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domingo, 21 de novembro de 2010

#PT A sombra da suspeita



Ministério Público retoma a tese de crime político em julgamento de acusado pela morte do prefeito Celso Daniel

Alan Rodrigues

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RETOMADA
Para o MP, Sérgio Gomes (abaixo) encomendou
o assassinato de Celso Daniel (acima)

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O sequestro e assassinato do prefeito de Santo André Celso Daniel (PT), em 2002, chocou o País. Desde o início, o caso foi considerado mais do que um episódio típico da violência que aflige regiões urbanas como a Grande São Paulo. Celso Daniel era, na época, coordenador da campanha presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva e sua morte começou a ser investigada como parte de um enredo de corrupção e desavenças partidárias. O foco das suspeitas caiu, então, sobre importantes personagens do Partido dos Trabalhadores. Oito anos e dez meses depois do episódio, duas hipóteses ainda concorrem para explicar essa morte. Para a Polícia Civil de São Paulo, houve um crime comum. Para o Ministério Público, foi crime político.

O caso voltou à tona na semana passada num júri no Fórum de Itapecerica da Serra, cidade próxima à capital paulista, onde o corpo de Celso Daniel foi encontrado em uma estrada de terra em 20 de janeiro de 2002, crivado de balas e com marcas de tortura. Durante as oito horas de julgamento, a cadeira do réu esteve vazia. O acusado, Marcos Bispo dos Santos, é um foragido da Justiça. Mas, mesmo se ele tivesse comparecido ao julgamento, na quinta-feira 18, sua presença não seria suficiente para resumir tudo o que estava em jogo no tribunal. Além de decidir sobre a culpa ou a inocência de Bispo dos Santos na morte de Celso Daniel, o Tribunal do Júri servia para reencarnar o velho fantasma do crime político, que atormenta o PT. “Não vou pôr o PT no banco dos réus. Mas é evidente que (o PT) faz parte do contexto”, disse o promotor Francisco Cembranelli, especialmente nomeado para cuidar da acusação. Mais nova estrela do Ministério Público paulista, Cembranelli ganhou fama no caso Isabela Nardoni, quando condenou o pai e a madrasta da menina. Sua presença no júri de Itapecerica era emblemática.

“O MP escalou sua tropa de elite”, indignou-se Adriano Marreiro dos Santos, advogado de defesa de Bispo dos Santos. “Queriam ganhar com o nome dele, por isso trouxeram um promotor de fora. O promotor natural do caso não é competente?”, questionou o advogado. De fato, a Procuradoria-Geral de Justiça de São Paulo, há pouco mais de três meses, afastou do caso o promotor da cidade, Vitor Petri. Fato inédito na comarca: Petri nem sequer foi convidado para assistente da acusação e acompanhou parte do julgamento no meio dos populares. A presença de Cembranelli representava assim a grande aposta do MP para se contrapor às conclusões da investigação policial. “Tive apenas a missão de contar a história”, esquivou-se Cembranelli.

Contar história foi mesmo uma qualidade que o promotor esbanjou no julgamento. Sem apresentar nenhuma prova técnica de que o crime teve mando político e sem convocar uma única testemunha de acusação, Cembranelli conseguiu provar aos sete jurados (cinco professores, uma assessora de imprensa e um técnico de computação) que Bispo dos Santos integra uma organização criminosa que recebeu dinheiro para sequestrar, torturar e matar Celso Daniel. Bispo dos Santos foi o primeiro dos sete acusados de participação na morte do então prefeito a ser julgado. Ele era o motorista de um dos três carros usados pelos sequestradores de Celso Daniel na noite do crime. Trancafiado em março de 2002, permaneceu preso até março deste ano, quando deixou a penitenciária graças a um habeas corpus expedido pelo Supremo Tribunal Federal que questionou os oito anos de prisão do acusado sem ser pronunciado. Antes do julgamento, porém, Bispo dos Santos sumiu e foi declarado foragido. O Tribunal de Júri condenou-o a 18 anos de prisão em regime inicial fechado, por homicídio duplamente qualificado – motivo torpe, almejando recompensa, e sem possibilidade de defesa da vítima.

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Cembranelli conseguiu a condenação dando um show diante de um tribunal boquiaberto. Com um vasto repertório de gestos e expressões faciais, o promotor alternava a voz entre momentos tornitruantes e suaves murmúrios ao pé do ouvido dos jurados. Quase celebridade, foi alvo de tietagem explícita. “Sou apaixonada por ele”, disse a estudante Pilar Trevisan, que ostentava como troféu um autógrafo dado a ela pelo promotor na entrada do júri. Cembranelli discursou por uma hora, até o intervalo que o júri fez para o almoço. Comeu um marmitex com arroz, feijão, batata frita, filé de frango e abobrinha picada, o mesmo menu dos jurados que acabariam convencidos da tese que defendeu. Cembranelli sustentou que Celso Daniel havia descoberto que a propina dada por empresários à administração da prefeitura era repassada à diretoria do Partido dos Trabalhadores para financiar caixa 2 de campanha eleitoral. Disse também que parte do dinheiro estava sendo desviada para contas particulares dos envolvidos. Celso Daniel foi morto, segundo o promotor, porque tentou acabar com esse esquema de corrupção. O mandante do crime teria sido Sérgio Gomes da Silva, o “Sombra”, empresário e ex-assessor do prefeito petista que estava com ele no momento do sequestro (leia quadro na página 48).

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CONVOCADO
Cembranelli (ao lado à esq.), no júri que condenou Bispo dos Santos (à dir.)

Sombra é um empreendedor que enriqueceu muito depois de ter se tornado amigo de Celso Daniel nos anos 90. Há indícios fortes de que ele arrecadava propina junto a fornecedores da prefeitura. A polícia, no entanto, nunca conseguiu estabelecer relação entre os casos de corrupção e a cena do crime. Tampouco teve dados para demonstrar qualquer ligação entre Sombra e o bando que sequestrou Celso Daniel. Os criminosos, presos há oito anos, seguem negando que o crime foi encomendado. O inquérito mostrou ainda que Sombra e o prefeito jamais estiveram rompidos, o que seria um dado fundamental, se fosse verdade, para a versão do MP. Amigos de longa data, os dois ainda compareciam juntos a encontros reservados do PT, no início da campanha presidencial. Também não há evidências concretas, conforme a polícia, de que Celso Daniel tivesse descoberto o esquema de corrupção na prefeitura, o que teria levado Sombra a tramar a morte de seu protetor. O MP baseia a tese da “descoberta” em afirmações de familiares de Celso Daniel e no depoimento de um corréu do caso. A Polícia Civil, por seu lado, investigou o caso durante dois meses, ouviu mais de 150 testemunhas, montou um processo com mais de 30 volumes e sete mil páginas – recheadas de laudos técnicos – e obteve a confissão dos criminosos. De acordo com o Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), o grupo de bandidos estava em busca de um empresário e sequestrou Celso Daniel por engano.

O trabalho policial, no entanto, foi sempre contestado pelo MP que, três anos depois do crime, exigiu mais investigações. Foi, então, aberto um novo inquérito com outro delegado responsável que chegou às mesmas conclusões. A família de Celso Daniel, assim como os promotores, jamais se conformou com este resultado. Dois irmãos do prefeito acabaram se auto-exilando do País, alegando medo de morrer. Parte desse medo se explica: sete pessoas envolvidas no crime perderam a vida em situações misteriosas (leia quadro ao lado). Com tantos in­gredientes macabros e interesses políticos nessa história, é fácil entender por que a sombra da suspeita ainda teima em pairar sobre o caso.

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