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sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Aloizio Mercadante




Aloizio Mercadante


25/8/2003

Um dos principais quadros do Partido dos Trabalhadores, o economista comenta os desafios de se estar no governo e promover uma política econômica ortodoxa conciliada às almejadas mudanças sociais




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25/8/2003

Um dos principais quadros do Partido dos Trabalhadores, o economista comenta os desafios de se estar no governo e promover uma política econômica ortodoxa conciliada às almejadas mudanças sociais






Paulo Markun: Boa noite. Depois da previdenciária é a reforma tributária que domina a cena política em Brasília. O relatório sobre a mudança do sistema tributário foi aprovado - ou pelo menos vai ser aprovado, tudo indica, amanhã -, mas segue mergulhado em polêmicas e disputas. Junto a isso, o comércio e a indústria buscam se ajustar à recente redução da taxa básica de juros e sentir se o mercado consumidor já será capaz de algum sinal de aquecimento da economia. São esses alguns dos assuntos do Roda Viva de hoje. O nosso entrevistado é o senador Aloizio Mercadante, o economista que há 20 anos participa diretamente da elaboração do programa econômico do PT [Partido dos Trabalhadores].

[Comentarista]: Economista e filiado ao PT de São Paulo, desde a fundação do partido em 1980, Aloizio Mercadante tornou-se conhecido em 1989 como principal articulador econômico da primeira campanha presidencial de Luís Inácio Lula da Silva. Depois foi eleito duas vezes deputado federal e disputou a vice-presidência da República na chapa de Lula em 1994. Em 2002 foi eleito senador com a maior votação já registrada numa disputa para o Senado. Aos 49 anos de idade, Aloizio Mercadante é um dos nomes fortes do presidente Lula e um dos principais interlocutores do partido com o mercado financeiro. Líder do governo no Senado, carrega boa parte da missão de obter no Congresso os apoios aos projetos do presidente Lula. Missão que se torna crucial agora: o governo entra esta semana na fase decisiva para aprovação da reforma tributária, que teve o texto básico aprovado sexta-feira pela comissão especial da Câmara. Os deputados travaram uma batalha política por conta das polêmicas que ainda cercam vários pontos do projeto. A CPMF [Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira], alíquota de 0,38% sobre movimentações financeiras, que era provisória, torna-se permanente. O ICMS [Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços] tinha 27 legislações e 44 alíquotas; deve receber legislação única e cinco alíquotas, a menor delas para a cesta básica e remédios. O IPI [Imposto sobre Produtos Industrializados], que varia de 0% a mais de 300%, deve ter reduções para desonerar máquinas e equipamentos para a indústria. Benefícios fiscais que criaram a rixa fiscal entre estados para atrair empresas vão ser proibidos só daqui a oito anos. O imposto da herança [ITCMD, Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doações], que hoje é de 4% e uniforme, deve ter alíquota progressiva conforme o valor da herança. Críticas, dúvidas e conflitos de interesses em torno destes e sobre outros pontos da reforma não faltam. O governo já teve de admitir possibilidades de mudanças, mas vai ser outra batalha. Governadores e prefeitos não querem ficar fora da partilha da CMF [Contribuição sobre Movimentação Financeira], o imposto que vai substituir a CPMF, e o governo federal não quer abrir mão de receitas da União. A oposição vai insistir em mudar totalmente o texto da reforma, por não concordar com a proposta em andamento. E o setor produtivo também quer interferir. Para a Fiesp - Federação das Indústrias de São Paulo, o projeto piora o sistema tributário; complica a cobrança de impostos; aumenta a carga tributária e exclui setores da desoneração representada por isenções de IPI e ICMS. De olho nas mudanças dos impostos que pagam, comércio e indústria também se movimentam, esta semana, buscando se ajustar à redução das taxas básicas dos juros. Procuram testar nas novas vendas se os financiamentos, um pouco mais baratos agora, já serão capazes de representar algum estímulo à economia.

Paulo Markun: Para entrevistar o senador Aloizio Mercadante, nós convidamos: Silvio Bressan, repórter especial do jornal O Estado de S. Paulo; Pedro Cafargo, editor-executivo do jornal Valor Econômico; Helena Chagas, chefe de redação da sucursal de Brasília do jornal O Globo; Bob Fernandes, redator-chefe da revista Carta Capital; Nelson Breve, repórter de política da sucursal de Brasília do Jornal do Brasil; e Clóvis Rossi, colunista do jornal Folha de S. Paulo [programa ao vivo]. Boa noite, senador.

Aloizio Mercadante: Boa noite, Paulo

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Paulo Markun: Queria começar [pelo] o seguinte: é mais complicado aprovar a reforma tributária do que a previdenciária?

Aloizio Mercadante: Acho que as duas são reformas complicadas, complexas e que têm resistências de natureza distintas. A reforma da previdência foi focada no ajuste do setor público, pelo desequilíbrio profundo do que existia entre o INSS [Instituto Nacional do Seguro Social], que atinge o grosso da população brasileira... Lembrando que 40 milhões de brasileiros sequer têm direito à previdência do setor privado; dos 21 milhões que estavam aposentados e pensionistas, 16 milhões ganharam até um salário mínimo, ninguém ganhava mais de 1580 reais. No setor público a diferença de situação era muito profunda. No legislativo a aposentadoria média é de 10 mil reais; judiciário 7 mil reais; o Ministério Público 12 mil reais; no executivo 2980 reais; e a média do setor privado 380 reais. Esse desequilíbrio exige um ajuste, este ajuste eu acho que foi apoiado por todos os governadores, pelo presidente. Foi uma iniciativa suprapartidária, nós tivemos uma série de negociações na Câmara, várias “flexibilizações” foram feitas: permite-se ainda aposentadoria integral, a paridade... Quer dizer, uma série de modificações que aumentaram o prazo da pensão, mas a resistência era social.

Paulo Markun: Sim, mas era uma discussão de justiça de um lado...

Aloizio Mercadante: E sustentabilidade fiscal.

Paulo Markun: ... E, digamos, direito de outro.

Aloizio Mercadante: Não, é sustentabilidade fiscal, porque você não tem como manter esse nível de aposentadoria, estados e municípios não tinham condições de projetar essa situação para o futuro. Então era absolutamente indispensável, eu acho que venceu a racionalidade dentro de uma visão de buscar uma aproximação desses dois sistemas progressivos. Não se fez um ajuste total, e com isso você tem um alívio nas contas públicas, você tem sustentabilidade no sistema, pelo menos por um longo período, e você diminuiu o nível de injustiças num país em que 40 milhões de pessoas estão fora do sistema.

Paulo Markun: Mas na reforma tributária o que eu queria entender a seguinte: é mais complicada, porque não tem uma fórmula só.


Aloizio Mercadante: O problema da reforma tributária, eu acho que primeiro nós entendemos que o Brasil atravessa uma grave crise financeira e fiscal. A dívida pública chegou a 62,5% do PIB [Produto Interno Bruto] em setembro do ano passado, e o Estado praticamente não tinha crédito. Os títulos eram lançados com o período máximo de seis meses; o prazo de vencimento da dívida era muito curto, com juros elevadíssimos que o país vem praticando. A recuperação da qualidade do crédito público significa você conseguir alongar os títulos da dívida pública, hoje elas estão em torno de dois anos, dois anos e meio; os títulos todos estão sendo lançados no prazo de três anos, dois a três anos, nós tivemos um alongamento. Estamos conseguindo agora uma queda da taxa básica de juros, uma queda que já [vem das] três últimas decisões do Copom [Comitê de Política Monetária, órgão ligado ao Banco Central]. Essa é a trajetória, eu diria, à medida que a inflação foi debelada e as contas externas melhoram muito, mas as restrições fiscais ainda são muito severas. A dívida pública caiu de 62,5% do PIB para 55% do PIB. Ainda é muito alta, e para que a taxa de juros [ainda] possa cair [e] você [possa] aliviar as finanças públicas, o país precisa de um superávit primário, exatamente para desendividar o Estado brasileiro. Esse superávit compromete muito a capacidade de gasto de investimento em todos os níveis: a união, os estados e municípios. Fazer uma reforma tributária nesse cenário: a margem de manobra é pequena. Nós iniciamos durante toda a campanha, estamos reafirmando agora, não dá para reduzir a carga tributária neste momento. O que é possível é racionalizar o sistema, simplificar, democratizar, buscar atingir alguns setores - como os setores exportadores -, desonerar as exportações, estimular o investimento, simplificar a burocracia fiscal das empresas e buscar mais justiça fiscal; esses objetivos dentro de um quadro de manter a carga tributária - nem aumentar e nem reduzir. Foi isso que fez, foi isso que desenhou, eu diria, o compromisso dos governadores com o presidente em torno da reforma tributária; também foi um projeto apresentado em comum acordo com governadores e presidente. Agora, a reforma tributária é alvo de uma disputa entre os municípios, que querem aumentar sua participação na receita tributária; os estados que querem uma participação maior; [e] a união, que tem de manter a sua receita em função dos compromissos, tanto de investimento do setor público - infra-estrutura que é absolutamente indispensável, energia, transporte, os gastos sociais - e mais o superávit primário que perpassa todos os níveis. As empresas: parte delas será beneficiada sim; a maioria das empresas serão beneficiadas pela reforma tributária. Agora, algumas que eram favorecidas pela guerra fiscal não têm interesse na reforma tributária. A matéria [apresentada no comentário inicial do programa] mostra: nós tínhamos 27 códigos tributários, 44 alíquotas; nós vamos ter cinco alíquotas no Brasil, e um único código tributário. Só que isso fere duramente a guerra fiscal, porque com essas cinco alíquotas, todos os produtos no Brasil vão ser enquadrados, e você vai ter muito mais transparência e muito mais controle. Você restringe a margem dos governadores para promover a guerra tributária.

Helena Chagas: Então, pelo o que o senhor está falando, o que vai sobrar mesmo desse projeto todo que foi enviado ao Congresso pelo governo, e assinado pelos governadores, é muito pouco, pelo que está nos parecendo. O que o senhor acha que dá para salvar [algo] além da CPMF e da tal da DRU - desvinculação das receitas orçamentárias [da união] -, que é o que interessa mesmo para o governo? A gente não corre o risco de o Congresso acabar aprovando isso, porque o governo vai para cima dele, vai forçá-lo a aprovar isso, e o resto vai para as calendas [um tempo que nunca virá], e a gente nunca mais ouvirá falar em reforma tributária? Não há esse risco?

Aloizio Mercadante: A CPMF: a união não tem como abrir mão dessa receita, ela é totalmente vinculada: do 0,38%, 0,2% vai para o Sistema Único de Saúde [SUS]; 0,1% vai para a previdência e seguridade social; e 0,08% vai para o Fundo de Combate à Pobreza. Ela é vinculada e ela é partilhada com os estados e municípios. A DRU é uma exigência, porque o nível de vinculação chegou a tal ponto que você não consegue construir um superávit primário dessa magnitude sem um mecanismo como esse. Os estados precisam também aprovar até o final do ano a Lei Kandir - os recursos da Lei Kandir por desonerar parte das exportações. Agora, o que mais eu diria [que] já está consolidado? O Fundo de Desenvolvimento Regional: você vai pegar uma parcela dos recursos da união - do IPI, do Imposto sobre Exportação [IE], do IPI, do Imposto de Renda [IR] -, e vai criar um fundo para fortalecer mecanismos que fomentam ao desenvolvimento regional, principalmente Nordeste, Centro-Oeste e Norte; isso também já está consolidado. A Cide [Contribuição sobre Intervenção no Domínio Econômico] é um debate que está ocorrendo, [e] eu tenho muita simpatia pelo projeto do senador Alberto Silva, do PMDB [Partido do Movimento Democrático Brasileiro] - que tem apoio da bancada do PMDB, e grande simpatia na bancada do bloco do Senado -, que é pegar todos os recursos da Cide que vão para investimentos em infra-estrutura e criar uma câmara de gestão paritária - governadores e união, com representação dos prefeitos -, e investir todos esses recursos em um plano nacional de recuperação das estradas. [Isso é] melhor do que repartir 25% das Cide para cada um dos estados. Por quê? Porque se nós centralizarmos os recursos dentro de um plano de recuperação... Nós temos 32 mil quilômetros de estradas com problemas; 1,5 milhão de caminhões carregando e transportando a carga. Isso aumenta o custo do frete, aumenta o gasto com o combustível, prejudica a eficiência da economia, a capacidade de exportação, [prejudica a] competitividade pela precariedade da infra-estrutura. Se você pulverizar os recursos, a intervenção que você precisa fazer não tem eficiência. Você tem que pegar quais são as grandes artérias, os principais eixos do transporte, e a partir daí ir recuperando as estradas, com total transparência em uma câmara de gestão semelhante ao que foi feito no Apagão [crise no setor de energia elétrica que afetou o fornecimento e distribuição no país nos anos de 2001 e 2002]. Há um apagão das estradas.

Sílvio Bressan: Em todas as estradas, senador? As federais, as estaduais, todas ao mesmo tempo?

Aloizio Mercadante: Eu acho menos importante saber que a estrada é federal ou estadual. Por exemplo, Minas: o grosso das estradas é federal; São Paulo: [as] estradas fundamentais são estaduais. O importante sobre as estradas fundamentais do país [é que elas] têm de assegurar condições de transporte, e hoje elas não têm. Cada freada de caminhão é mais combustível, mais depreciação da frota, é mais custo. Se você pegar esse pouco investimento de recurso nesse setor, e pulverizar um pouquinho para cada estado... [interrompido]

Sílvio Bressan: Quem seria o gestor desse bolo de recursos?

Aloizio Mercadante: Uma comissão paritária, como foi a Câmara de Gestão União-estado, com transparência total, para que você possa, em cima desse plano pactuado com os estados, ter a política de recuperação das estradas fundamentais do Brasil. Eu acho que um sistema como esse... Nós temos mais de 130 empresas de engenharia parada, sem volume de trabalho, com os equipamentos depreciando. E temos necessidade, eu diria imperiosa, de recuperar a estrutura de transporte do país. É muito mais racional nós termos um plano nacional com total transparência, com paridade - os estados e a união, com participação dos municípios -, para construir esse plano de desenvolvimento estratégico de transporte, do que a pulverização que está sendo reivindicada pelos governadores.

Clóvis Rossi: Mas se estados e municípios e a união não têm nenhum tostão para gastar... Vamos tentar sair um pouquinho desse jargão: DRU, Cide, Lei Kandir, senão o telespectador acaba dormindo. Deixe-me lhe dar a chance, em homenagem aos seus 10 milhões e meio de votos, de fazer uma coisa que raros políticos têm a coragem de fazer, que é ser absolutamente honesto, franco e transparente diante do público e responder uma pergunta simples: se você fosse o ministro da Fazenda, para o que tem toda a qualificação, e lealdade ao PT - demonstrada inclusive pela sua renúncia a uma eleição praticamente certa em 1994 para perder uma eleição, como já se sabia que ia perder - a política seria esse “arrozinho com feijão" que está aí, que é medíocre, que o país está afogado sem grandes expectativas e tal, ou seria pelo menos alguma coisa petista? [Mercadante desistiu de se candidatar à reeleição para deputado federal (fora o mais votado do PT em 1990) para ser candidato à vice-presidente]

Aloizio Mercadante: Não, Rossi. Se a gente pegar o cenário da posse, a margem de manobra da política econômica era muito pequena. Nós tínhamos uma grave crise cambial - taxa de câmbio a quase quatro reais -, o país praticamente não tinha crédito externo, não tinha crédito soberano e não tinha crédito para as empresas endividadas em dólares - e as empresas endividadas em dólares com tarifas em real viviam uma situação de absoluto constrangimento e inadimplência, com risco sistêmico em alguns setores. É o caso da aviação, parte inclusive do setor de comunicações, empresas de telecomunicações. Havia setores muito expostos, que tinham tarifas em real e a dívida em dólar, sem capacidade de rolagem. Nós tínhamos uma dívida pública de 62,5% do PIB e sem crédito para o setor público; taxa de juros elevadíssima; inflação de 2,5% ao mês - 30% ao ano no IPCA [Índice de Preços ao Consumidor Ampliado]. E, dentro de um cenário como esse, qual foi a opção? A opção foi buscar primeiro equacionar o problema cambial, que era a origem da crise. Nós tivemos recorde histórico de saldo comercial no Brasil: as exportações cresceram 14 [bilhões de dólares]; o saldo comercial está em 14 bilhões e meio - nos últimos 12 meses, 22 bilhões de dólares.

Clóvis Rossi: Mas o dólar comercial é basicamente gerado pela desvalorização cambial que vêm desde o terrorismo financeiro [durante a campanha presidencial de 2002, o mercado financeiro, temeroso da vitória de Lula, promoveu uma forte saída de recursos financeiros, gerando uma grande desvalorização do real].

Aloizio Mercadante: Não, não. A taxa de câmbio em janeiro era [de] quatro [reais] para um [dólar]; hoje é [de] três [reais] para um [dólar]. Nós tivemos... O câmbio cedeu, mas o saldo comercial continuou, e as exportações cresceram 24% nesses sete meses, num mundo que está em recessão. Então o Brasil tem competitividade em alguns setores. Por exemplo, a agricultura brasileira: 120 milhões de toneladas de grãos, o crescimento de 23% na safra. O Brasil hoje é o maior produtor mundial de carne... [interrompido]

Clóvis Rossi: Como o PSDB [Partido da Social-Democracia Brasileira] está dizendo, e tem razão, foi financiado e plantado pelo governo anterior.

Aloizio Mercadante: O menos importante, eu acho. Mas a conversa franca que nós estamos tendo aqui, [isso] é o menos importante. O que o governo pode fazer com a agricultura é ajudar uma vocação fantástica que este país tem. Nós temos duas vezes mais terra que a China. A China colhe 435 milhões de toneladas de grãos, e nós estamos [colhendo] 120 ainda. Nós temos um longo caminho para crescer. Nós temos 90 milhões hectares de terra ociosa no Brasil; 210 milhões para a pecuária, [que] você pode reduzir isso, entrar para a agricultura melhorando o manejo do lugar. Nós já somos o maior produtor exportador de carne, maior produtor exportador de suco de laranja, maior produtor exportador de açúcar e de álcool, somos o segundo em soja, quer dizer... [interrompido]

Clóvis Rossi: Isso só seria... Continuaríamos sendo com qualquer que fosse a política.

Aloizio Mercadante: Não, não é verdade. Primeiro, o governo Fernando Henrique...

Clóvis Rossi: Nós somos o segundo maior produtor de [...] ...

Aloizio Mercadante: Não, não é qualquer política.

Clóvis Rossi: ... Porque a política feita pelo PT foi sensacional, e não é isso.

Aloizio Mercadante: Vamos ver porque não é qualquer política.

Clóvis Rossi: Essa é uma realidade que vem vindo de anos para cá.

Aloizio Mercadante: Por que não é qualquer política? Primeiro o governo Fernando Henrique Cardoso manteve uma taxa cambial artificial, e nós não. A agricultura se descapitalizou [e] a safra agrícola ficou parada em 80 milhões de grãos praticamente durante cinco anos. É um câmbio competitivo de um lado, uma política agrícola ativa, porque nós repactuamos todas as dívidas do setor agrícola, nós tivemos uma rolagem de toda a dívida. Além disso aumentamos em 26% o volume de crédito para agricultura comercial - 34 bilhões de reais -, e geramos um programa de crédito para a agricultura familiar que nós nunca tivemos no Brasil, de 5 bilhões e 600 milhões de reais, para ajudar essa agricultura empresarial do agronegócio, que gera 23 bilhões de dólares de superávit hoje, com a pequena agricultura familiar que gera emprego no campo - foram 17 milhões e 700 mil empregos no campo, [na] agricultura. Vamos pegar outro setor: mineração, siderurgia, papel e celulose... Enfim, nós temos alguns [setores] - têxteis e calçados - que são setores nos quais o Brasil tem vantagem competitiva, está consolidando. São setores que estão com uma taxa de crescimento espetacular, com investimentos, e é o que gera esse saldo comercial.

Clóvis Rossi: Mas o que não estou entendendo é que se tem isso com o fato de o governo do PT ter aumentado a taxa de juros inicialmente de 25% para 26,5%, e manter ainda uma taxa de juros real que é superior a que encontrou. De 12% está com uma taxa de juros reais em torno de 15%, então continua sendo superior... [a taxa de juro real é a resultante da diferença entre a taxa de juro nominal (a taxa anunciada) e a inflação] O que tem que ver tudo isso [aqui falado] com essa decisão [de aumentar a taxa de juros] e com a decisão de aumentar o superávit primário, sem ao menos ter pedido uma maldita contrapartida para o FMI [Fundo Monetário Internacional]? [O governo Fernando Henrique Cardoso havia acertado previamente com o FMI uma meta de superávit primário de 3,75% para o ano de 2003, mas a nova equipe econômica recém-empossada elevou a meta de 2003 para 4,25%]

Aloizio Mercadante: A taxa de juros é o resultado exatamente dessa crise fiscal e financeira do setor público. Quando você melhora as contas externas e traz a taxa de câmbio de forma estável com padrão em torno de três reais, diminuiu um dos elementos fundamentais da dívida pública, que era dívida indexada ao dólar, e aliviou a pressão inflacionária, que foi a desvalorização abrupta que nós tivemos. Isso permitiu com que a inflação fosse derrotada, abrindo um caminho para que a taxa de juros caia sustentadamente, porque populismo e demagogia em taxa de juros é uma coisa que dura pouco, porque você não consegue rolar a dívida pública. Você é pressionado exatamente porque o Estado está muito endividado e não tem crédito, e por causa de todos os traumas da política anterior, de várias vezes que os credores da dívida foram atingidos. Nós precisamos reduzir a taxa de juros sustentadamente, [e] esse esforço vem sendo feito, está aí essa queda de 2,5%, é a maior queda desde 1999. É uma queda, e com a taxa básica de juros caindo, na taxa da ponta [ao consumidor] também o governo vem fazendo medidas inovadoras. Essa política de micro-crédito; essa política de pegar parte dos compulsórios [depósito compulsório é um mecanismo de política monetária que obriga os bancos comerciais a depositarem diariamente um percentual do seu dinheiro livre em caixa em uma conta no Banco Central] e vincular exatamente aos estímulos [ao] micro-crédito; esse programa de financiamento para os aposentados vinculado à conta em que você pode sacar até mil reais; são inovações que vão forçando o sistema privado a reduzir o spread [diferença entre as taxas de juros da economia real e taxa de juros praticada pelo Banco Central (taxa Selic)] e aumentar o crédito. Isso permite o quê? Derrotar a inflação, organizar as contas externas e melhorar a dívida pública. Qual é o desafio? O desafio é impedir que o país consolide uma trajetória recessiva, que está atingindo a economia mundial, e que promova uma recuperação econômica com estabilidade. Quais os instrumentos?

Bob Fernandes: Senador...

Aloizio Mercadante Bob, pois não.

Bob Fernandes: Senador, há dois dados objetivos, um é que o PT sempre foi extremamente crítico ao câmbio valorizado nos anos de Fernando Henrique Cardoso. No entanto, é o que se vê. E hoje o que se tem é uma recessão há dois meses. Qual é a expectativa, qual é a perspectiva?

Aloizio Mercadante: O câmbio [está] valorizado em termos. Eu, por exemplo, alertei isso no início do governo. À medida que a taxa de câmbio estava chegando a R$ 2,80 e mostrando a tendência de valorização, você começa a trocar o capital de qualidade que entra pelas exportações - porque gera emprego, gera salário, gera impostos, gera investimento, gera desenvolvimento - pelo capital volátil, que é aquele capital que você menos tem quando você precisa, porque quando você precisa ele vai embora. A entrada [de dólares] vinha exatamente por quê? Primeiro que o Banco Central continuava rolando toda a dívida indexada ao dólar, e ele não está fazendo mais isso, felizmente ele parou de rolar a dívida indexada ao dólar, e vem reduzindo sua exposição em dólar, por isso a taxa de câmbio vai encontrando um ponto de equilíbrio mais competitivo. E segundo porque o juro estava muito alto, o spread bancário é que estimulava a entrada de capital especulativo. À medida que você começa uma trajetória de queda da taxa de juros, e deixa de rolar toda a dívida pública indexada ao dólar, o câmbio fica estável, mas em um patamar que mantém a competitividade da economia.

Bob Fernandes: Mas o senhor diria que houve pelo menos um erro de time [tempo]?

Aloizio Mercadante: Não poderíamos ter uma taxa de câmbio de quatro para um, não é real.

Bob Fernandes: Mas houve pelo menos um erro de timing, não houve?

Aloizio Mercadante: Pode ter tido, eu diria que é um problema de feeling [sensibilidade] e de interpretação. O Banco Central, na minha visão, buscou uma opção conservadora durante um período, agora começou a “flexibilização” política, no sentido de priorizar a derrota da inflação e a consolidar - nós tivemos deflação em vários índices. Acho que havia margem na política monetária e fiscal, tanto tem que o governo começa a explorar essas margens para estimular a recuperação da economia. Por exemplo, a redução do IPI para automóveis, por prazo determinado, é uma forma de, junto com essa política de redução da taxa básica e de redução do spread bancário, com novas linhas de crédito, é uma forma de você estimular o consumo de bens de consumo duráveis. Isso tem que ser estendido, no meu ponto de vista, para outros produtos da linha de duráveis de consumo popular: geladeira popular, fogão popular, ferro de passar. As linhas mais baratas desses segmentos deveriam ter um estímulo fiscal de curto prazo.

Pedro Cafargo: Mas está muito lento, não é, senador? Se não há lobby da indústria não se reduz nada, porque a indústria automobilística fez o lobby [para redução do IPI] que se reduziu do automóvel... Não tem o lobby da geladeira, do fogão...

Aloizio Mercadante: Não é problema porque fez o lobby. A indústria automotiva é conhecida como a indústria da indústria, por quê? Porque é o setor que mais relações tem na cadeia produtiva. Atrás de um automóvel há metalurgia, siderurgia, mecânica, plástico, vidro, tinta, borracha - para trás; e para frente você tem toda a indústria de petróleo, agência de veículos, revendedoras de veículos, postos de gasolina, estradas. Ela tem um grande impacto, especialmente na economia brasileira. Nós temos uma capacidade produtiva de três milhões de automóveis, e estamos produzindo 1 milhão e 700, 1 milhão e 800 mil. Esse estímulo ao consumidor, que é por prazo determinado e vinculado à redução de preços, ajuda a desovar os estoques e manter o nível de emprego, e puxa toda a cadeia produtiva. Na minha visão o governo ganha [com impostos] pelo volume [de vendas], ele pode perder, por isso que eu acho que ele deveria... [interrompido]

Clóvis Rossi: Em curto prazo se deve ao fato de que a economia está morta. Então você tem que dar respiração artificial, fazer “boca-a-boca”. Isso em vez de ter um projeto de crescimento sustentado e continuado...

Aloizio Mercadante: Mas o que é o crescimento? São duas coisas distintas.

Clóvis Rossi: ...e não essas medidazinhas em curto prazo.

Aloizio Mercadante: Não, isso é para você estimular a recuperação da economia e buscar manter o nível de consumo, produção e de emprego num cenário internacional, que é de recessão. A Europa está crescendo 0,4%, os Estados Unidos... O Japão está parado há alguns anos.

Sílvio Bressan: Estados Unidos já estão voltando [a crescer].

Aloizio Mercadante: E os Estados Unidos estão com uma dificuldade imensa de sair [da recessão]. Eles tinham um superávit primário de 72 bilhões de dólares em 2001, e estão com um déficit de 550 bilhões de dólares. [Esses países] são os grandes consumidores.

Clóvis Rossi: Não, mas essa coisa [de recessão] no mundo é sempre culpa [...]. O demônio são sempre os outros.

Aloizio Mercadante: Só um minutinho. Não é isso, vamos discutir as coisas com um pouco mais de objetividade. A economia americana com esse déficit público passa a ser o grande sugador de capital, diminui a capacidade de investimento direto nos outros países. Essa recessão prolongada dos Estados Unidos teve no período anterior uma crise no mercado de capitais, quer dizer, destruição de parte do capital financeiro disponível. A Europa [está] estagnada; o cenário internacional não é favorável a um crescimento elevado.

Paulo Markun: Quer dizer, está para começar o “espetáculo do crescimento”? [expressão utilizada por Lula ao anunciar que o país, após os ajustes econômicos, estaria pronto para o “espetáculo do crescimento”]

Aloizio Mercadante: O que é que vai aumentar o crescimento no Brasil? É o investimento. Essas medidas ajudam a manter a recuperação econômica. O que assegura o crescimento sustentável? É o investimento. Nós temos um patamar hoje de 14% de PIB de investimento, e nós temos que ir para 20%. Por onde começar? Por infra-estrutura, por isso... [interrompido]

Helena Chagas: Mas, senador, quando o eleitor que votou no Lula vai começar a ver a política econômica do PT, e não a do Fernando Henrique?

Aloizio Mercadante: Nós precisamos de uma transição entre o que era o modelo neoliberal e o futuro.

Helena Chagas: Até quando?

Aloizio Mercadante: O que mudou de substantivo nesse período? Por exemplo, qual era o elemento chave do modelo neoliberal? Era a dependência do capital externo. Quando o presidente Fernando Henrique Cardoso tomou posse, o déficit das transações correntes do Banco [Central] do Brasil era 1 bilhão e 700 milhões de dólares; quatro anos depois era de 34 bilhões de dólares. Como é que você financiava esse déficit? Vendendo as empresas estatais, vendendo as empresas nacionais e mantendo os juros altos; essa era a combinação da política econômica. Isso foi gerando um passivo externo dolarizado: a dívida pública passou de 64 bilhões de reais para 625 bilhões de reais quando nós tomamos posse. O Estado [estava] endividado; o país endividado, vulnerável e exposto. Como é que sai disso? Um dos caminhos para sair é esse que nós estamos optando, um grande superávit comercial: exportando muito para gerar dólar, para diminuir o déficit das transações correntes. Em julho do ano passado o déficit das transações correntes era de 17 bilhões de dólares, hoje nós temos um superávit de 2,5 bilhões de dólares...

Helena Chagas: Você não acha que o Brasil está muito subserviente ao FMI, o governo do PT está muito cordial ao FMI? [fala simultânea]

Aloizio Mercadante: ...Ou seja, nós não estamos precisando de financiamento externo novo, então isso alivia. E as empresas estão com 100% de rolagem de dívida. Portanto nós estamos saindo dessa dependência, é por isso que a gente não precisa ficar vendendo o patrimônio, não precisa privatizar.

Helena Chagas: Agora a gente vai renegociar um acordo com o FMI. O que a gente vai fazer?

Aloizio Mercadante: Para crescer nós precisamos primeiramente [de] investimento em infra-estrutura; o plano plurianual é exatamente a idéia de desenhar os projetos “futurantes”. O governo também está apresentando também um programa de parceria com o setor privado, [um] novo tipo de parceria para estimular exatamente essa aliança capital produtivo, [capital] estatal, e capital privado, para poder alavancar investimento no setor de estrutura, que é quem puxa o ciclo econômico. E a redução dos juros, junto com a redução do spread bancário, é fundamental para... [interrompido]

Nelson Breve: Senador, é um caso. No início da pergunta do Clóvis Rossi... O senhor concorda com essa política? Essa é a sua política? O senhor diz que essa é uma das maneiras. O senhor concorda com essa maneira, ou o senhor tem outra?

Aloizio Mercadante: Não, acho que o Brasil, não tem saída de uma crise como essa sem custo econômico social, não tem.

Nelson Breve: Então o senhor faria exatamente isso?

Aloizio Mercadante: Não sei se faria isso, não existe isso na história. Você leu o Hobsbawn [Eric Hobsbawn, historiador] dizendo que se a Cleópatra tivesse dois narizes... Não, ela só tem um, não existe “se”, então o que nós estamos fazendo é isso. Eu sou líder do governo, acredito nesse governo e acho que nós estamos fazendo muita coisa em um período tão curto de tempo, em um grau de liberdade muito pequeno que nós tínhamos. É muito fácil a demagogia barata, que nós podemos fazer, de criar demagogia barata de tentar um surto populista de crescimento, que muitas vezes foi tentado e não foi consistente e duradouro. O caminho que nós estamos optando é o caminho de crescer sustentadamente com estabilidade. As restrições ainda são severas nas contas externas, nas contas públicas, a deficiência de estrutura no Brasil; nós somos um país que tem pouca poupança interna. Nós temos que desenvolver esses mecanismos para permitir um processo de crescimento sustentável. Acho que nós estamos saindo daquele quadro de crise cambial financeira e fiscal e estamos criando bases sólidas para investimento e crescimento. Agora, um crescimento acelerado exige um continuado esforço nas exportações. Por isso a reforma tributária é importante, para poder dar racionalidade aos investimentos, estimular o investimento, estimular as exportações. Não é porque o governador quer mais dinheiro ou o prefeito quer mais dinheiro ou a união quer mais dinheiro, porque por aí nós não vamos a lugar nenhum. Nós precisamos é repactuar a federação, ter sensibilidade com os problemas dos estados e municípios, mas pensar o Brasil com grandeza, pensar o Brasil com crescimento. E para crescer tem que haver um único código tributário, tem que haver racionalidade. Você não pode ter 44 alíquotas e 27 códigos, isso é uma burocracia que ajuda a sonegação e elisão fiscal. Você precisa desonerar os bens de capital para poder estimular o investimento, você precisa acabar com os impostos cumulativos sobre as exportações para alavancar as exportações. Esse trabalho árduo da reforma tributária, previdenciária, do plano plurianual, desse esforço fiscal que o pais está fazendo é que se criam bases sólidas para crescer de forma sustentável.

Paulo Markun: Senador, três perguntas aqui sobre o mesmo tema. Ricardo Gregori, de Diadema, diz o seguinte: “Há como demonstrar para a população de forma transparente que a reforma vai reduzir a carga tributária no futuro”? Natalino Silva, de Minas Gerais, gostaria de saber: “Com a reforma tributária o que nós, trabalhadores de todos os dias, ganharemos afinal? Ou seja, esclareça para o leigo no assunto as vantagens, sem especulações dos investimentos internacionais”. E, finalmente, o André Campos, de Campinas, São Paulo, pergunta o seguinte: “O PT até 2002 votava contra a CPMF, e hoje vota a favor. Por quê”?

Aloizio Mercadante: Não, em 2002 é o contrário, nós fizemos campanha para aprovar a CPMF, alertando que o país não tinha como perder 20 bilhões de reais. Quem obstruiu na época a votação da reforma, da renovação da CPMF foi o PFL [Partido da Frente Liberal, desde 2007 denominado Democratas (DEM)], que tinha perdido alguns cargos no governo e obstruiu durante quase cinco meses. Acho que foi um dos erros que agravou a conjuntura naquela ocasião. Nós tínhamos crítica à política de aumento de impostos do governo anterior; um aumento de carga tributária muito grande, como decorrência exatamente, eu acho, dos equívocos exatamente do primeiro governo [de Fernando Henrique Cardoso] quanto à taxa de câmbio, e todos os desdobramentos que isso trouxe. O país não tem como perder a CPMF. E a CPMF, com uma alíquota baixa, é um imposto que ter que ser permanente. Por quê? Porque ele atinge toda a economia informal, caixa dois das empresas, a lavagem de dinheiro, a sonegação.

Nelson Breve: Mas 0,38% não é [uma alíquota] baixa, senador.

Aloizio Mercadante: É um grande radar para a Receita Federal poder atuar sobre a grande sonegação de impostos no Brasil. Com uma alíquota baixa o imposto deve ser permanente. Hoje ela tem um papel fundamental para dar equilíbrio nas contas públicas, por isso que o governo não pode abdicar dessa fonte de receita. A reforma tributária, se estimular a exportação, ela beneficiará o trabalhador, porque gera emprego; se ela estimular o investimento - a compra de máquinas e equipamentos -, ela beneficiará o trabalhador, porque gerará emprego; se ela combater a elisão da sonegação fiscal, porque terá cinco alíquotas e vai repactuar [os entes federativos] - cada código tributário estadual tem mais de mil páginas... Quer dizer, as empresas que tinham benefícios indevidos, isso vai acabar. Isso beneficia, porque as empresas que estão sobrecarregadas com impostos vão poder ter ao longo do tempo a redução dos seus impostos, porque aqueles que não pagam passarão a pagar, essa é a parte da pressão que está aí. Criar um fundo de desenvolvimento regional é fundamental para um país tão desigual quanto o Brasil. Restituir os estados da desoneração das exportações - porque os estados hoje estão sobrecarregados com esse esforço - é uma forma de você repactuar a federação e reconhecer o esforço que os estados estão fazendo. Hoje eu vi uma crítica duríssima da progressividade do imposto sobre herança, [em] quase todo o mundo o imposto sobre herança é progressivo. E por que é um imposto justo? ... [o imposto de tipo progressivo é aquele cobrado em percentuais mais altos para quem é mais rico]

Pedro Cafargo: Mas as economias são outras, senador; com economias muito mais fortes do que a nossa. Uma coisa é você cobrar um imposto sobre herança nos Estados Unidos, França, e outra coisa é aqui.

Aloizio Mercadante: Aqui por quê? Se você pegar, segundo os últimos dados da ONU, nós somos o país mais desigual do planeta, terceiro mais desigual.

Sílvio Bressan: [De] maior concentração de renda.

Aloizio Mercadante: O imposto sobre herança você só paga uma vez depois que morre, não tem imposto mais justo. O sujeito só paga depois que morreu, absolutamente justo, ele tem que existir. Ele tem o direito de deixar a herança deles para os filhos? Tem. Isso é um direito fundamental que tem que ser preservado, está na Constituição e será respeitado. Agora, quanto maior a herança, maior a responsabilidade social em um país onde a maioria do povo não tem herança social nenhuma: nasce sem ter direito à escola, educação, a emprego, à previdência social. Essa visão de um mínimo... E hoje o imposto é estadual, se algum estado aumenta o imposto, o cadáver sai para outro, então você tem que ter uma política nacional. Vamos discutir o que seria adequado ao nosso PIB per capita, ao tamanho do Brasil em termos de alíquota por imposto.

Sílvio Bressan: Mas o senhor acha que é por aí mesmo?

Aloizio Mercadante: Agora, é um imposto absolutamente marginal. Hoje no Brasil o patrimônio é sub-tributado, quando você compara com outras experiências internacionais; e a renda também. O que nós sobre-tributamos são os produtos, e isso gera uma estrutura tributária regressiva, quem ganha menos paga mais. Porque, por exemplo, se pegar um produto qualquer, tanto o sujeito que ganha um salário mínimo como [aquele que] ganha 500 salários mínimos vão pagar o mesmo imposto. Como quem ganha menos gasta tudo o que ganha, a carga tributária sobre ele é muito maior do que o outro que tem a renda concentrada. Então eu vejo uma resistência à idéia da progressividade à idéia da justiça fiscal. É onde há mais resistência no debate, e é um equívoco. Nós somos um país que precisa mexer na questão tributária também do ponto de vista da justiça social, com racionalidade; se você exagerar na questão tributária, você desestimula o investimento e o prejudica a economia.

Sílvio Bressan: Pois é, mas o senhor acha que é por aí mesmo? Em uma economia como a nossa, em crise, com uma média de tributação de 35% do PIB - a cada 100 reais que o brasileiro ganha, paga 35% de imposto -, se falar numa reforma tributária? Acho que até mais para frente pode se fazer isso, mas se falar agora nesse momento em aumentar carga...

Aloizio Mercadante: Não, Silvio.

Sílvio Bressan: O trecho do relatório aqui: “na França se cobra 54% de imposto”, sendo que a base de cálculo lá é outra. Mas, enfim, você acha que esse é o momento de se falar em mais carga tributária?

Aloizio Mercadante: Ao contrário. O que disse no começo, disse durante a campanha, o presidente Lula disse, e estamos reafirmando agora aqui hoje. Nós não estamos falando de aumentar a carga tributária. Não estamos falando e não vamos fazer.

Helena Chagas: Mas parece que o projeto, feitas as contas, parece que ele aumenta [a carga tributária em] 3%, 4%.

Nelson Breve: Qual é a garantia de que não vai haver aumento de carga?

Aloizio Mercadante: A garantia é a seguinte: o Congresso Nacional sofre todo o tipo de pressão, a imprensa acompanha permanentemente esse debate, agora vamos fazer uma discussão qualificada.

Pedro Cafargo: Não se evitou que se aumentasse até agora nos últimos anos, sendo que o Confaz [Conselho Nacional de Política Fazendária, órgão deliberativo que reúne os estados, e que, dentre outras funções, define alíquotas interestaduais para o ICMS]...

Aloizio Mercadante: Você faz o seguinte [raciocínio]: são 44 alíquotas e vai passar para cinco; logo, vai aumentar. “Logo vai aumentar a carga”; não necessariamente. Isso que estou dizendo...

[sobreposição de vozes]

Aloizio Mercadante: Por que as 44 [alíquotas] do Confaz não podem aumentar, como é hoje? De onde não pode aumentar? O que eu quero dizer é o seguinte...

Nelson Breve: Vamos fazer uma matemática aqui, senador...

Aloizio Mercadante: O que você precisa construir é uma discussão de parâmetros da reforma. Uma delas é: não adianta aumentar a carga tributária no Brasil, nós vamos agravar a crise econômica em vez de ajudar a sair da crise. Agora, não adianta dizer que tem que reduzir a carga nesse momento, enquanto nós não conseguimos...

Sílvio Bressan: Então para que fazer a reforma então?

Aloizio Mercadante: ... reduzir a dívida pública e reduzir, portanto, a taxa de juros. Porque as duas coisas vêm juntas, e isso alivia as finanças públicas – o governo tem mais capacidade de investir e gastar, ele pode aumentar a [...]. Por que fazer a reforma agora? Para dar racionalidade ao sistema.

[sobreposição de vozes]

Aloizio Mercadante: Exonerar as exportações, estimular os investimentos, simplificar a estrutura, desburocratizar...

Pedro Cafargo: Não precisa mexer na Constituição para fazer isso.

Aloizio Mercadante: ... acabar a guerra fiscal. [É] lógico que precisa mexer na Constituição.

Pedro Cafargo: Não precisa.

Aloizio Mercadante: Como que não precisa? Como é que nós vamos construir um ICMS único no Brasil, se hoje tem 27 códigos tributários nos estados? Só com a mudança constitucional. Evidente que com a mudança constitucional...

Sílvio Bressan: Isso pode aumentar a carga?

Aloizio Mercadante: Como aumentar? [Para] essa tese eu preciso de argumentos. Eu consigo raciocinar com argumentos. Se você me disser o seguinte: “O Confaz pode aumentar os tributos”? “Pode”.

Sílvio Bressan: Pode, claro.

Aloizio Mercadante: Hoje, ele pode sentar na mesa e falar: “Vamos aumentar os tributos”. Pode. Tem feito? Não. Por que não tem feito? Porque não tem espaço na economia e nem na política para você fazer um aumento dessa natureza, não é o caso...

Nelson Breve: Então vamos fazer uma conta, senador. O senhor que gosta de números.

Aloizio Mercadante: ... A CPMF, vai aumentar a alíquota? Não. Vai se manter? Vai. Porque é necessário que ela seja mantida. Então a idéia da reforma tributária não é aumentar carga tributária, não é! Mesmo se fosse para aumentar, você [poderia] fazer com outras medidas infraconstitucionais. Toda essa mudança é para criar uma estrutura mais racional, mais próxima, por exemplo, do que é o imposto sobre valor adicionado na Europa, no Japão e Estados Unidos. É isso que nós estamos propondo agora com essa mudança, poucas alíquotas e um imposto cujo fator gerador... [interrompido]

Sílvio Bressan: Mas, senador, a questão é: é o melhor momento agora? O próprio presidente da Câmara, Paulo Cunha [João Paulo Cunha, deputado pelo PT, foi presidente da Câmara entre 2003 e 2005] declarou numa entrevista que talvez não, não seria o melhor momento de se fazer uma reforma agora, porque há uma demanda muito grande de prefeitos, governadores... [interrompido]

Aloizio Mercadante: Eu ouvi, vou explicar o seguinte: não há a demanda, e a capacidade política de negociação é muito complexa. Agora, na minha visão é um erro continuar jogando para frente essa reforma. Defendia-se que o Senado discutisse a reforma tributária, e a Câmara a reforma previdenciária, que não se jogasse as duas na Câmara, porque, evidentemente, previsivelmente, aconteceu isso: a Câmara se voltou totalmente para a reforma previdenciária, e a reforma tributária ficou como o "patinho feio". E agora temos que sair correndo atrás do tempo, porque a anualidade fiscal exige que 31 de dezembro você tenha que votar, não só mudança constitucional, [mas também] as leis complementares, as leis ordinárias, tudo.

[sobreposição de vozes]

Paulo Markun: Tem a noventena, porque [em] setembro já há que...

Aloizio Mercadante: E ainda tem a noventena. [A Constituição determina que a lei que institua ou aumente um tributo deve ser aprovada no ano anterior (princípio da anterioridade ou anualidade). Caso um tributo seja instituído ou aumentado, seus efeitos somente serão válidos após noventa dias da data da sua publicação no Diário Oficial (princípio da noventena). Esses princípios não são aplicáveis a todos os tributos]

Sílvio Bressan: Que é mais um argumento para não se...

[sobreposição de vozes]

Aloizio Mercadante: Olha, oito anos, oitos anos! O momento favorável de se fazer a reforma tributária era no governo anterior que a dívida pública era 64% do PIB, 64 bilhões de reais, e não 680, e não fizeram. Quer dizer, é difícil? É difícil. A margem de manobra é menor? É. Mas nós temos que ter habilidade, competência, capacidade de diálogo, de interlocução, e tanto os prefeitos, governadores, união e os empresários [e] consumidores sabem que a reforma tributária é indispensável para ajudar o Brasil a crescer. Por isso que nós temos que fazer. Não é: “quando crescer a gente faz”. Vamos fazer para crescer, aí nós podemos reduzir a carga tributária.

Paulo Markun: Nelson Breve, Bob Fernandes e depois Clóvis Rossi.

Nelson Breve: Senador, na matemática... O senhor que gosta de números, não é? A carga tributária não sobe e o setor produtivo vai pagar menos imposto. E quem é que vai pagar mais? E os bancos, por que eles estão fora da reforma tributária?

Aloizio Mercadante: Não é pagar mais, o que nós queremos [é] manter a carga tributária.

Nelson Breve: Sim, uns vão pagar menos e outros mais. Quem é que vai pagar mais?

Aloizio Mercadante: Por exemplo, se você acaba com a guerra fiscal, mesmo que você dê um tempo para isso, você elimina as empresas que são beneficiadas por acordos indevidos. Não tem transparência, porque o governador vai poder colocar no orçamento o quanto ele quer dar para a empresa, mas ele não poderá mais fazer um acordo de gaveta que ninguém mais sabe o que é, que tipo de incentivo fiscal foi dado; então nós vamos acabar com esse tipo de mecanismo. Quando você cria cinco alíquotas uniformes para o Brasil inteiro, você acaba com a possibilidade de acordos de algumas empresas, que fizeram com o ICMS, que ninguém sabe naquele código de 1700 páginas. Então o que você faz? Você cria uma isonomia [igualdade real] em termos de concorrência. Se você estimula, se você diminui a carga tributária sobre as exportações, você aumenta as exportações, porque é muito difícil exportar imposto. Os impostos cumulativos são extremamente perversos para as exportações brasileiras; ao mesmo tempo você tem que compensar quem vai desonerar, como o caso dos estados que estão sobrecarregados. Se você faz um fundo de desenvolvimento regional, você está ajudando a impulsionar e democratizar melhor os recursos. Então, dentro das restrições... Por exemplo, nós fizemos uma mudança agora que aumenta a receita tributária dos municípios, mas da forma correta, que foi atualizar a base de cálculo do ISS [Imposto Sobre Serviços], [cuja lei] é de 1968. De lá para cá, nesses 35 anos, muitos novos serviços surgiram, [e] que não pagavam impostos. E, ao atualizar [os] dados... Os bancos, por exemplo: todos os serviços bancários foram incorporados ao ISS - apesar da pressão da Febraban [Federação Brasileira de Bancos] em relação a essa atualização -, todos os serviços foram incorporados permitindo aos municípios, portanto, tributarem o que são serviços bancários. Agora, qual é a forma do Brasil diminuir o peso que os bancos têm na economia, tem na renda nacional, tem - que eu acho que é indevido - junto às finanças públicas, sobretudo? É desendividar o Estado, é o Estado precisar menos deles do ponto de vista do financiamento. E o caminho para isso é exatamente o grande esforço fiscal que tem que ser feito de manter a carga tributária, [de] cortar gastos públicos, fazer um superávit primário para diminuir a necessidade do financiamento do Estado. Com isso você pode ir baixando o juros, você vai melhorando a qualidade do crédito, você vai alongando os títulos da dívida pública e recupera a capacidade de investir e gastar.

Paulo Markun: Nelson Breve, Bob Fernandes e depois Clovis Rossi. Agora o Fernandes.

Bob Fernandes: O que nós estamos fazendo aqui há um bom tempo é discutir alguns dogmas, apesar da linguagem técnica. E um dos quais o PT ajudou a criar: agora vem as três letrinhas malignas; FMI [Fundo Monetário Internacional] novamente à porta. O Brasil deve fechar o ano - o senhor me corrija se estiver errado - entre 15 bilhões, 13 bilhões [de déficit em transações correntes]. Certamente a princípio vai ter que negociar [com o FMI]. O senhor acha que se deve [negociar], que não se deve, de que forma, o presidente disse que vai se envolver pessoalmente, vai ou não vai? O que o senhor acha que vai acontecer?

Aloizio Mercadante: Eu acho que, Bob, se nós renegociarmos, renovarmos [o acordo realizado em 1998], nós teremos que renegociar as bases do acordo. O fundo vem de uma trajetória de grandes fracassos na Ásia [crise de 1997], Argentina [crise de 2001], Rússia [crise de 1998], para citar os mais recentes.

Bob Fernandes: E [o Fundo] vai querer posar de bom moço agora.

Aloizio Mercadante: O fundo pode ter um grande êxito em um país como o Brasil, para isso eu acho que ele tem que rever a ortodoxia monetarista que tem prevalecido nas políticas do fundo. O Brasil construiu ao longo desse ano... Fez demonstrações claras do governo que tem responsabilidade fiscal, [que] enfrentou esse problema, que tem compromisso com esse grande saldo comercial; portanto, está buscando um alto financiamento do país, diminuiu a necessidade de financiamento externo do Brasil, e que mostra, portanto, um caminho sólido de superação das graves restrições macro-econômicas do país. O que seria essa renegociação do Fundo? Primeiro grande problema: nós precisamos crescer. O Fundo não pode exigir um superávit primário...

Bob Fernandes: Que investimentos?

Aloizio Mercadante: Vou chegar lá. Não pode exigir um superávit primário independente do crescimento econômico, porque se eu cresço mais, eu posso ter um superávit primário maior, mas se eu estou em um quadro de recessão, eu tenho que ter uma capacidade de investimento de gasto. Eu tive uma conversa com o Secretário do Tesouro Americano, John Snow, eu fiz a seguinte pergunta para ele: “Por que vocês saem do superávit de 72 bilhões de dólares para um déficit 495 bilhões de dólares em dois anos? Baixam a taxa de juros de 6,5% para 1%, faz uma política tipicamente keynesiana [John Maynard Keynes, economista] com estímulo à demanda agregada [estímulo ao consumo] para sair da recessão? Você não acha que isso, esse déficit público, vai pressionar países como o nosso, e vocês vão ter que aumentar os juros no futuro”? Aí ele me respondeu: “Não, nós temos uma capacidade ociosa, estamos com desemprego, temos que estimular a demanda para sair da crise, nós temos estrutura produtiva pronta para isso”. E eu falei: “Eu concordo com tudo o que o senhor está dizendo. Mas por que nós somos obrigados a fazer exatamente o contrário do que vocês estão fazendo e dizem que devem fazer”? Eu vou adiantar a parte da resposta que o senhor me daria: “É porque nós temos crédito, o nosso crédito é na confiança”. “É verdade. Mas será que as distâncias são tão grandes que nós somos obrigados a aumentar carga tributária, cortar gastos públicos, aumentar juros e, portanto, aprofundar a recessão, enquanto vocês fazem exatamente o contrário, porque têm o poder para isso, tem moeda própria, vocês têm um padrão internacional, vocês controlam as grandes organismos multilaterais”. Não está na hora de rediscutir os caminhos do FMI, do Banco Mundial? Eu falei, eu venho defendendo uma tese desde antes da eleição, durante todos esses meses, de um superávit estrutural anticíclico, um dos valores que eu digo. O que é isso? O PIB está indexado ao superávit. Se o PIB cresce, o superávit cresce; se o PIB cai, eu mantenho o meu investimento no meu gasto. Eu acho que nós estaremos propondo [isso] para o ano que vem. Para esse ano, por exemplo: os investimentos das estatais não podem ser tratados como gasto público, inclusive as estatais, partes delas são sociedade anônima que têm...

Bob Fernandes: Mas, para ficar claro para quem está nos vendo em casa, assim é tratado? O que vocês vão efetivamente propor, e qual é a disposição política de negociar?

Clóvis Rossi: Volto à pergunta inicial. Por que em janeiro, em vez de aumentar de graça de 3,75% o superávit primário - que já é uma brutalidade para um país com as tremendas carências sociais de infra-estrutura que esse país tem -, aumentar para 4,25%, de graça, sem pedir isso [enfático, faz um gesto de aproximação entre as digitais dos dedos indicador e polegar] para o Fundo Monetário Internacional, pelo menos discutir essa idéia [de investimento] das estatais [não ser tratado como gasto público], que o Fernando Henrique começou a discutir - não teve êxito sei lá porque razão. E vocês abdicaram até do direito de discutir essa coisa tão óbvia e tão primária e tão elementar. Não é o medo que venceu a esperança? [o entrevistador se refere a um slogan da campanha de Lula em 2002: “a esperança vai vencer o medo”]

Aloizio Mercadante: No acordo anterior a Petrobras está “flexibilizada” com a capacidade de investimento. É a única empresa que tem alguma flexibilidade e puxa o investimento público no Brasil. As outras têm tratamento semelhante ao da Petrobras, no meu ponto de vista. O que nós conseguimos fazer com essa política? Fazer com que a dívida pública caísse de 62,5% do PIB para 54%...

Clóvis Rossi: Com o medo de chegar de novo aos 60% até o final do ano.

Aloizio Mercadante: ... Segundo, criar condições para a inflação ser derrotada e a taxa de juros cair sustentadamente e significativamente, como começou a cair; e gerar um superávit comercial, que independente se tivesse acordo ou não com o Fundo, nós não temos outro caminho, pelo tamanho da dívida externa em dólar e do passivo externo dolarizado que nós temos. Então esse caminho, independente do Fundo, o Brasil vai ter que trilhar. O Estado não tem crédito, não adianta gastar mais.

Clóvis Rossi: Então qual é a graça dessas propostas? Se tivermos que trilhar esse caminho, então... [fala simultaneamente]

Aloizio Mercadante: Só um minutinho. Não adianta gastar mais. O que adianta é ter um superávit primário que esteja indexado ao PIB, em um contrato em longo prazo, que diga o seguinte: “eu tenho consciência da minha dívida e vou buscar desendividar o país, estabilizar a relação dívida-PIB. Agora, para isso eu quero, quando eu crescer, aumentar o superávit; e quando o PIB cair eu terei que gastar e investir mais”. É uma coisa que tem que ser pactuada, é uma coisa nova, mas é uma coisa promissora. Eu conversei isso com o governo americano, conversei com o governo Lagos, no Chile [Ricardo Lagos, presidente chileno no período de 2000 a 2006], que já tem esse mecanismo - eles não estão [com compromissos] no Fundo, mas eles têm esse mecanismo.

Clóvis Rossi: O Palocci [Antônio Palocci, ministro da Fazenda do governo Lula na época da entrevista] levou essa idéia à Assembléia Geral do Fundo, e a resposta do Fundo foi: “Isso é bobagem”.

Aloizio Mercadante: Conversei com o [governo] do México.

Clóvis Rossi: Sinto muito, isso não faz o menor sentido.

Aloizio Mercadante: Conversei com o Lavagna na Argentina [Roberto Lavagna, ministro da Economia argentino no período de 2002 a 2005], e há uma grande simpatia por essa tese. Não é uma mudança fácil, [há] uma burocracia. É uma tese para ser discutida por organismos multilaterais - com o FMI, com o Banco Mundial...

Clóvis Rossi: Volto a dizer, o Palocci levou essa tese em abril para a Assembléia Geral do Fundo. Eu estava lá, perguntei em entrevista coletiva.

Aloizio Mercadante: ... Segundo, em 2005 o Brasil vai praticar isso. Nós alertamos em 2003: em 2005 nós vamos introduzir esse mecanismo. Estamos debatendo, mas vamos introduzir.

Helena Chagas: Mas esse ano, senador, os negociadores brasileiros com o FMI, eles não estão [pedindo] abaixo?

Aloizio Mercadante: Não, não estão em nenhum...

Helena Chagas: Porque a gente tem informação que o Palocci defendeu esse ponto de vista, mas os negociadores da equipe econômica não estão dispostos a lutar por essa mudança no critério de investimento. É uma informação que nós temos de lá.

Aloizio Mercadante: Só um minutinho. O negociador, Helena, é o Palocci.

Helena Chagas: E ele está no plano certo?

Aloizio Mercadante: Ele é o responsável pela negociação.

Helena Chagas: E ele está no plano certo, em sua opinião?

Aloizio Mercadante: Ele defendeu essa tese, essa é uma posição de governo. Segundo, nós estamos buscando construir um caminho para que o investimento público, especialmente o das estatais, não seja tratado como gasto. Vou dar o exemplo do Fundo.

Bob Fernandes: O presidente... [interrompido]

Aloizio Mercadante: Espera um pouquinho, Bob. Qual é o critério que o Fundo usa na Europa? O Fundo usa o critério: o que é contabilizado como gasto em termos de investimento público é a depreciação do capital. [perda de valor ocorrida naquele ano para todos os investimentos já prontos (escolas, estradas, etc)]

Bob Fernandes: Sim, o senhor está dizendo como deveria ser, e que não é.

Aloizio Mercadante: É [assim] na Europa. O que estou dizendo: na Europa eles contabilizam como gasto a depreciação do capital. Então aqui você não pode aceitar a tese que todo e qualquer investimento público é gasto.

Bob Fernandes: Já não se aceita. Agora, como é que vocês vão dizer isso este ano...

Helena Chagas: Como vai alterar isso? Porque parece que não estão conseguindo...

Aloizio Mercadante: Nós estamos buscando exatamente o prestígio que o Brasil conquistou internacionalmente, a credibilidade que o presidente Lula tem [para fazer] uma política externa soberana, buscando novas parcerias, novas relações de estratégias, tanto em termos de fortalecimento do Mercosul [Mercado Comum do Sul] - de ampliação do Mercosul [quanto] a relação com a África, com a Índia, com a China, Rússia, que são novos mercados e novas parcerias estratégicas, para a gente ganhar força no sentido de buscar que os países em desenvolvimento possam mudar alguns parâmetros da política internacional. Porque o Fundo, quando foi criado em 1944...

Helena Chagas: Dá para falar duro com o FMI?

Aloizio Mercadante: O que importa é o resultado dessa estratégia, e que as pessoas entendam o que está em jogo. Por exemplo, os municípios brasileiros. Hoje nós temos milhares, mais de 2000 municípios estão adimplentes com a Lei de Responsabilidade Fiscal. No entanto, há um teto de financiamento de 200 milhões de reais. Então o município está adimplente, o município está em dia, cumpriu as regras, [mas] ele não pode ser financiado. O que isso significa? Nós temos os recursos do FAT [Fundo de Amparo ao Trabalhador] [e] do FGTS [Fundo de Garantia por Tempo de Serviço] para financiar saneamento, habitação, e esse financiamento não pode ser feito. Há alguma racionalidade um país travar o crescimento do setor habitacional e saneamento, que não gera pressão no balanço do pagamento? Você não precisa importar nada; gera muito emprego; melhora a qualidade de vida; diminui o gasto com saúde, porque você tem saneamento; melhora a segurança familiar... [balanço de pagamentos é o registro contábil governamental do total de dinheiro que entrou e saiu de um país]

Bob Fernandes: Pois então, senador, é isso que nós estamos querendo saber.

Aloizio Mercadante: ... São restrições que nós temos que discutir e flexibilizar. Eu acho que nós vamos ter que sair desse tipo de acordo que nós temos - que é stand by -, para um acordo ao longo desse período, que é o crédito contingenciado. Você tem uma linha de crédito, mas as restrições do Fundo já não são as mesmas.

Sílvio Bressan: Mas por que não foi feito antes isso, em janeiro?

Aloizio Mercadante: Porque o stand by... Stand by é uma situação seguinte: você sacou tudo o que você tinha direito, e a partir daí o Fundo só libera dinheiro para você se ele monitorar sua política econômica. A hora que você faz um grande superávit comercial - portanto, eu vou insistir nisso o tempo inteiro: a origem da crise era cambial, o fiscal é decorrente disso -, a hora que nós fazemos um grande superávit comercial aumentamos nossas exportações. Como aumentamos, nós não precisamos mais tomar dinheiro novo lá fora. Quando eu disse o déficit externo, o déficit das transações correntes era de 17 bilhões de dólares em julho do ano passado, e hoje é um superávit de 2,5 [bilhões]. Significa que o Brasil está se desendividando do ponto de vista externo, ele não precisa de dinheiro novo. Ele tem que rolar a dívida antiga, [mas] não precisa de dinheiro novo. Ao não precisar de dinheiro novo, nós não precisamos do Fundo como nós precisávamos, [e] nós podemos diminuir [a dependência de capital externo].

Clóvis Rossi: Se [o país] crescer...

Aloizio Mercadante: Não, independente disso.

Clóvis Rossi: Se [o país] crescer, as exportações vão diminuir, porque a demanda interna vai aumentar; e as importações vão aumentar, porque a demanda interna vai aumentar. Além disso, eu acho que você está cometendo, me perdoe, um equívoco, ao achar que a credibilidade conquistada se deva a algum fenômeno. Não, a credibilidade é porque o governo fez do campo econômico e financeiro - não na política externa, porque aí eu concordo com você - exatamente o mesmo que vinha sendo feito, e exatamente o mesmo que a ortodoxia do FMI cobra, só por isso. A hora que você passar a dizer coisas que não estão na cartilhazinha do FMI ou dos economistas liberais ortodoxos, pronto, acabou a credibilidade.

Aloizio Mercadante: Você colocou dois argumentos importantes. O primeiro, se nós crescermos nós estaremos fadados a perder o superávit comercial. Não necessariamente. Vou dar exemplos concretos. O Brasil hoje tem um déficit de 7 bilhões de dólares em componentes eletrônicos - chips. 73% dessa indústria está na China ou em Taiwan. Nós não temos quase indústrias de componentes importantes no mundo ocidental, boa parte [está] na Coréia. Há um grande interesse de se trazer para cá esse tipo de indústria. O Brasil, pelo nível de consumo, pelas condições, basicamente é uma indústria que precisa de muita estrutura logística, just in time [doutrina administrativa que prega a produção, circulação e compra de bens somente no momento em que são necessários], balcão alfandegário [assistência ao exportador], porque é uma indústria que trabalha em escala regional, global. Nós temos todas as condições de trazer uma indústria, de criar um pólo como o Vale do Silício [região dos Estados Unidos conhecida pela presença de empresas de eletrônica e informática] e atrair esse tipo de indústria para o Brasil. Se nós fizermos, por exemplo, trouxermos esse tipo de indústria para o Brasil, nós vamos ter um impacto direto no saldo comercial. Nós estamos substituindo importações estratégicas, principalmente química fina e componentes eletroeletrônicos. Nós temos que crescer de uma forma diferente, nós temos que crescer buscando independência do mercado financeiro.

Clóvis Rossi: Se desse tudo certinho, o país daria certo. Mas nas condições atuais...

Aloizio Mercadante: [Sim, crescer] nas condições atuais, Clóvis.

Clóvis Rossi: ... se você começar a crescer, você vai ter de novo o problema no setor externo. Isso é evidente, nas condições atuais econômicas e políticas. Se vierem as indústrias micro-eletrônicas, e se vierem não sei o que, se a indústria de fármacos for desenvolvida, se, se, se, se. Realmente, se tudo der certo. [entrevistador enfatiza os vários “se”]

Aloizio Mercadante: Então é por isso que nós temos que saber. Eu estou dando o exemplo da agricultura. Nós estamos crescendo a uma média de 19%, 20% a safra agrícola nos últimos três anos, e temos condições de manter esse ritmo. Dei todas as condições e dados no início do programa: a terra ociosa; o volume de água - nós temos 18% da água doce do planeta -; nós temos sol o ano inteiro; nós temos um processo de modernização da agricultura espetacular - a Moderfrota [programa de financiamento para modernização de equipamentos agrícolas] do BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social] está reequipando toda a agricultura -; nós rolamos toda a dívida da agricultura, isso é um caminho sem volta. O Brasil é o maior produtor e exportador de carne, estamos melhorando o rebanho [de gado tipo] nelore...

Clóvis Rossi: Pois é, como você mesmo disse, há três anos vem nessa toada a agricultura e, no entanto, tinha o déficit externo.

Aloizio Mercadante: Não, a agricultura é uma parte do superávit primário importante, mas eu falei [também de] papel e celulose. Nós estamos crescendo a 25% a produção de papel e celulose. Eu fui segunda-feira com o presidente Lula inaugurar aquela fábrica agora aqui em Jacareí, da Votorantim, e são 500 milhões de dólares a mais que nós vamos gerar de exportação, só com essa unidade produtiva que foi feita. Então nós temos... Na área de mineração é a mesma coisa, na área de siderurgia. Nossas siderúrgicas hoje são as mais produtivas do mundo, as mais eficientes. Então nós temos setores exportadores que estão consolidados. A aviação: há quatro empresas apenas no mundo, a Embraer é uma empresa de ponta; o problema dela é financiamento, sobrecarrega o BNDES para financiar. Mas é uma empresa [que] tem o duopólio: somos nós e os canadenses da Bombardier. E nós estamos na OMC [Organização Mundial do Comércio], porque quem subsidiava eram eles. E nós estamos consolidando alguns setores que nos dão, eu diria, um superávit estrutural no balanço de pagamentos, porque é a competitividade de alguns setores da economia que são estratégicos. Nós temos que manter isso e buscar desenvolver novos setores. [Por exemplo], software: é uma coisa que o Brasil pode ter um mercado fantástico, é subutilizado. Nós precisamos ter política industrial para crescer de uma forma diferente. O mais complicado... [entrevistado se refere ao fato do Brasil ter entrado com uma representação na OMC contra o governo canadense alegando que a Bombardier recebia subsídios para produzir seus aviões]

Clóvis Rossi: [...] É palavrão, é o mesmo que xingar a mãe.

Aloizio Mercadante: Lembro-me de uma entrevista contigo lá no início da campanha eleitoral. Você foi o primeiro a falar sobre o programa que nós estávamos trabalhando naquela época, e já se falava de muita coisa que estou falando aqui: da vulnerabilidade externa, da fragilidade cambial, fiscal, do problema inflacionário; como é que essas restrições estariam postas, como é que precisaria [ser] para [haver] uma política de transição, boa parte disso estava dito. Mas uma das coisas que nós dizíamos, além de substituir importações, uma coisa fundamental é criar um mercado de consumo de massas. Esse país tem vantagens que poucas nações têm nesse planeta. A China, a Índia... Nós temos que trazer esse mercado...

Clóvis Rossi: Mês a mês a renda [está] caindo. Que mercado de consumo em massa você vai criar se o desemprego está aumentando?

Aloizio Mercadante: Isso é parte. Na história econômica não há desenvolvimento que não seja cíclico. Você tem período de ares de aceleração, de recessão e recuperação. Isso é da natureza do capitalismo, está em qualquer livro de literatura: ou ciclos longos, como discutem Schumpeter [Joseph Alois Schumpeter, economista, mentor de uma teoria dos ciclos econômicos] e [...], ou ciclos curtos. Nós estamos de fato em uma fase de desaceleração, de um processo inclusive de indicadores de recessão econômica ao nível internacional e no Brasil. Nós precisamos reverter com criatividade nossa política econômica para sair. As bases para isso estão dadas. Melhoramos as contas externas, melhoramos as contas públicas, acabamos com a inflação, criamos espaço na política monetária e fiscal para usar de forma inteligente e criativa. Se nós discutimos planejamento estratégico, que é uma categoria proibida... Da última vez que falei de categoria estratégica o jornal falou assim: “O Mercadante quer trazer o período dos militares, [voltar a]o 2º PND” [Plano Nacional de Desenvolvimento (1974)]. Pelo menos o 2º PND está aí, você vê. Está aí [a hidrelétrica de] Tucuruí, Ferrovia do Aço, [estrada de ferro] Carajás. Estão aí as obras. [E] onde estão as obras do último período, por toda essa dívida pública que nós fizemos - da dívida interna e externa?

Clóvis Rossi: E onde está o dinheiro para tudo isso com um superávit de 4,25% do PIB? Onde está o dinheiro?

Aloizio Mercadante: À medida que nós estamos desendividando o país e a taxa de juros começar a cair, a taxa da dívida externa [e] interna em dólar começa a ser reduzida substancialmente, [e] nós abrirmos espaço para recuperar a capacidade de investimento do Estado, junto com a parceria do setor privado.

Sílvio Bressan: Senador, até agora o senhor falou em retórica: “vamos retomar e coisa e tal”, mas imagino para ao telespectador que está em casa, para o sujeito que está sem emprego, que perdeu o emprego [e] votou no Lula, ele quer saber o seguinte: quando é que a curva do desemprego muda, quando é que essa tendência muda? Porque o presidente vem falando do espetáculo do crescimento há vários meses, não é? É coisa para o final desse ano, é coisa para o ano que vem? Objetivamente, quando é que o senhor acha que a coisa vai começar a mudar? Quando é que, por exemplo, o desemprego muda? [Quando] a tendência muda?

Aloizio Mercadante: Eu acho... Outro dia já falei isso para a Helena [entrevistadora], numa conversa, numa entrevista outro dia. A coisa mais dolorosa do ponto de vista social é o desemprego. Eu tive 10,5 milhões de votos. Você andando na rua o dia inteiro e apertando as mãos das pessoas, e vendo um jovem falando para você: “A única coisa que eu quero é uma oportunidade para trabalhar”. Ou um sujeito com mais de 40 anos que não consegue voltar para o mercado de trabalho. Não tem coisa mais difícil você voltar para a casa depois e botar a cabeça em um travesseiro e pensar nessas imagens que você assistiu. Então gerar emprego e crescer é o grande desafio deste país. Nós somos uma nação que tem uma imensa vocação de crescimento, apesar da história recente; uma imensa vocação para crescimento: pelo tamanho continental, pela força do mercado de trabalho, pelo potencial da nossa agricultura, por vantagens comparativas estruturais à mineração. Por que nós estamos competindo [em] papel e celulose? Porque a Finlândia, que é o maior produtor do mundo, precisa de 20 anos para produzir o Pinus elliottii [espécie de pinheiro]. Nós aqui com cinco anos estamos tendo um corte no eucalipto, e a mesma árvore lhe dá quatro ou cinco cortes. Então não tem como competir com a gente, é uma questão de tempo. Por que nós somos fortes em siderurgia? Por causa da mineração.

Sílvio Bressan: Quanto tempo?

Aloizio Mercadante: Porque nos setores que nós somos fortes, nós estamos nos posicionando muito bem e consolidando nossa posição internacional. Eu acho que sazonalmente, no final de ano - outubro, novembro, dezembro - é sempre melhor do ponto de vista do crescimento econômico. Como há o 13º [salário], a expectativa de vendas de final de ano [aumenta], você sempre tem uma “alavancagem” no comércio e na indústria. E como o cenário internacional ainda não melhorou significativamente, mas já tem alguns indicadores, principalmente na economia americana alguns indicadores de melhoria - que é a principal economia do mundo, que compra duas vezes mais que a Europa e quatro vezes mais que o Japão -, eu acho que nós temos essa possibilidade. E, como o governo está tendo mais espaço na política econômica - tomou medidas de crédito, está tomando medidas de redução de impostos para estimular alguns setores -, vai gastar e investir mais, porque o superávit primário está acima da média, eu acho que nós podemos começar a ter resultado. Agora, seguramente o ano que vem nós estamos crescendo. Ano que vem estaremos crescendo, e acho que nós vamos terminar o segundo semestre do ano que vem crescendo em um ritmo talvez bem acima do que a projeção hoje de mercado, [que] está entre 3% e 4%.

Paulo Markun: Queria falar um pouco de política, senador. Quem aprovou a reforma previdenciária, quem assegurou os votos necessários foi a oposição, não é? Foram os setores da oposição que votaram com o governo. O que a gente discutiu aqui nestes primeiros dois blocos [dá] a impressão que o discurso feito hoje pelo governo do PT é bastante parecido com o discurso que o governo anterior fazia. E toda a crítica que se faz ao governo do PT, uma boa parte da crítica é essa: que não mudou nada, que é a mesma política, que o governo está fazendo exatamente o mesmo que faria o governo Fernando Henrique, e é até por isso a oposição está votando com o governo. Primeiro, o senhor acha que a oposição vai continuar votando com o governo? E, segundo, o senhor acredita que existe um momento em que vai se delinear claramente para a opinião pública as diferenças entre um governo e outro?

Aloizio Mercadante: Olha, Paulo, quando nós assumimos o governo, a tese fundamental da oposição, de uma parte da imprensa, era o catastrofismo. O outro candidato [José Serra] fez a campanha inteira dizendo que iria virar uma Argentina, que nós estamos indo para o caos etc e tal. Alguns jornais insistiram: “Caos Social” - teve uma ocupação de terra em São Bernardo, o MST [Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra] fez algum movimento: “caos social”. Objetivamente essa tese foi por água abaixo. Ninguém mais fala que o Lula é o Chávez [Hugo Chávez, presidente venezuelano desde 1999, conhecido por centralizar as decisões de governo e por se manter no poder promovendo plebiscitos de aprovação popular], e que nós vamos virar o de La Rua [Fernando de La Rua, presidente argentino, renunciou em função dos graves problemas econômicos], acho que essa parte já está superada. E tem uma parte da oposição que ainda atenta a esse discurso, mas tem cada vez menos credibilidade e menos espaço. Claramente o Brasil se afastou da possibilidade de uma crise econômica, a exemplo de um colapso econômico social ou de problemas de governabilidade. Para a gente construir a governabilidade, e para a gente poder conseguir fazer essa transição que nós estamos promovendo - para melhorar as contas externas, públicas, acabar com a inflação, criar condições de governabilidade da política econômica -, nós tivemos que fazer alianças políticas. E é fundamental que elas existam, porque nós somos minoria no Congresso; [de] 81 senadores, o PT tem 13. Nós temos uma base muito pequena do ponto de vista parlamentar, nós precisamos de aliança política. Segundo, as duas reformas foram encaminhadas ao Congresso, em um pacto entre o presidente e todos os governadores, também é uma experiência inédita. Iniciativa da sensibilidade política do presidente Lula, mas foi um pacto dos governadores. Não é um problema só desse governo federal, é de todos os governos, de todas as prefeituras do Brasil, a necessidade de organizar as finanças públicas e ter um sistema previdenciário sólido e sustentável. Então por isso que foi aprovado com o apoio da oposição. Os governadores participaram, ajudaram a desenhar a proposta, acompanharam as negociações, acompanharam as resistências e todo processo de diálogo com o Judiciário, com o funcionalismo, as necessidades para pactuar e aprovar. Por isso eu acho que eles tinham toda a obrigação de participar dessa votação. E acho que foi muito positivo que o PSDB tenha tirado uma posição favorável e o PFL - metade da bancada tenha votado favorável. A minha... eu tive uma reunião semana passada com todos os líderes, acho que o Nelson estava cobrindo aquele dia. Os três governadores do PFL pediram aos líderes do Senado que aprovassem a reforma previdenciária como está no Senado.

Helena Chagas: Mas o governo precisa buscar votos também no PFL, PSDB, porque ele não os tem no PT. E no PT, ainda por luxo ele tem uma oposição dentro do PT. O senhor vai receber agora as reformas com pouquíssimo tempo para aprová-las. Como o senhor vai tratar os radicais lá no Senado? O senhor pretende conversar com a senadora Heloísa [Heloísa Helena, senadora , originalmente do PT, e que rompeu com o partido, por discordar da postura do presidente e de seus principais assessores, fundando o PSOL], acha que ainda vai convencê-la a votar a favor das reformas? Com é que vai ser isso lá no Senado?

Aloizio Mercadante: Bom, eu não sei como ela vai se comportar, isso é um direito parlamentar dela. O partido tem uma posição clara, o diretório nacional do partido e as duas bancadas tiraram posição favorável à aprovação das reformas. O presidente mostrou a importância que isso tem para o Brasil, e acho que é um debate superado. O partido tomará as medidas [em relação] aos parlamentares que não cumprirem a orientação, como sempre foi na nossa história.

Sílvio Bressan:O senhor defende a saída deles?

Helena Chagas: Acha que devem ser expulsos? [Heloísa Helena e mais dois dissidentes votaram contra a reforma previdenciária e foram expulsos do partido]

Aloizio Mercadante: Nós sempre defendemos a fidelidade partidária como valor fundamental. Nós não temos longa experiência de... Nós nunca abrimos questão de matérias relevantes, e no caso da Câmara dos Deputados, nem matéria menor. Sempre a bancada votou coesa, e é isso o valor do nosso ponto de vista da democracia interna. Você tem direito a divergir, a discutir, a buscar convencer e pressionar. Decidiu, mantém a unidade de ação. Esse é o valor. Nós precisamos do apoio da oposição, e é muito positivo que a oposição tenha a sua responsabilidade em aprovar matérias que eles participaram da elaboração. Tanto na [reforma] tributária, quanto na previdenciária, os governadores do PSDB, do PFL, participaram todos os partidos da construção da proposta. Por isso que é uma proposta, não é... O presidente não entregou sozinho ao Congresso, ele entregou com todos os governadores do lado uma proposta conjunta, comum, que nós estamos apresentando. Isso eu acho que dá uma responsabilidade suprapartidária, e é muito positiva. Eu acho que o Brasil deu uma grande demonstração de maturidade democrática, tanto na forma de como foi feita a transição, [quanto] de avanço em termos de debate [acerca de] qual é o papel da oposição. E acho que a democracia é ainda uma experiência recente... [interrompido]

Helena Chagas: Mas não dá para confiar, não é?

Aloizio Mercadante: Nós estamos dando um salto de qualidade. Não, eu acho que é muito positivo o comportamento da bancada do PSDB e do PFL na Câmara...

Helena Chagas: Sim, mas é ocasional, não dá para ter o PFL e PSDB...

Aloizio Mercadante: Não, a oposição muitas vezes vai marcar posição, vai disputar. Faz parte, a oposição é isso.

[sobreposição de vozes]

Aloizio Mercadante: Nós queremos que o PMDB... O PMDB tem tido um papel fundamental na sustentação do governo. No Senado Federal nós nunca perdemos uma votação. Sem eles nós somos minoria. O PMDB tem sido decisivo nas horas-chave. Agora, um partido do tamanho do PMDB, que tem 80, 70 e poucos deputados, e que tem mais de 20 senadores, tem que ter o peso no governo proporcional à bancada que tem. Quer dizer, partido que apóia o governo tem que participar da gestão do governo, interferir nas decisões. Eles têm sido consultados cada vez mais no processo decisório, mas acho que eles têm que estar no primeiro time do governo a nível ministerial. E a reforma...

Helena Chagas: Mas e o risco do fisiologismo? Cair em uma política... [interrompida]

Clóvis Rossi: Vocês passaram 23 anos xingando o PMDB e outros diferentes partidos, PFL, o próprio PSDB etc e tal. 23 anos da história do PT foi sempre de crítica dura [enfático] a todos esses partidos. Agora é maturidade, e “todos estamos no mesmo barco”. A proposta de reforma tributária foi feita de acordo com todos os governadores que representam os partidos, os interesses sociais e os interesses econômicos que levaram ao sistema tributário ao que você mesmo chamou de irracional, e um sistema previdenciário que era um buraco enorme nas contas do governo, segundo vocês. Quer dizer, agora vamos acreditar que todo mundo então de repente virou patriota, racional, que deu um “estalinho” e Deus iluminou todo mundo de repente?

Aloizio Mercadante: Há divergência, há divergência política...

Clóvis Rossi: Isso é de uma demagogia... Essa coisa de não...

Aloizio Mercadante: Rossi, essa divergência partidária política é da democracia. Partido é parte, o pluralismo é uma dimensão essencial numa sociedade democrática. O direito de ser oposição, de divergir e de propor políticas alternativas, enfim, de questionar o governo; e da parte do governo sustentar o governo, de buscar aprovar as iniciativas de governo do ponto de vista parlamentar e dar sustentação política e social. Isso é da natureza da democracia. Acho um sinal de maturidade política, com toda essa diversidade partidária, todos os governadores e o presidente da República pactuarem duas reformas que são objetivamente interesses suprapartidários, e que vão muito além desse governo, porque a reforma previdenciária terá impacto pelo menos nos próximos 10, 15 anos, independente de quem vai ser o futuro governo, o futuro prefeito ou o futuro governador. É uma visão absolutamente indispensável para organizar as finanças publicas e para fazer justiça social no Brasil.

Sílvio Bressan: Mas não era assim antes?

Aloizio Mercadante: A reforma tributária não tem como ser aprovada se não tiver um acordo das forças políticas partidárias. Não tem como, dos últimos oito anos...

[sobreposição de vozes]

Sílvio Bressan: O PT não teve na oposição o que ele está pedindo agora.

Aloizio Mercadante: Nós queríamos aprovar a reforma tributária. Apresentamos projetos, fomos para a Comissão, votamos favorável, [foi] aprovado por unanimidade. Quem não quis foi a Receita Federal e o governo anterior. Nós tínhamos um projeto de reforma previdenciária. Eu acho que na previdenciária em alguns momentos nós não demos a resposta adequada, apesar de que o Eduardo Jorge [ex-deputado federal], o primeiro projeto foi do Eduardo Jorge [PEC 166/1999, atualmente arquivada]... [interrompido]

Sílvio Bressan: Está fazendo uma autocrítica.

Aloizio Mercadante: Eu fiz [a autocrítica] publicamente aqui, fiz no plenário e onde for. Acho que não tivemos uma atitude correta, acho que faltou diálogo. Também o governo anterior não dialogava nada com a gente, não precisava dialogar. A gente era a minoria, [o governo] aprovava com a maioria, e nunca se preocupou em discutir com a oposição caminhos. Por isso que a reforma tributaria nunca entrou na pauta, como deveria ter entrado durante oito anos. E eu acho que era uma necessidade antes, como é agora. Hoje está mais maduro, hoje está todo mundo entendendo que ela é necessária, que a reforma previdenciária é indispensável, e acho positivo que a gente tenha esse nível de esclarecimento, que a disputa se faça em emendas do plenário, isso faz parte do jogo - a oposição colocar uma emenda, demarcar posição -, mas você pensar os grandes temas nacionais dentro de uma visão que vai além do nosso tempo. Eu tenho 30 anos de militância política. Qual é o sentido de todo esse trabalho da minha vida, quando estou fora de casa, 24 horas por dia me dedicando, o que você espera? Tive mandato [e] deixei de ter mandato para ter um país melhor, para ter mais justiça social, para ter mais distribuição de renda. Esse é o sentido da disputa que está aí. E a democracia envolve alianças [e] acordos: 12 diretórios do PMDB apoiaram o presidente Lula no 1º turno; alguns governadores do PMDB só foram eleitos... E foram eleitos no mesmo palanque e na mesma campanha que nós fomos, disputando juntos nos estados...

Nelson Breve:Você não está sendo muito confiante? [fala simultaneamente]

Aloizio Mercadante: O PMDB é um partido heterogêneo, é um partido muito grande, muito antigo, bastante heterogêneo, típico dos padrões brasileiros, mas que teve um setor progressista claramente na linha de frente do presidente Lula. Então não é de hoje.

Nelson Breve: Mas não é a maioria do partido, senador.

Aloizio Mercadante: Hoje é.

Nelson Breve: O senhor não está sendo muito confiante?

Aloizio Mercadante: Hoje é, porque o seguinte: o PMDB... [interrompido]

Nelson Breve: Pesquisa da Brasmarketing publicada ontem está mostrando que o capital social do Lula está caindo drasticamente. Números. Se quiser eu posso citar aqui, mas o senhor deve ter visto: aumentou 13% o ruim/péssimo do governo, só esse dado... O capital social está caindo e não se consolidou o capital político. O senhor acha que o governo continua sendo aquele mesmo sócio bom que era para o PMDB?

Aloizio Mercadante: Primeiro: o presidente Lula hoje tem o maior índice de apoio popular de todos os presidentes em igual período de governo, de todos os presidentes anteriores. Segundo: popularidade e credibilidade são conceitos distintos na vida pública. Um governo perde popularidade porque toma medidas impopulares, porque às vezes é muito difícil você compreender os desafios, os interesses que são feridos para você poder prevalecer o interesse comum da sociedade e a perspectiva de futuro. Não pode perder credibilidade. Eu acho que nós temos atuado construindo credibilidade, seriedade, discutindo com o povo de forma bastante transparente e corajosa quais são os desafios; e porque nós temos que enfrentá-los. Portanto, nós estamos crescendo e acumulando politicamente. Em relação ao PMDB: nós quisemos nos relacionar com um setor do PMDB, vamos negociar com uma fatia do PMDB o apoio político? Não. Nós quisemos discutir, construir e pactuar com o PMDB como partido, como instância partidária. Nós ajudamos a unidade dos partidos, nós não temos buscado trabalhar a divisão partidária. A democracia significa você reconhecer o partido como instituição e você buscar dialogar com o partido, com a bancada como um todo, e por isso mesmo eu tenho absoluta convicção que, juntos, nós teremos uma força grande. O PMDB é um partido que tem um papel fundamental na luta democrática, e na idéia do nacional-desenvolvimentismo no Brasil.

Pedro Cafargo: Deixe-me fazer uma perguntinha.

Aloizio Mercadante: Só um minutinho. O PT é um partido que vem da mudança social, da justiça social, da ética na política, enfim, um partido ousado em termos de propostas e mudanças. Essa aliança eu acho que ajuda, porque o PMDB tem uma longa experiência na gestão do setor público, e [porque] ajuda o PMDB a se renovar. É uma aliança que seguramente trará uma grande perspectiva de governabilidade política, de consolidação de uma aliança que dá sustentação parlamentar e política. E o PMDB tem dado demonstrações disso durante esses oito meses: votou praticamente em todas as matérias relevantes com o governo, e no Senado foi fundamental para a gente ter aprovado tudo.

[sobreposição de vozes]

Clóvis Rossi: Senador...

Pedro Cafardo: Clóvis, deixe-me fazer uma, só você que faz perguntas. Estou aqui escutando quietinho no meu canto essa discussão tremenda, e me lembrei que o senhor costuma escrever várias vezes sobre a questão da intolerância. O senhor faz críticas à intolerância que existe neste país, citou o boné do MST, porque o presidente pôs o boné e foi uma crítica, uma coisa. [Refere-se ao episódio em que o presidente Lula, ao discursar para um encontro de trabalhadores rurais, coloca na cabeça um boné do MST] Mas também, de fato, a tolerância é uma bela de uma virtude, que poderia ser praticada por muitas pessoas, mas às vezes ela é prejudicial ao país. O senhor acha que a intolerância... O que é mais prejudicial ao Brasil, a tolerância ou a intolerância?

Aloizio Mercadante: A tolerância na política, a capacidade de você conviver com a diferença, respeitar o outro, é essencial para uma sociedade democrática e plural. A intolerância dos agentes políticos acaba conduzindo a regimes autoritários, onde você tenta anular o outro, e não dialogar, convencer ou disputar politicamente. O que eu acho que nós temos... Agora isso não significa que a gente tenha que ter princípios na vida pública que são inegociáveis. A relação entre ética e política é uma construção que o Brasil está longe de ter resolvido, [mas] avançamos muito nesses últimos anos. A CPI [Comissão Parlamentar de Inquérito] do Collor - que eu trabalhei; o impeachment; a luta pelas liberdades democráticas... Nós temos grandes avanços nesse processo na história recente, mas o controle da sociedade civil sobre o Estado, a relação entre ética e política ainda é um grande desafio político, mas a tolerância é um valor fundamental para a gente conseguir ter uma sociedade plural e conviver com a diferença e construir. De outro lado, os movimentos sociais têm um papel muito importante: de pressionar o governo, de pressionar as instituições, de lutar pelas mudanças. Nós não queremos governar contra os movimentos, criminalizando os movimentos, excluindo os movimentos. Os movimentos são uma parte fundamental, desde que a luta social se dê nos limites construídos por todos no estado de direito. Porque a luta social no Brasil só avançou, e os trabalhadores só puderam se organizar, participar e se manifestar e atuar quando a gente teve democracia, que é uma coisa relativamente breve na nossa história, passageira. Então [a luta dos movimentos sociais] é dentro do estado de direito, mas é fundamental que os movimentos sociais atuem, pressionem e lutem.

Pedro Cafargo: O próprio presidente Lula tem dado demonstrações até surpreendentes de tolerância e de diálogo, que não se esperava que ele pudesse ter. O senhor não acha?

Aloizio Mercadante: Quem conhecia o Lula como eu conheço o presidente há mais de 25, 30 anos, conviveu com ele há tanto tempo, sabe que uma das características fundamentais do presidente é a capacidade de entender o povo, de dialogar e de negociar; ele foi um grande negociador. A luta sindical que ele fez na ditadura militar, o espaço que ele abriu e que ele construiu pela luta sindical foi negociando, foi pactuando. As pessoas não lembram, mas em 1979, por exemplo, o Lula fez uma greve. A greve começou e ele chegou lá, começou a campanha salarial e ele chegou para os trabalhadores e falou: “Não dá para fazer greve agora. E metade da assembléia saiu vaiando, achando que tinha que ter feito etc e tal”. Aí no ano seguinte [ele falou]: “Agora vamos para a greve”. E a greve foi 40 dias, uma greve dificílima [em que] ele terminou preso. E os trabalhadores aprenderam a confiar, sobretudo os metalúrgicos do ABC que tiveram ele como principal dirigente sindical ao longo da história, exatamente por ele falar a verdade, por enfrentar os momentos difíceis e por construir uma relação de credibilidade. Agora, sempre foi um grande negociador, e ele tem exercido e a presidência exige, porque o papel dele é como maestro da orquestra, tanto no que é o governo, quanto no diálogo, na negociação, na pactuação dos diversos setores.

[sobreposição de vozes]

Aloizio Mercadante: É uma grande vivência dessa geração que lutou pela democracia.

Helena Chagas: Será que o governo Lula não está falhando justamente nessa questão social? Até agora não fez nada de reforma agrária, na área social, nos programas de atendimento para amenizar para a população de baixa renda, enquanto o crescimento não chega? Também parece que [os programas sociais] não estão funcionando, há um enorme bate-cabeças na área social. Isso é que se esperava de um governo do PT, uma ineficiência tão grande nesse setor chave?

Pedro Cafargo: Queria aproveitar e perguntar também em cima disso: qual é o projeto de reforma agrária do governo? Porque o MST acha que é um, os fazendeiros acham que é outro. Enfim, qual é?

Aloizio Mercadante: Primeiro, em relação à questão agrária. O que nós priorizamos na questão agrícola? Repactuamos a dívida de todos os agricultores, sobretudo dos pequenos. Na região Nordeste nós demos um abatimento de 70% da dívida: dez anos para pagar, quatro anos de carência para investimento e dois anos para custeio; e para outras regiões pelo menos até 30% de abatimento de dívida. Repactuamos para os assentados da reforma agrária... porque 80%, 85% dos assentamentos não têm água, não têm luz, não têm estrada, não têm escola - é uma precariedade absoluta. Nós repactuamos a dívida para 15 anos com taxa de juros de 1,5% ao ano. E demos linhas de crédito de 5 bilhões e 600 milhões de reais para a agricultura familiar, exatamente para permitir que essa agricultura se consolide e avance. O campo brasileiro gera 17 milhões e 700 mil empregos, o agronegócio no Brasil. Qual é o tamanho do problema dos acampados? Em torno de 120 mil pessoas. É um problema relativamente pequeno e equacionável, dentro de um projeto de reforma agrária que não é, do nosso ponto de vista, sair assentando gente e jogando na terra, sabendo que o assentado de hoje volta a ser o sem-terra de amanhã, ou depois de amanhã. Primeiro vamos recuperar os que estavam assentados, e criar uma política de reforma agrária que tenha assessoria técnica, que tenha financiamento e que tenha viabilidade econômica e social.

Helena Chagas: Até agora ninguém viu ainda.

Aloizio Mercadante: A política agrícola viu sim.

Helena Chagas: A política agrícola sim, mas a reforma agrária ninguém viu ainda.

Aloizio Mercadante: Amanhã em Brasília está chegando uma manifestação muito grande das Margaridas - a manifestação da Contag [Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura], ou para qualquer liderança do campo... [A Marcha das Margaridas reúne (primeira edição ocorreu em 2003) milhares de trabalhadoras rurais manifestantes em Brasília. A pauta inclui reforma agrária, segurança alimentar, violência doméstica, dentre outros temas]

Pedro Cafargo: Mas as ocupações continuam.

Aloizio Mercadante: ... nós repactuamos as dívidas, criamos uma linha de crédito, viabilizamos a agricultura familiar, que é a base da reforma agrária. Na reforma agrária nós temos o problema de estoque de terra disponível que é pequeno; há um desaparelhamento do Incra [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária] que é muito grande para poder agilizar esse processo; e temos restrições orçamentárias do orçamento que nós recebemos. Ainda assim todo o esforço possível... Há até problemas na Justiça, porque nós tentamos desapropriar algumas áreas que não foram possíveis. O processo é lento, mas é fundamental que a reforma agrária avance. Eu acho que essa é uma grande questão da democracia brasileira. E um país que tem esse potencial agrícola, que tem 90 milhões de hectares ociosos no campo, tem como combinar agricultura moderna e eficiente com reforma agrária. Sobre a questão da política social. O Fome Zero [programa governamental de segurança alimentar], por exemplo, hoje, já atinge 1000 cidades, [em] setembro agora atingiu 1000 cidades: 800 mil famílias estão sendo atendidas pelo cartão-alimentação, 800 mil [enfático]. [É] um cadastro em que as autoridades locais participam do processo de elaboração, mas todo o controle é feito por uma comissão que é prévia à instalação do programa. Portanto tem transparência, tem controle social para diminuir o fisiologismo, o desperdício e o desmando nessas políticas sociais. Foi lento construir esse cadastro? Foi. Tem muito mais gente? Tem. Mas hoje atinge 800 mil famílias. Então é um programa que cresceu significativamente e que vem sendo instalado, eu diria de forma bastante consistente, com apoios importantes de empresas, apoios internacionais e intuições, e que nós queremos avançar. Acho que há uma sobreposição de programas na área social. O cartão de alimentação tem como contrapartida manter o filho na escola. Ele tem uma dimensão de bolsa-escola, mas a bolsa-escola já existia, era outro programa exitoso que tem que ser mantido; bolsa alimentação era um programa exitoso. A idéia de unificar esses programas em um único cadastro, em um único programa de inclusão, em um único sistema de inclusão social, na realidade tinha que incluir os governos e os municípios juntos, numa parceria do país; é para onde nós estamos caminhando. Agora, você tem que reformar o avião voando, e você tem que avançar e atacar o problema social, sobretudo pela crise social que aí está, e que é muito antiga e se agrava pelo não crescimento econômico; e, ao mesmo, tempo buscar construir uma nova engenharia institucional e unificar os problemas.

Helena Chagas: O orçamento de vocês vai prever mais dinheiro para o social? Porque até agora a desculpa é: “o orçamento é do governo anterior”.

Aloizio Mercadante: O orçamento vai prever mais dinheiro para o social, dentro das restrições orçamentárias que ainda são severas. Tanto mais dinheiros nós teremos quanto mais rápido a gente desendividar o Estado, e mais consistente e sustentadamente reduzir as taxas de juros.

Paulo Markun: Quer dizer, [o quadro] não era tão fácil como se pintava, como vocês pintavam na campanha?

Aloizio Mercadante: Nós já governávamos, antes de nós assumirmos a presidência, 50 milhões de pessoas no Brasil. Governávamos no nível de cidades. Algumas há 16 anos nós governamos, outras oito, outras quatro. Nós já tínhamos experiência de governo do Estado, e nós já vínhamos de uma longa experiência de gestão do setor público. E vínhamos implementando políticas muito inovadoras a nível local na área social. São Paulo mesmo, você veja o CEU [Centro de Educação Unificado], por exemplo: é um programa no qual há 2 mil vagas na escola pública - numa escola nas regiões mais pobres da cidade. Não é do lado da marginal para tirar fotografia [Marginais Tietê e Pinheiros, áreas da cidade de São Paulo de grande circulação], [é] no fundão da cidade, na periferia da cidade. [O CEU] junta piscina semi-olímpica, quadra de esporte, campo de futebol oficial, quadra fechada, teatro, música. Quer dizer, esporte, lazer e cultura integrados num projeto que é uma grande intercessão do Estado para mostrar a importância da educação e da inclusão social. O programa de bolsa-escola, que nós estamos fazendo em todos os nossos governos no Brasil, já fazíamos a nível local, e agora nós estamos fazendo a nível nacional - que é o bolsa-alimentação e o bolsa-escola -, dando continuidade a essas iniciativas. Eu acho que [isso] mostra que nós temos uma grande sensibilidade social, sabemos fazer isso. O Sistema Único de Saúde [SUS]: é um programa que nós lutamos muito na [elaboração da] Constituição para ser da forma que é, [uma] das coisas mais modernas do país, e que vem funcionando de forma muito eficiente como política universal. Agora, nós herdamos uma situação financeira dramática e uma situação fiscal muito grave, e nós temos que organizar recursos.

Clóvis Rossi: Por que vocês não gastam nem sequer o que está autorizado pelo acordo com o Fundo? Mês a mês o superávit tem sido superior ao acordo com o Fundo, mês a mês...

Aloizio Mercadante: O superávit fiscal tem uma sazonalidade. Para você chegar ao final do ano dentro do padrão estabelecido, você tem períodos do ano que ele tem que ser maior, porque aumentam os gastos no segundo semestre. Um deles é o 13º [salário], que atinge toda a folha de pagamento, e você tem uma série de outros gastos que vão avançando. Por exemplo, o programa bolsa-escola começou com dois municípios; hoje são mil. Então os gastos sociais vêm aumentando. Quando você fechar a conta no final do ano, o volume de recursos é muito maior, porque o programa está em implantação e em aceleração. Se você descontar a sazonalidade, ainda assim tem um pequeno excesso no superávit, por isso o governo tem espaço na política fiscal para estimular o crescimento e a recuperação econômica, e felizmente está fazendo isso. Acho que é um problema que foi identificado e que está sendo superado.

Paulo Markun: Senador, nosso tempo está acabando, uma última pergunta, uma reposta relativamente rápida, [pois] daria para falar o programa inteiro. Muito bem, o senhor defendeu com galhardia o governo que o senhor representa, no legislativo. Agora, usando uma metáfora do presidente Lula, se faltou fazer algum gol nesses oito meses, qual foi? E aonde que o governo não funcionou, ou [no] que deu tudo certo?

Aloizio Mercadante: Eu acho que tem um gol, que é a razão de ser desse governo, que eu diria que é fazer justiça social, promover inclusão social e gerar emprego no país. Enquanto a gente não fizer esse gol, eu acho que todo gol que a gente fez a gente tem que comemorar... Mas a partida ainda não acabou, a vitória não está dada. Este país precisa crescer, precisa produzir; nós precisamos olhar mais para o "curral da fazenda" - tenho insistido nisso -, no chão da fábrica; estimular a produção, o crescimento, o emprego e a justiça social; criar um grande mercado de consumo de massas aonde a maioria do povo - que hoje não é consumidor, não é cidadão, está exposto a violência, narcotráfico, a todo tipo de instabilidade social - possa de fato ser incluído socialmente. Eu acho que essa é a razão de ser desse partido, é isso. É a história do presidente Lula, é o objetivo fundamental do seu governo, nós estamos trabalhando para chegar lá, mas falta muita coisa para a gente realizar essas expectativas. Só há uma frase que eu queria deixar aqui. Há uma parte da esquerda... A esquerda sempre sonhou com o futuro, e vai continuar sonhando, a gente lutou a vida inteira sonhando com um Brasil mais justo, mais solidário, mais generoso. O que não dá é para a esquerda continuar sonhando com o futuro e deixar a direita governar. Nós fazemos parte de uma geração que quer governar, que quer tentar, que quer mudar o Brasil para melhor, e acho que estamos fazendo isso. Dialogando, construindo alianças, buscando parcerias que são essenciais para a democracia, e é mais uma evidência do grande avanço democrático que este país construiu ao longo desses últimos anos, e que a gente ajudou muito a chegar até aqui.

Paulo Markun: Senador, muito obrigado pela sua entrevista, muito boa sorte na sua empreitada no Senado. Obrigado aos nossos companheiros aqui de bancada e a você que está em casa. Mais uma vez, como acontece em todo Roda Viva, todas as perguntas que foram enviadas para a nossa produção, endereçadas ao senador Aloizio Mercadante, serão encaminhadas a ele para que ele possa, na eventualidade da sua possibilidade, responder. Uma ótima semana, uma boa noite e até segunda com mais um Roda Viva.




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