Um surto de dissimulação varre o programa Minha Casa, Minha Vida.
No lançamento, em março de 2009, prometia-se a entrega de 1 milhão de casas até o final de 2010.
Com o tempo, as casas foram sendo convertidas em promessas de papel.
Em vez de moradias prontas, passou-se a falar de número de contratos.
Em 30 de junho, a Caixa Econômica anunciou que o volume de contratos assinados era de 520,9 mil.
Em 26 de agosto, o Ministério das Cidades elevou a conta para 604 mil. Em 10 de setembro, a Caixa alou em 630,9 mil contratos.
No mês seguinte, 15 de outubro, a conta da pasta das Cidades já somava 732 mil.
Neste final de semana, o ministro Márcio Fortes tonificou o número de contratações de moradias para alguma coisa “na faixa de 800 mil unidades”.
Empenhado em continuar ministro, Fortes repisou a meta de 2010: “Perseguimos o objetivo de fechar 1 milhão de residências contratadas”.
Antes, trombeteavam-se os números da Caixa. Agora, o ministro inclui na conta “unidades” supostamente contratadas pelo Banco do Brasil.
Fala também de casas que serão erguidas sobre os alicerces de “ações do próprio Ministério das Cidades”.
Acomoda a coisa toda num mesmo balaio: “Tudo isso faz parte do Minha Casa, Minha Vida.”
Para medir a taxa de embromação que separa os anúncios oficiais daquilo que realmente acontece é preciso responder:
Afinal, quantas chaves foram às mãos de felizardos proprietários? O governo foge da resposta como os sem-teto da chuva.
Em 13 de agosto, as repórteres Andréa Michael e Daniela Lima informaram que a Caixa omitia de suas divulgações propagandísticas os dados desfavoráveis.
A instituição abstinha-se de informar a quantidades de casas efetivamente levantadas. Alegava não dispor do levantamento. Lorota.
Os números existiam, mas só chegavam às mãos dos “parceiros do programa”. No balanço de 30 de junho, manuseado pelas repórteres, anotou-se:
Para a clientela mais pobre, de até três salários mínimos, haviam sido contratadas 240,569 mil casas. Desse total, apenas 1,2% chegara ao telhado.
O número de chaves efetivamente entregues era ainda mais modesto: escasas 565 moradias. Ou 0,23% do contratado.
No dia seguinte, 14 de agosto, inquiriu-se Dilma Rousseff sobre a miudeza dos números. Na resposta, ela preferiu tratar dos contratos, não das casas:
"Estamos dando um show, porque tem mais de 500 mil [unidades] contratadas, quando se dizia que não conseguiríamos 200 mil".
Quanto ao esconde-esconde das informações que tratam das casas prontas, Dilma escorregou:
"Aí você pergunta para a Caixa. Não tenho a menor condição de responder. Se não mostrou, está errado...”
“...A Caixa tem um dos melhores desempenhos dos últimos anos em matéria de habitação".
Pelo cronograma oficial, depois de contratada, a casa demora entre um e dois anos para ficar pronta.
Significa dizer que, cumprida a meta de 1 milhão de contratos, as últimas casas prometidas por Lula seriam entregues em 2012, segundo ano da gestão Dilma.
Na propaganda eleitoral de 2010, Dilma adicionou ao já prometido um segundo andar de promessas. Disse que vai entregar mais 2 milhões de unidades. Falou de casas, não de contratos.
Considerando-se o déficit habitacional do Brasil (5,6 milhões de moradias, numa conta de 2008), o flagelo merece o tratamento de prioridade.
Natural que, em fase de campanha, a marquetagem açule os sonhos. Mas a malversação da verdade, quando é muita, costuma resultar em desculpa esfarrapada e frustração.
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