra. Stela. Com os homens, não foi menor a surpresa porque, embora decorridos dez meses da prisão, todos apresentavam sinais visíveis das torturas sofridas para confessarem. E continuavam sendo torturado porque privados do direito sagrado à higiene pessoal, por ordem da juíza de Guaratuba. Eles tinham realmente uma aparência bruxos: unhas enormes, cabelos e barbas compridas e, pela falta de sol, pele de um branco esverdeado. Existem fotos daquela época que mostram que não há exagero neste relato. Entre os sinais das torturas sofridas constatamos: costelas quebradas, marcas de queimaduras no corpo, edemas, etc. Com o relato de todos os sete implicados e de vária testemunhas dos atos de violência praticados pelos PMs contra os mesmos, com cópia de documentos dos autos, um segundo dossiê foi elaborado e encaminhado a imprensa e às autoridades competentes - dos três poderes – mas, como aconteceu com o primeiro dossiê, nenhuma medida foi tomada. As autoridades optaram pela omissão. Tortura e verdade são assuntos que incomodam a todos.
No decorrer dos anos – creio que as mulheres ficaram oito anos presas - continuei acompanhando, visitando, monitorando, vendo as condições e lutando pelos direitos humanos daquelas pessoas. Que fique bem claro que, eu ou o Conselho da Condição Feminina, nunca defendemos essas pessoas pelo crime que estavam sendo acusadas. Outros advogados fizeram essa defesa. Defendemos sim, os direitos humanos, a que todos nós cidadãos brasileiros temos direito. Essas pessoas não poderiam ter sido torturados para confessarem um crime que não cometeram.Um crime que até hoje permanece escondido pelas sombras do medo, da covardia, da indiferença de muitos. Nossa Constituição é clara ao dispor que ninguém será submetido à tortura, tratamento degradante, cruel e desumano, e essas pessoas o foram. Mas, é a regra, os inocentes “confessam” sob tortura, os culpados suportam porque sabem que serão libertados.
Na seqüência, tive a oportunidade de descer até Guaratuba e conhecer o local do “pretenso ritual satânico”. Aí, se alguma dúvida existia, quanto á inocência de todos, essa desapareceu. Quando lá estive a fábrica ainda funcionava com 25 funcionários, na épo0ca que aconteceu o fato eram 54 funcionários. Vendo o local – uma sala de cerca de seis metros quadrados cheia de móveis - qualquer pessoa reconheceria ser ali totalmente impossível de ocorrer qualquer coisa parecida com um ritual, ou mesmo uma reunião com mais de 3 ou 4 pessoas. Jamais uma criança poderia ter ficado ali presa, confinada por mais de 30 horas, como denunciado. Uma sala totalmente aberta, com os empregados entrando e saindo a todo o momento, pegando ferramentas para regular as máquinas, para bater ponto. Além disso, o terreno – imenso - é cercado de casas e termina na baía, por onde entravam os barcos que transportavam madeira para a fábrica de caxetas. Ali vi barcos de vários tamanhos. Se alguém fizesse um ritual e procurasse esconder um corpo, era só ter adentrado a baía com um dos barcos e largado o corpo no mar, no mangue (onde seria comidos pelos siris) e esse nunca seria encontrado. Agora, pense bem: levar um corpo a uma distância de mais de 5 quilômetros do local do pretenso ritual, colocando a chave da casa do menino desaparecido, chinelo e objetos pessoais ao lado do corpo encontrado, é um flagrante ato de se tornar conhecido o que não é! É evidente a intenção de fabricar provas para um fim desejado: incriminar inocentes.
Finalizando eu diria que – foi sempre minha opinião- quem tem que dar explicações é o acusador: o senhor Diógenes Caetano, tio do menino Evandro..Inimigo político do prefeito Aldo Abagge, alijado da sociedade tradicional de Guaratuba, freqüentada pela família Abagge e não pela sua.Vale lembrar que Guaratuba, fora da temporada, é uma pequena cidade. Durante todo o processo o acusador, Diógenes Caetano, manipulou o povo simples do município para manifestações públicas. Pelo que sei, jamais foi ele investigado Outros fatores contribuíram para essa tragédia que se abateu sobre a família Abagge e a de tantas outras pessoas. Porque a família do pequeno Evandro é também vítima. Outro: a injunção política do momento. O prefeito Aldo Abagge, dentro da Associação de Prefeitos do Litoral, não comungava do pensamento do então governador. O que pode explicar porque não houve a boa vontade por parte do governo de investigar e esclarecer os fatos. Outros fatores importantes: a Polícia Civil - Grupo Águia – realizou farta investigação, examinou as denúncias do senhor Diógenes Caetano quanto ao ritual e nada foi comprovado. Mas ele conseguiu fazer chegar até o então Secretário Favetti, que, diziam, estava para ser deposto diante do clamor público pelo desaparecimento de 14 crianças. Possivelmente viu o Secretário Favetti, na denuncia, alguma coisa que poderia ter repercussão e evitar sua saída. Evitou ,e a repercussão extrapolou tudo o que as autoridades imaginavam. Os ingredientes muito fortes, suficiente para incendiar qualquer coisa: CRIANÇA. RELIGIÃO, FAMÍLIA ( tradicional) e POLÍTICA ( prefeito). Rápido o fogo alastrou-se e não deu mais para segurar: a mentira prevaleceu.
Não houve mais possibilidade de retorno, e chegou ao ponto que chegou. As confissões obtidas pela PM tinham que ser mantidas em pé. E, graças a Deus, algumas dessas infelizes pessoas, foram absolvidas. Como dona Celina e Beatriz, os jurados as absolveram por 6 votos a 1 pela comprovação que o corpo encontrado não era o de uma criança de 7 anos, mas sim de uma criança de 10 a 11 anos. Depois outros dois acusados foram absolvidos, mas três dos rapazes, que não tinham condições financeiras para contratar advogados, acabaram sendo condenados. Não se sabe o motivo, mas tem um ainda preso: Vicente de Paula.

O que pode ser dito para que no futuro haja justiça e casos como este não se repitam?
Dra. Isabel Kugler Mendes - Entendo que a responsabilidade da Polícia Civil é muito grande na investigação e na elaboração de um inquérito. Ela é a polícia judiciária e não a PM, a quem cabe, no caso, a responsabilidade das torturas para obter as confissões. Hoje estamos vivendo um caso - por coincidência ocorrida no litoral - que é o caso do Morro do Boi. .Dois acusados: quem é realmente o culpado? As provas vão dizer, acredito. Daí a ser o inquérito policial essencial para elucidação do crime. Se o inquérito é mal, feito fica difícil para o Judiciário e o acumulo de processos, não raro, o impede de ir a fundo para evitar injustiças, como do Caso Guaratuba.
E ainda, o que se lamenta,que o ódio, a raiva, a inconseqüência das pessoas – no caso de Diógenes Caetano – provoquem tragédias familiares como essa. Destroem reputações. Prejudicam e fragilizam a sociedade e a própria Justiça. Atos como o deste caso, destroem e abalam estruturas familiares: a família Abagge em seu todo – uma família respeitada, de tradição sólida - foi profundamente abalada e continua até hoje sofrendo os efeitos dessa tragédia. Muitas vidas foram perdidas: Dr Aldo Abagge morreu em decorrência de um câncer no estômago de tanto sofrer. O pai de D. Celina, chorou até morrer, durante onze meses, a ponto das lágrimas cobrirem seu rosto de feridas. Faleceu o pai do Oswaldo Marceneiro e outros tantos, também de sofrimento e dor. Muitas pessoas sofreram, e ainda sofrem, como a família do mártir Evandro Caetano, as conseqüências desse triste e trágico caso.


Quer dizer mais alguma coisa para encerrar?
Dra. Isabel Kugler Mendes - Quero pedir a Deus que a verdade total, nesse caso, apareça – limpa e transparente - que possa a Justiça ser feita para todos, que a verdade sempre esteja à frente, que a mentira e o mal sejam derrotados. Que os responsáveis pela Justiça tenham consciência da importância de suas decisões para uma sociedade justa e humana. E como disse o poeta :

“Que o perdão seja sagrado
Que a fé seja infinita
Que o homem seja livre
Que a justiça sobreviva.”


segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Comissão de Direitos Humanos confirma que Celina e Beatriz Abagge foram torturadas para confessar


A Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Ordem dos Advogados do Paraná – CDHC-OAB/PR recebeu Pedido de Providências nº 3224/2004CDH/OAB/PR, referente denúncia procedida pelas senhoras Celina Cordeiro Abagge e Beatriz Cordeiro Abagge perante o então Presidente da seccional do Paraná, Dr. Manoel Antonio de Oliveira Franco, com a entrega de Dossiê elaborado em 23 de novembro de 1992 pela então Presidente do Conselho Municipal da Condição Feminina, Dra. Isabel Kugler Mendes.
Após a entrega do documento, membros da família Abagge, recebidos em audiência pelo Dr. Manoel Antonio de Oliveira Franco – então Presidente da OAB/PR – para saberem do encaminhamento dado às denuncias, foram pelo mesmo informados que tratava-se do processo mais importante que, naquela ocasião, transitava pela Ordem e que estava sendo examinado pela Comissão de Direitos Humanos e Cidadania, para posterior exame do Conselho.

O processo das denúncias com seus respectivos documentos, encaminhado a Comissão de Direitos Humanos e Cidadania, presidida pelo Dr. Cleverson Marinho Teixeira, teve como relatora a Dra. Gertrudes de Abreu.
No dia 31 de julho de 2007, a Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Ordem dos Advogados do Paraná emitiu Parecer ao Pedido de Providência nº 3224/2004, reconhecendo que Celina e Beatriz Abagge foram seqüestradas de sua residência, levadas para local ignorado e submetidas a torturas para confessar crimes dos quais são acusadas. O Parecer mereceu aprovação unânime da referida Comissão.
Do Relatório em questão destacamos algumas partes:
“Contam as denunciantes Celina C. Abagge e Beatriz C. Abagge que no dia 02/07/1992 por volta das 8h30, vários policiais em número aproximado de 12 (doze) adentraram a residência das mesmas procurando a esposa (Celina) do então Prefeito, Aldo Abagge e a sua filha psicóloga, chamada Sheila. Consigna-se, no entanto, que foi presa a terapeuta ocupacional, de nome Beatriz.
Perguntado, aos policiais, o porquê da procura das referidas mulheres, foi informada pelos mesmos que havia no Forum mandado de prisão em desfavor destas, sendo escoltadas pelos Policiais que ali se apresentavam, que dispunham da informação de que os atos constritivos de liberdade (mandado de prisão) encontrava-se com a juíza local que estaria à espera das mesmas.
Ato contínuo chegou à residência dos Abagge, o assessor jurídico da Prefeitura, Dr. Silvio Bononi, o qual pediu esclarecimentos aos policiais presentes do porque não estariam munidos do mandado de prisão a que se referiam, e foi informado pelos Policiais novamente que este mandado estava de posse da Juíza da Comarca, e apenas lhes competia escoltá-las até o prédio do Forum, lhes informando o advogado que as mesmas iriam em seu veículo até a presença da autoridade judiciária.
Quando chegaram ao Forum, emcaminharam-se à sala de audiências, esperando encontrar a Juíza local, mas para surpresa de todos os presentes, a mesma não se encontrava no Forum. No entanto, não lhes foram apresentados os mandados de prisão.
As denunciantes Celina C. Abagge e Beatriz C. Abagge, informam que acreditando que seriam interrogadas na sala do juiz, acompanharam os Policiais Militares, pelo cartório cível, quando foram levadas repentinamente, ao interior de veículo dos mesmos policiais, o qual “arrancou” juntamente com outro veículo, em alta velocidade e dirigiram-se a local incerto e não sabido.
Neste ínterim, o assessor jurídico da Prefeitura de Guaratuba, Dr. Silvio Bononi buscava informações a respeito do paradeiro de Celina C. Abagge e Beatriz C. Abagge, uma vez que os policiais militares não deixaram que o mesmo as acompanhasse.
Destaca-se que o referido assessor jurídico do Município apenas ouviu o barulho de veículos saindo da frente do Forum, em alta velocidade, quando então, o Policial Militar que estava de “guarda” da porta da sala de audiências, informou ao mesmo e a Scheila (outra filha do ex-prefeito Aldo Abagge) que Celina e Beatriz não mais se encontravam no prédio do Forum, e que teriam sido conduzidas à sede da Polícia Federal em Paranaguá, onde seriam interrogadas.
De posse desta informação, imediatamente deslocou-se até a Delegacia da Polícia Federal em Paranaguá, e para sua surpresa, foi lhe informado pelo Delegado Federal, que Celina e Beatriz não haviam sido levadas para lá.
Tendo em vista o aparente desaparecimento de Celina e Beatriz, o já referido assessor jurídico, retornou a cidade de Guaratuba, procurando as mesmas, no Forum, na Delegacia e na estrada de acesso a Santa Catarina, porém, sem êxito.
Somente por volta das 15 horas, o assessor jurídico, Dr. Sílvio Bononi, retornando mais uma vez ao Forum, constatou que Celina e Beatriz lá estavam em companhia dos Policiais Militares que as haviam retirado abruptamente pela manhã. Demonstravam-se abatidas e em visível estado de choque, o que levou o mesmo a solicitar ao Promotor de Justiça, a presença do Médico da família, Dr. Acemar Silva, para verificar as condições de saúde física e psicológica das mesmas.
Relatam as denunciantes Celina Cordeiro Abagge e Beatriz Cordeiro Abagge que foram colocadas no interior de um veículo Gol de cor branca, e levadas em direção a Garuva, e que mesmo estando com o rosto coberto identificaram a estrada porque no meio do caminho mãe e filha foram separadas.
Dizem ainda, que foram levadas ao interior de uma casa, colocadas em quartos distintos, com vendas nos olhos, e lhes foi dito pelos policiais de que as mesmas deveriam dizer o que eles queriam, “se não fosse por bem seria por mal”.
Conta Beatriz Cordeiro Abagge, que por insistir em negar os fatos que os policiais lhes impunham em dizer, um dos policiais tirou-lhe a roupa e lhe disse que 16 (dezesseis) policiais iriam estuprá-la, que chegaram a praticar atos libidinosos contra a mesma, e quando reagiu, levou um tapa e veio a desmaiar.
Contam Beatriz C. Abagge e Celina C. Abagge que sofreram afogamento por água e sabão, socos e tapas, mais choques elétricos com arames amarrados nos dedos, chegando ambas a urinar e evacuar nas calças.
Foi relatado por Celina e Beatriz que ouviam vozes uma da outra em total desespero, o que, por estarem de olhos vendados, causou-lhes extremo sofrimento psicológico.
Que diante dos sofrimentos físicos e psicológicos, relatam as mesmas que os policiais se mostraram satisfeitos com as respostas que eles mesmos mandavam elas repetirem, conforme depreende-se da fita cassete da suposta confissão, que posteriormente foi degravada.
Relatam, ainda, que somente foram ouvidas na presença de advogado, promotores de justiça, e delegado, no período da noite do mesmo dia 02/07/1992, no interior do Batalhão da Polícia Militar de Matinhos, quando negaram veementemente qualquer participação nos aludidos fatos, bem como relataram as sevícias que sofreram pelos Policiais Militares que as conduziram.
Na mesma noite, foram as mesmas levadas para o Batalhão da Polícia Militar Feminina em Curitiba, e no dia 03/07/1992 foram encaminhadas à Secretaria de Segurança Pública do Estado, e posteriormente ao Instituto Médico Legal, onde não foram examinadas, e sim apenas foram constatadas lesões aparentes. Salienta-se que a dita verificação ocorreu na presença de uma policial militar fardada e foi superficial, contudo algumas marcas ainda persistem até o presente momento, afora as marcas psicológicas”. E segue:

“Foi aberto Inquérito Policial registrado sob nº 237/1992, na cidade de Paranaguá/PR, visando apurar as denúncias aqui relatadas, sendo o mesmo arquivado pelo magistrado local em 30/08/1994, que acolheu integralmente o parecer ministerial, que pugnava pela inexistência de materialidade, aliada à ausência de autoria das alegadas torturas físicas, pois as supostas vítimas apresentaram pequeníssimas lesões, quase imperceptíveis, devendo estas serem atribuídas, sem dúvida, à forma pela qual se deu o cumprimento dos mandados prisionais.”

(Seguem os documentos anexados).
O Relatório da Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da OAB/PR conclui que:
“(...) De acordo com todos os documentos que instruem o presente, tal fato caracteriza, em tese, o crime de seqüestro, onde foi relatado pelas mesmas, a ocorrência também de sevícias e com estes atos foi obtida “dita” confissão forçada, o que caracteriza, ainda, em tese, o crime de tortura física, psicológica e moral.”
Sobre a confissão, o Relatório lembra que:

“(...) a confissão ocorreu sem a presença do advogado de Celina C. Abagge e Beatriz C. Abagge, bem como, sem a presença dos Promotores de Justiça e da Juíza de Direito (...), contrariando o Artigo 5º da Constituição Federal.”

Sobre as torturas sofridas por Celina e Beatriz Abagge:
“De acordo com as declarações prestadas por Celina C. Abagge e Beatriz C. Abagge, em todos os feitos em que foram ouvidas, bem como neste procedimento, foram as mesmas submetidas à tortura por policiais militares. Tais declarações estão corroboradas com os laudos de exames de lesões corporais a que foram submetidas, no dia 03/07/1992, que concluem pela ofensa à integridade física das mesmas”.
Finalmente, na Conclusão do Relatório, temos o seguinte:
“Pode-se afirmar ainda que Celina Cordeiro Abagge e Beatriz Cordeiro Abagge, foram torturadas pelo próprio processo penal, que não possuindo “rainha das provas”, toma confissões sob tortura, como a “prova mãe”.
O Parecer, ressalte-se, foi aprovado pela unanimidade dos membros da Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB/PR.




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