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domingo, 29 de agosto de 2010

De doido ele não tem nada


Silvinho revela como Marcos Valério
pretendia arrancar dinheiro
dos cofres públicos


Marcio Aith e Felipe Patury

Sebastião Moreira/AE
Silvio Pereira: lobby de Valério para Opportunity, Mercantil e Econômico renderia até 1 bilhão de reais
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Cronologia da Crise


Na semana passada, o ex-secretário-geral do PT Silvio Pereira reacendeu a crise política. Em uma entrevista ao jornal O Globo, o ex-dirigente petista disse que o caixa dois do seu partido era abastecido por empresas que superfaturavam contratos com o governo. Contou que seu colega Delúbio Soares perdeu o controle dos pagamentos do mensalão feitos no Banco Rural, enquanto ainda comandava a tesouraria do PT. Afirmou que o partido se tornou refém do lobista carequinha Marcos Valério durante o governo Lula. Silvinho confirmou ainda que o interesse de Marcos Valério era intermediar alguns grandes negócios que dependiam do governo. Entre eles, a solução dos problemas do Opportunity na Brasil Telecom e o fim das liquidações dos bancos Econômico e Mercantil de Pernambuco. Segundo ele, o carequinha acreditava que esses projetos poderiam render-lhe até 1 bilhão de reais.

Quando foi convocado pela CPI dos Bingos para explicar suas declarações ao jornal carioca, o ex-dirigente petista deu uma desculpa que lhe franquearia uma estadia numa clínica psiquiátrica: "Não sei o que é fato, o que não é, o que eu criei". À Polícia Federal, Silvinho disse que leu as histórias sobre as liquidações bancárias em VEJA. De fato, Silvinho pode estar enfrentando uma crise nervosa, mas não há sinal de que ela tenha lhe turvado a memória. Como VEJA já revelara, a decisão de atender aos pleitos do lobista já havia sido tomada pelos então ministros José Dirceu (Casa Civil), Antonio Palocci (Fazenda) e pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O projeto só foi sustado pela eclosão do escândalo do mensalão. O que se sabe agora é que, por ordem de Lula e Dirceu, o procurador-geral do Banco Central, Francisco José de Siqueira, chegou a elaborar uma minuta de medida provisória que permitiria encerrar as liquidações do Mercantil e do Econômico. O projeto transferiria do Banco Central para o Ministério da Fazenda a tarefa de cuidar dos bancos sob liquidação.

Ailton Freitas/Ag. O Globo

"Só tratei do assunto Mercantil de Pernambuco internamente com as pessoas do Banco Central."
Francisco José de Siqueira,
procurador-geral
do Banco Central

A minuta foi elaborada a partir do segundo semestre de 2004, quando o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, ainda resistia a pressões de Lula, Dirceu e Palocci. Para aliviar as pressões que sofria, Meirelles determinou que seus assessores parassem de dar declarações contrárias ao fim da liquidação dos dois bancos. O diretor do BC responsável pela área, Antonio Gustavo do Vale, foi admoestado a não mais dizer que os ex-banqueiros Armando Monteiro Filho, do Mercantil de Pernambuco, e Ângelo Calmon de Sá não sairiam das liquidações com dinheiro, o que prejudicaria os planos de Marcos Valério. Simultaneamente, a área jurídica do BC começou a elaborar o projeto de transferência de responsabilidades.

A existência do projeto foi relatada a VEJA por um assessor da área econômica, dois técnicos do BC e um diretor da instituição. No relato deste último, Siqueira teria feito o texto à revelia de Meirelles e teria sido auxiliado por um jurista pernambucano. O procurador admite que tratou do caso, mas nega que tenha lançado mão do tal jurista. "Só tratei do assunto do Mercantil de Pernambuco internamente, com as pessoas do Banco Central", afirma.

Beto Barata/AE
Lula a Meirelles: "Não dá para vocês ganharem todas"

No início de 2005, Marcos Valério informou a Calmon de Sá que o BC estava elaborando uma MP que resolveria seu caso. "Ele me contou, mas eu não dei muita bola. Além disso, meu advogado tinha dúvidas sobre a legalidade da medida", diz o ex-banqueiro. Calmon de Sá conta que, na ocasião, já depositava poucas esperanças na eficiência do lobby do carequinha. Marcos Valério lhe havia prometido um encontro com Palocci que nunca ocorrera. Nesse momento, Calmon de Sá já apostava em outro interlocutor: André Esteves, que, na semana passada, vendeu o Pactual ao suíço UBS por uma bolada de 2,6 bilhões de dólares.

Ainda no governo Fernando Henrique Cardoso, Esteves havia se debruçado sobre o caso do Econômico. Concluíra que era possível encerrar a liquidação com a venda em leilão dos títulos públicos cambiais que estavam na carteira do banco quebrado. Mais: acreditava que poderia ganhar um bom dinheiro com a modelagem do leilão. Esteves tinha potencial para resolver o problema. Tem boa reputação, mantém bons amigos no Tesouro Nacional e desfruta a intimidade de Palocci. Tanto que um conjunto de e-mails sobre o assunto trocados por Esteves e Calmon de Sá acabou sendo apresentado pelo ex-ministro a um integrante da equipe econômica.

Marcos Valério vislumbrou uma oportunidade de negócios no fim das liquidações bancárias porque prestava serviços de lobby ao Banco Rural. No governo FHC, o Rural comprou uma parte do Banco Mercantil de Pernambuco. Com a mudança de governo, os patrões de Valério imaginavam que poderiam comprar o resto do Mercantil, que está abarrotado de títulos públicos cambiais iguais aos do Econômico. Como os casos são semelhantes, Valério passou a acreditar que poderia ganhar uma gorda comissão do Rural e outra do Econômico por apenas um lobby, já que a solução adotada para um resolveria também o caso do outro. Por isso, procurou Calmon de Sá. "Em 2004 ele disse que poderia fazer o Banco Central suspender a liquidação. Não queria nada em troca, mas que eu contribuísse para o PT quando estivesse tudo resolvido. Aceitei", relata Calmon de Sá.

Celso Junior/AE
Marcos Valério: o carequinha conhece o projeto da MP dos bancos

Com o deputado Virgílio Guimarães no papel de cicerone, Valério iniciou suas investidas sobre o BC. No fim de 2003, começou a tentar convencer o diretor Vale a permitir que o Rural comprasse o Mercantil e ficasse com os tais títulos cambiais. Freqüentava seu gabinete no BC e, pelo menos uma vez, aceitou um convite de Valério para discutir o assunto no bar. Do fim de 2003 até maio de 2005, Marcos Valério teve dez reuniões na Diretoria de Liquidações do BC. Conquistou a simpatia de um dos assessores de Vale, mas teve pouco êxito no projeto. Como não conseguiu furar o bloqueio na área técnica do BC, Marcos Valério recorreu aos escalões superiores do governo. Em 2004, Palocci passou a pedir que Meirelles tratasse o Mercantil e o Econômico com "carinho". Meirelles relutou. Palocci devolveu: "Você sabe, não dá para ganhar todas". No segundo semestre de 2004, o então ministro convocou Meirelles para uma reunião a três com o presidente Lula.

Uma vez no Planalto, o presidente do BC descobriu que Palocci não participaria do encontro. Na ante-sala do presidente, Meirelles constatou que Lula estava trancado com o presidente da Confederação Nacional da Indústria, Armando Monteiro Neto, filho do dono do Mercantil de Pernambuco. A caminho do gabinete presidencial, Meirelles cumprimentou Monteiro Neto, que afirma jamais ter tratado da liquidação da instituição com Lula. Meirelles encontrou Lula irritado. Quando falou dos bancos, o presidente repetiu a frase de Palocci: "Não dá para vocês ganharem todas".

O relato acima foi feito a VEJA por um confidente de Meirelles. Ele tomou conhecimento desses episódios logo depois de eles terem acontecido. Soube também como o presidente do BC interpretou essas conversas. Meirelles foi chamado por Lula em um momento em que balançava no cargo. Desde abril, Meirelles acreditava que sua situação no governo era delicada. O PT, sob o comando de José Dirceu, exigia a mudança da política monetária. Naquele mês, Palocci havia lhe dito que a munição que usara para defendê-lo tinha acabado. A partir de então, a decisão de mantê-lo no posto seria exclusiva do presidente. Meirelles tomou providências para não ser surpreendido por uma eventual demissão. Solicitou, por exemplo, aos técnicos do BC que limpassem os arquivos pessoais de seus computadores.

Seguro de que Lula, Dirceu e Palocci queriam encerrar as liquidações, Marcos Valério espalhou, no início de 2005, que a operação seria realizada. Entre fevereiro e maio do ano passado, o carequinha foi quatro vezes ao gabinete do diretor Vale. Numa delas, perguntou-lhe se ele já sabia da MP elaborada por determinação de José Dirceu. O último dos encontros de Valério com o diretor do BC aconteceu dez dias antes de o escândalo do mensalão vir à tona. Como se vê pelo relato acima, Silvio pode ter tido uma crise nervosa, mas o surto não invalida o fato de que ele assistiu ao esquema do mensalão de um posto privilegiado. Silvinho goza de boa memória e não rasga dinheiro.
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