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domingo, 11 de maio de 2008

A literatura e o cinema – a propósito de Os Maias

Dalila Teles Veras


Dalila teles Veras
Justiça seja feita: a exibição da mini-série Os Maias pela TV Globo, uma adaptação de Adelaide Amaral do romance de Eça de Queiroz presta um serviço mais do que bem vindo à literatura. Produção bem cuidada, detalhes de época irrepreensíveis e, o mais importante, a manutenção da linguagem de Eça, cedendo, naturalmente, às exigências de adaptação para o novo veículo.

Não afeita a ver novelas, impus-me a disciplina de ver esta. Afinal, não era uma simples novela, mas a adaptação de um dos melhores romances escritos em língua portuguesa. Logo no primeiro capítulo, porém, não pude evitar a estranheza que as caras conhecidas dos atores globais causaram na fiel ex-leitora de Eça. Explico: Li o Maias há pelo menos três décadas e, naturalmente, o Afonso, o Pedro e o Carlos Eduardo da Maia, personagens principais que compõem a saga, tinham, para mim, naquela ocasião, a fisionomia que eu inventei para eles. Está claro que não fugia muito à descrição do magistral escritor que os criou, mas tinham características que eram minhas, pois eu as criei na minha imaginação de leitora e essa é, certamente, a grande magia do livro.

Só para citar um exemplo, os olhos dos três personagens masculinos, claro, eram negros, a marca dos Maias, como se refere o autor, mas o modo de olhar era eu que lhes dava. Ao invés dos olhos lânguidos e voz de tom incerto da atriz principiante que encarna a frívola Maria Monforte na TV, imaginei-a, além da beleza e do perfil altivo, dona de poderosos e ferozes olhos ferozes, mais compatíveis com o perfil de mulher calculista da personagem. O poeta Alencar, se bem me lembro, idealizei-o de uma forma até próxima da versão composta pelo excelente Osmar Prado que, aliás, também muito se aproxima da descrição do romancista, quando faz referência à vasta cabeleira desgrenhada e os olhos em brasa, quando não dominava o sangue.

Não resisti e fui ao romance. 100 páginas logo na primeira noite. Curiosamente, agora a luta era para substituir a fisionomia dos personagens globais, tamanha a força da imagem. Mas, à medida que a leitura avançava, eles iam tomando outra forma, não mais aquela da primeira leitura, nem tampouco a dos atores da TV Globo, mas uma outra, amálgama também das minhas vivências e emoções, pedaços de pessoas que conheci vida a fora, tamanha a força da palavra.

Desde então, o embate entre imagem e palavra vem acontecendo, noite após noite. Senhora dona do ato de virar a página, não consigo manter a leitura no mesmo ritmo da novela, e já lá vou, bem mais além, mesmo sem manter a terrível disciplina diária de horário e duração, impingida pela TV. A vantagem da leitura é que pode acontecer à hora que bem me apetecer, sem precisar gravar nenhum capítulo, com a vantagem de volar às passagens (páginas) que mais me emocionaram e relê-las, a mastigar nova emoção.

Aos céticos que apregoam a morte do livro por conta da rapidez da vida moderna, darei a prova: lendo uma média de 30 páginas por dia (muito abaixo da minha média normal) terminarei o "assustador" volume de 600 páginas (dependendo, é claro, da edição – caracteres pequenos ou grandes) em rápidos 20 dias, enquanto a mini-série se arrastará por longos 40 capítulos.

Mostrarei a esses apocalípticos e preguiçosos que o tempo da leitura não é lento como se supõe, além da vantajosa riqueza de detalhes que nos oferece e que a rapidez da imagem desperdiça.

Não, não sou contra a adaptação, muito menos contra a TV, apenas acredito que o livro, a TV ou o cinema, não são excludentes, mas apenas linguagens distintas, leituras para uma mesma história. Mas, com perdão dos telemaníacos, que o livro tem suas vantagens, lá isso tem.

Sobre a Autora:

Dalila Teles Veras, natural do Funchal (Madeira-Portugal), 1946. Radicada no Brasil desde 1957 (São Paulo, Capital) e desde 1972 residente em Santo André (SP).
Publicou, entre outros, os livros Lições de tempo (1982), Inventário precoce (1983), Madeira: do vinho à saudade (1989 - Portugal), Elemento em fúria (Teresina - 1989), A Palavraparte (1996), todos de poesia, A vida crônica (1999), crônicas, As Artes do Ofício (2000), crônicas e Minudências (2000), diários.
Participou de quase duas dezenas de coletâneas no Brasil e no exterior. Possui poemas traduzidos e publicados na Espanha, França, Itália, EUA, Cuba e Portugal. Colabora com a imprensa cultural de todo o Brasil. É diretora-proprietária da Alpharrabio Livraria Espaço-Cultura, em Santo André, SP, centro cultural que, desde 1992, promove oficinas, recitais e semanas culturais, e já editou cerca de 40 livros sob sua chancela. De 1992 a 1994 editou, em conjunto, a revista literária Livrespaço, ganhadora do prêmio APCA 1993. Foi Diretora e Secretária Geral da União Brasileira de Escritores (SP) por três gestões (1986/88, 1990/92 e 1994/1996). Assinou por cinco anos consecutivos a coluna semanal "Viaverbo", no Caderno Cultura & Lazer do Diário do Grande ABC.
É editora da revista de debates Em Movimento.
E-mail: dalila@osite.com.br
Homepage: www.terravista.pt/ancora/2367



Matéria publicada em 01/02/2001 - Edição Número 18

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