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domingo, 9 de novembro de 2008

Educação: Manifestação histórica reúne mais de cem mil em Lisboa



Milhares de professores vão ‘à guerra’

Mais de cem mil professores de todo o País manifestaram-se ontem nas ruas de Lisboa e aprovaram uma greve para 19 de Janeiro e o endurecimento das formas de luta contra o modelo de avaliação de desempenho.



A ministra da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues, reagiu ainda a manif não acabara, garantindo não aceitar a suspensão da avaliação, o que suscitou uma reacção dura dos sindicatos, que prometem 'guerra' e admitem antecipar a greve para este ano ainda.

'Ou o Ministério da Educação suspende a avaliação de desempenho, avançamos para a negociação e o ano lectivo decorre normalmente, ou o ME vai ter luta o ano todo. Se querem guerra vão ter', proclamou Mário Nogueira, porta-voz da Plataforma Sindical, em cima do palco montado no Marquês de Pombal, ponto final de uma manifestação que durou mais de quatro horas.

A plataforma estima 120 mil docentes no protesto, número superior aos 100 mil da manifestação de Março. A polícia não indicou quaisquer números, 'dada a dimensão do protesto'.

MárioNogueira apelou aos professores para combaterem a avaliação nas escolas. 'Sejam corajosos. Se o ME não suspende a avaliação, suspendemos nós. Desta vez não há entendimento possível', disse, exortando os docentes a aprovar a suspensão nas escolas. O dirigente acusou a ministra de 'analfabetismo político' por não 'saber ler o significado de uma manifestação de 85 por cento dos professores do País'. Quanto à possibilidade de os docentes não progredirem na carreira se não forem avaliados, como já ameaçou a ministra, Nogueira disse: 'Vamos ver se impede a progressão dos professores a três meses das eleições.'

Os professores decidiram abandonar a comissão paritária de acompanhamento do processo de avaliação e agendaram mais protestos para este mês: dia 25 no Norte, 26 no Centro, 27 na Região de Lisboa e 28 no Sul. Os sindicatos querem ainda uma Marcha Nacional, com pais, alunos e pessoal não-docente.

MINISTRA ASSEGURA QUE AVALIAÇÃO É PARA CUMPRIR

A ministra da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues, assegurou que o processo de avaliação de professores é para continuar e que nem a dimensão da manifestação a vai fazer voltar atrás, uma vez que 'são os sindicatos que não estão a cumprir o memorando de entendimento que assinaram com o Governo'. 'Este processo é o resultado de uma negociação. O modelo de avaliação que existia nivelava os professores por baixo e este assegura que os melhores são distinguidos', afirmou a ministra em declarações na Direcção Regional de Educação do Norte, no Porto, à mesma hora em que os professores desfilavam em Lisboa.

À noite, os três canais de TV apresentaram entrevistas com a governante. Na RTP, a ministra garantiu estar sempre 'disponível para discutir o modelo de educação', mas que está consciente de que 'em ano de eleições estão a fazer das escolas campo de batalha da política eleitoral'. Na SIC, sustentou que há sobrecarga de trabalho dos professores, pois 'há excesso de reuniões, o que tem de acabar'.

AGRADADOS COM MUDANÇA DE FERREIRA LEITE

A mudança de atitude de Manuela Ferreira Leite, em relação às políticas educativas do Governo, agradou aos professores que ontem protestaram em Lisboa. 'Na altura não deveria saber o que estava em causa. Desde então, informou-se melhor e mudou de opinião', disse Ana Rocha, professora de Biologia. Nas vésperas da manifestação realizada em Março, Manuela Ferreira Leite manifestava, na Rádio Renascença, o seu apoio a José Sócrates, dizendo mesmo que lhe retirava o voto caso o primeiro-ministro cedesse às pressões dos sindicatos. 'Se ele dissesse que os professores estão cheios de razão, que vamos cruzar os braços e continuar tudo na mesma, eu não votaria nunca no engenheiro José Sócrates, mas se por qualquer motivo fosse eleitora dele dava-lhe um voto contra', afirmou Manuela Ferreira Leite, que, na altura, ainda não era líder do PSD.

T-SHIRTS, AUTOCOLANTES E BANDEIRAS

Ainda não eram 9 horas e já o autocarro número 21 estava repleto de professores desejosos por sair de Coimbra rumo a Lisboa para dizerem 'umas verdades à senhora ministra'. 'Vamos à luta. Estamos inundados de burocracia. A minha prioridade tem de ser os meus alunos', dizia Cristina Costa, 47 anos, professora de inglês na escola Ferrer Correia, de Miranda do Corvo, enquanto subia as escadas do autocarro.

Os 55 professores foram ocupando os seus lugares e o autocarro saiu da Praça da República pouco depois das 9 horas. 'Vou tomar um comprimido para o enjoo. E já tenho outro para a volta, para o caso de ver a ministra', dizia uma professora acabada de se sentar. 'Porta-te bem, vem aí o teu avaliador', brincava uma docente com uma colega inquieta.

Ao microfone, Luís Lobo, do Sindicado dos Professores da Região Centro, informava que ia começar a distribuição de t-shirts. Seguiram-se os autocolantes e logo a seguir alguns abaixo-assinados. 'Vamos ter mais gente do que na marcha da indignação de 8 de Março. É uma resposta espectacular da parte dos professores. Outras virão a seguir', incentivava o sindicalista, apoiado por uma salva de palmas.

As três horas de viagem foram aproveitadas para a troca de impressões sobre o estado da educação e houve ainda tempo para escrever e dedicar uma canção a Maria de Lurdes Rodrigues: 'A gente vai a Lisboa/ Grande manifestação/ A escola não anda boa/ e nós estamos com a razão. Ó Milú olha bem para nós/Pára lá um bocadinho e ouve a nossa voz'.

'Eu quero ser avaliada, mas não desta forma. É só papéis e sinto que não estou a dar bem as aulas porque estou feita uma burocrata', garantia Susana Mesquita, professora há 33 anos, a leccionar na Escola D. Inês de Castro. Mais contestatária, a professora Teresa, da escola D. Dinis, enumerava três mensagens a transmitir à ministra: 'Um: a desunião dos professores não foi conseguida. Dois: os professores não têm medo. Três: os professores têm consciência de que são os agentes sociais mais importantes do País'. Foi de imediato apoiada por todo o autocarro entretanto sarapintado de bandeiras coloridas e com palavras de ordem.

Com o Tejo à vista, os professores prepararam-se para a manifestação. A luta continuou nas ruas de Lisboa e garantem, vai continuar nas escolas.

UNS A PEDALAR, OUTROS DE COMBOIO, TODOS EM ACORDO

De Trás-os-Montes ao Algarve, do Minho ao Alentejo, as ruas da Baixa lisboeta conheceram ontem um movimento e um colorido pouco habituais aos sábados, com professores de todo o País. Alguns trocaram os autocarros pelo comboio, como foi o caso de um grupo de professores de Matosinhos. De Barcelinhos (Barcelos) viajou Apresentação Queirós, que chegou a Lisboa na sexta-feira. 'As pessoas têm de perceber que quando uma classe inteira sai para a rua não é para defender privilégios mas os alunos', afirmou. A docente deu o exemplo: 'Tive seis reuniões esta semana, algumas de três horas.' Quem também chegou a tempo do protesto foram os professores que adoptaram a bicicleta para ligar Serpa à capital.

EM PROTESTO

'SOMOS DOIS TERÇOS DOS FUNCIONÁRIOS' (Manuel Cabral, Lousã)

'Somos dois terços dos funcionários do Ministério. Fazemos a diferença, transmitindo aos jovens os ensinamentos que o País necessita para dar saltos qualitativos no futuro.'

'ESTOU ARREPENDIDA DE TER VOTADO SÓCRATES' (Ana Rocha, Vila Real)

'Votei em Sócrates e estou muito arrependida. Queremos ensinar e estar disponíveis para os alunos e não cheios de burocracia. Vim lutar por melhores condições de trabalho.'

'ESTAMOS ENJAULADOS NO SISTEMA DE AVALIAÇÃO' (Manuel Trovisco, Bragança)

'As grelhas significam que cada professor está enjaulado no sistema de avaliação. Nós queremos ter tempo para cumprir a nossa função de ensinar os alunos.'

'A PRÓPRIA MINISTRA NÃO DEVE SABER O QUE FAZ' (Ana Isabel Cruz, Ílhavo)

'É a primeira manifestação em que participo. Protesto, acima de tudo, contra este modelo de avaliação. Acho que a própria ministra da Educação não deve saber o que faz.'

'CONTRA UM SISTEMA DE AVALIAÇÃO SELVAGEM' (Fernando Varão, Lisboa)

'Perdi a conta aos anos que fui professor. Estou solidário com colegas na luta contra um sistema de avaliação selvagem que vai transformar a escola em algo desprovido de valores.'

'QUERO SER AVALIADA, MAS COM HONESTIDADE' (Maria P. Barbedo, Esgueira, Aveiro)

'Queremos uma avaliação com rigor de forma a termos uma educação com rigor. Não sou contra a avaliação, mas sim contra este modelo. Quero ser avaliada, mas com honestidade.'

'MINISTRA TEM DE ACABAR COM BUROCRACIA' (Ana Mafalda, Ílhavo)

'Sou professora há quatro anos e é a primeira vez que participo num protesto. Sou a favor da avaliação, mas todo este processo está errado. A ministra tem de acabar com a burocracia.'

'A AVALIAÇÃO DEVE SER EXTERNA À ESCOLA' (Margarida Carvalho, Aveiro)

'Este modelo de avaliação não está correcto. A avaliação deve ser feita por alguém exterior à escola, devido aos ‘amiguismos’, com critérios claros e concretos.'

'NÃO AO FACILITISMO COM QUE SE PASSA ALUNOS' (Pedro Gonçalves, Alcácer do Sal)

'Não compactuamos com políticas que visam o facilitismo para passar os alunos de ano. Sou professor de educação física e é ridículo ser avaliado por uma professora de têxteis.'

'PERDEMOS TEMPO EM REUNIÕES ABSURDAS' (Jorge Marques, Cacém, Sintra)

'Perdemos tempo em reuniões absurdas para determinar a percentagem de sucesso dos alunos. O estatuto do aluno e o estatuto da carreira de docente são uma vergonha.'

'COLOCAM EM CAUSA O FUTURO DOS MEUS FILHOS' (Maria Paula Montez, Lisboa)

'Sou mãe e faço parte da Comissão de Defesa da Escola Pública. Estas medidas colocam em causa o futuro dos meus filhos. Querem acabar com a qualidade no Ensino Público.'

'OS PROFESSORES DEVEM SER AVALIADOS' (Manuel Martins, Almada)

'Sou casado com uma professora contratada e acho que devem ser avaliados com regras. Ela ensina História e não pode ser avaliada por alguém que não perceba da disciplina.'

REACÇÕES POLÍTICAS

'POLÍTICA É PARA CONTINUAR' (Vitalino Canas, Porta-voz do PS)

'A política é para continuar. Ouvimos o que os professores transmitem, mas temos uma linha de actuação'.

'NÃO PODE FICAR TUDO NA MESMA' (Pedro Duarte, Deputado do PSD)

'A manifestação é a prova evidente de que não pode ficar tudo na mesma. Governo não pode ser autista e indiferente'.

'NÃO MUDAR É ATACAR A ESCOLA' (Bernardino Soares, Deputado do PCP)

'Mudar o ministro e não mudar a política, como aconteceu na Saúde, é continuar a atacar a escola pública'.

'PROFESSORES FARTOS E CANSADOS' (José Paulo Carvalho, Deputado do CDS-PP)

'Pode haver algum clima de descontrolo nas escolas porque os professores estão fartos e cansados de ser maltratados'.

'A MINISTRA ESTÁ AFLITA' (Francisco Louçã, Líder do Bloca de Esquerda)

'A ministra está aflita e o Governo está aflito. Pensam que de uma forma ditatorial e prepotente conseguem impor regras'.

APONTAMENTOS

GREVE NO PARLAMENTO

Paulo Portas, presidente do CDS-PP, disse que o partido vai pedir uma sessão especial no Parlamento para ajudar os professores.

TRÂNSITO REGULAR

As saídas de Lisboa registavam ontem após as 19h00 a circulação de automóveis com fluidez.

CARTAZES IMAGINATIVOS

A imaginação não faltou aos professores na elaboração dos cartazes: 'Sr. primeiro-ministro não sofra mais, imite o filósofo que lhe deu o nome, que nós oferecemos-lhe a cicuta.'

NEGÓCIO NAS CASTANHAS

Vendedores de castanhas e cerveja admitiram dia de negócio.

NOTAS

BANDEIRAS: 300 MIL EUROS

A Plataforma Sindical estima em mais de 300 mil euros o custo da manifestação. Repartido por aluguer de autocarros, bandeiras, autocolantes, faixas e coletes.

ALVERCA: ACIDENTE ATRASOU

Dezenas de autocarros de professores que tomaram a A1 para chegar a Lisboa depararam-se com um engarrafamento monumental antes das portagens de Alverca devido a um despiste.

INGLESA: UNIÃO IMPRESSIONA

Hannah Madden, natural de Liverpool, assistiu à manifestação dos professores sentada numa esplanada. 'Estou impressionada com a união e com a quantidades de pessoas', disse ao CM.




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