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domingo, 7 de março de 2010

Cadastro Nacional de Desaparecidos dá nova esperança para Mães da Praça da Sé


Grupo de mulheres luta há 14 anos para reencontrar seus filhos.
Rede informatizada pode otimizar processo de buscas.

Emilio Sant'Anna Do G1, em São Paulo


Foto: Emilio Sant`Anna

Maria Régia (de óculos), Ivanise e Neusa, histórias parecidas de quem transformou a vida para procurar o filho desaparecido (Foto: Emilio Sant`Anna)

O sino do mosteiro de São Bento anuncia que são 21h quando Ivanise Esperidião da Silva desce a rua em direção ao Vale do Anhangabaú. É final de expediente e ela vai para casa. Carrega com ela outras 9 mil histórias iguais a sua. Há 14 anos é assim, uma rotina que mistura esperança e angústia numa espera que pode nunca ter fim. Ela é a fundadora da Associação Brasileira de Busca e Defesa a Crianças Desaparecidas (ABCD), mais conhecida como Mães da Praça da Sé.

  • Aspas

    Fico imaginando como ela pode estar hoje, se esta casada, se tem filhos"

Em 23 de dezembro de 1995, sua filha Fabiana, então com 13 anos, saiu para ir à casa de uma amiga e nunca mais foi vista. Desde então, a vida de Ivanise, de 48 anos, se transformou na busca incessante por hospitais, necrotérios e delegacias. Hoje, sua esperança é o recém criado Cadastro Nacional de Pessoas Desaparecidas.

Lançado oficialmente no final de fevereiro, pelo Ministério da Justiça e a Secretaria Especial de Direitos Humanos, Ivanise participou da criação da rede de investigações e acompanhamento dos casos, que poderá ser acessada de qualquer parte do país. No Brasil, não há dados oficiais sobre o número de pessoas desaparecidas por ano. “Nossa esperança é que o cadastro facilite a identificação das crianças de uma forma mais rápida e segura”, diz ela.

Segurança de que muitas vezes ela mesma abriu mão.Não foram poucas as vezes em que saiu de casa para procurá-la em lugares como a cracolândia, no centro de São Paulo.


Nesses 14 anos, Ivanise ajudou – de uma forma ou de outra – a encontrar 2.126 crianças


Também não foram poucas as vezes em que foi agredida por moradores de rua e viciados ao procurar por Fabiana. “Fico imaginando como ela pode estar hoje, se esta casada, se tem filhos”, diz Ivanise.

Três meses após Fabiana desaparecer, Ivanise já articulava um grupo que reúne hoje mais de 9 mil mães. Em pouco tempo a busca pela filha se misturou ao trabalho de busca pelos filhos de outras tantas mulheres.

Quase sem perceber, a busca por crianças desaparecidas se transformou na vida de Ivanise, a ponto de isso quase lhe custar a própria vida. Em menos de um ano, em 2003 e 2004, ela teve dois ataques cardíacos. “Nosso organismo pode ser como uma bomba quando está sob pressão”, diz ela.

Busca

Nesses 14 anos, Ivanise ajudou – de uma forma ou de outra – a encontrar 2.126 crianças. Nem todas as mãe, porém, puderam ver seus filhos vivos de novo. Na contagem das Mães da Praça da Sé, 192 crianças foram identificadas depois de mortas. “Quando isso acontece, falo para a mãe que a busca dela acabou. Temos que estar preparadas para essa possibilidade”, afirma.

Elas estão. Sabem que estão, mas admitir que isso possa acontecer com elas é como uma realidade distante. Uma das mães da Sé que costumam se sentar na escadaria da Catedral da Sé todos os domingos, onde elas se reúnem há 14 anos, é a aposentada Neusa Annanias de Moura, de 68 anos.

  • Aspas

    Se ele estiver morto quero poder enterrar meu filho, só isso."

Lá se vão quase dez anos desde que Leandro, seu filho mais velho saiu de casa para ir a uma festa e também, assim como as milhares de outras histórias que passam pela escadaria da Catedral, não voltou mais. “Naquele dia eu saí para comprar uma blusa e um sapato novo para ele ir para a festa. Nunca fomos ricos, mas fazia o que podia por ele”, conta Neusa. “Antes dele sair, ainda brincou comigo e me beijou.”

Aos 16 anos, em 16 de setembro de 2000, Leandro nunca mais foi visto. Neusa passou pelo mesmo processo de todas as outras mães. Delegacias, necrotério, as primeiras 48 horas de angústia e, finalmente, o mergulho na realidade: mãe de um filho desaparecido. “Até hoje não tive um telefonema, nada, nada”, repete, com os olhos fixos na foto do filho em sua mão. “Se ele estiver morto quero poder enterrar meu filho, só isso.”


Ao seu lado e de Ivanise, Maria Régia da Silva, de 51 anos, está começando agora o caminho que essas mulheres já percorreram. Os últimos 12 meses foram os primeiros que passou longe de seu filho Victor Ruffolo, de 23 anos.

Victor sumiu após ser internado em um hospital público. “Ele teve um surto esquizofrênico. Foi internado em um dia e no outro dia de manhã havia sumido”, conta Maria Régia. "A dor é diária."

Foto: Emilio Sant`Anna

Todos os domingos, as Mães da Praça da Sé se reúnem na esperança de alguma pista (Foto: Emilio Sant`Anna)


Histórias parecidas de mulheres que nunca mais viram seus filhos, mas tiveram pequenas conquistas nesse caminho. A maior delas demorou o exato tempo que Ivanise luta para rever Fabiana: o Cadastro Nacional de Pessoas Desaparecidas.

Foram dezenas de viagens à Brasília nesse período participando de reuniões intermináveis, diz ela. Enquanto a criação do cadastro se arrastava, Ivanise disse ao G1. "Moramos em um país que tem um cadastro de carros roubados, mas não tem nada parecido para as pessoas desaparecidas."

Com a mesma entrega que demonstrou por essa luta, hoje Ivanise volta para sua rotina na sede das Mães da Sé, na Rua São Bento. Há 14 anos é assim.






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