Autor(es): Gabriel Manzano |
O Estado de S. Paulo - 20/11/2010 |
"Seria uma revolução nos gastos públicos, nos costumes políticos. Criaria uma transparência que jamais existiu, e sem a qual é inútil falar-se em reforma tributária", afirma de Santi, especialista em direito tributário, que coordena o Núcleo de Estudos Fiscais (NEF) da Faculdade de Direito GV. A ideia não é nova. Já estava na lei que criou, em 1993, o Imposto Provisório sobre Movimentação Financeira (IPMF). No fim do debate, acabou sendo retirada. "É incrível que o Estado avance tanto nos controles da vida financeira dos cidadãos e se empenhe tanto em ocultar os movimentos dele", diz o professor. "O Brasil que tem o Ficha Limpa precisa, também, criar o Conta Limpa." A que o sr. atribui esse novo esforço pela volta da CPMF? É para aumentar a receita de novo, e sem precisar dividir com Estados e municípios, já que é contribuição e não imposto. E, pela falta de clareza nos meandros da burocracia, não há como garantir que é para a saúde. Aqui no NEF já temos longa experiência de como é difícil seguir esses caminhos. Quando havia a CPMF, e entravam R$ 40 bilhões a cada ano, eles simplesmente iam tirando o dinheiro normal do Orçamento destinado à saúde. Ela continuou com os mesmos recursos. Por que é tão difícil acompanhar os gastos? Há relatórios, balanços, muitos sites na internet, mas o essencial quase nunca aparece. Lá no fim sabe-se apenas que o dinheiro foi para "material de uso ou consumo", ou "contratação de terceiros", por aí. Num hospital, terá ido para comprar seringas? Reformar salas? Um carro novo para o diretor? Não explicam. O problema central do governo é esse, transparência. O Estado mente. Contra tudo isso o sr. sugere uma CPMF pública. Como seria? Todas as transferências da União para Estados e municípios, ou dos Estados para os municípios e todos os desembolsos teriam de pagar uma taxa. O que importa é o registro dela no sistema bancário. Esse registro, feito pela CPMF no passado, com os contribuintes comuns, salvou o caixa do País. Salvou de que modo? Construiu um raio X de todo o dinheiro se movendo de mão em mão, ou de conta em conta. Ofereceu à Justiça as provas, que são essenciais para um processo contra um sonegador. O sujeito declarava R$ 100 mil, mas via-se que ele gastou R$ 1 milhão. Juntando a CPMF com a obrigação dos bancos de declarar ao Banco Central as movimentações semestrais acima de R$ 6 mil, ficou quase impossível mentir. Não foi à toa que a carga tributária aumentou, em uma década, de 25% para 35% do PIB, coisa nunca vista antes em nenhum outro país. Não será uma ideia difícil demais de executar? Isso já foi feito antes, na criação do IPMF, em 1993. Mas os adversários a derrubaram, dizendo que era inconstitucional a União taxar os outros Poderes. Isso lhes retiraria a autonomia. Criar essa CPMF pública pressupõe, de fato, mexer na Constituição. Mas pergunto, para não mexer o Brasil deve continuar com o caos atual, em que o cidadão jamais pode saber o que fazem com seu dinheiro? Com uma carga tributária de 54%, real, para quem ganha entre 1 e 2 salários mínimos? Quantos sabem que, dos R$ 120 de um Bolsa-Família, o beneficiário devolve R$ 65 em imposto? Sem transparência você não moderniza o Brasil. Por que o governo abriria mão do dinheiro, se o discurso é que ele está faltando? Não iria custar nada. A tecnologia financeira permite, sem dificuldades, criar um sistema que reconduziria o dinheiro cobrado de volta às origens. Não fazem isso porque não querem e porque a cidadania ainda não se dispôs a exigir. Acho que o Brasil que está implantando o Ficha Limpa precisa, também, criar o Conta Limpa." |
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