O que não se pode, no entanto, é condenar o chamado horário gratuito, ou porque seria uma mistificação ou porque o público, afinal, não se interessaria pelo espetáculo. Ambas as alegações são superficiais e parecem situar-se cada vez mais na contracorrente dos fatos sabidos - com a ressalva de que toda generalização é arriscada quando se trata de 15 mil candidatos a prefeito e outros 350 mil a vereador, disputando o voto de 130 milhões de eleitores em 5.500 municípios de um país continente. Isto posto, diga-se desde logo que o modelo brasileiro de campanha, dando aos políticos acesso à mídia eletrônica, sob normas concebidas para reduzir a desigualdade de oportunidades eleitorais entre eles, é muito mais democrático do que, por exemplo, o dos Estados Unidos, onde partidos e candidatos dependem dos lobbies do poder econômico para bancar com as suas doações os astronômicos custos da sua propaganda na televisão.
Além disso, no horário eleitoral, os políticos brasileiros já não conseguem engabelar os eleitores como decerto gostariam. A sucessão dessas temporadas bienais, de um lado, e a intimidade dos espectadores com os artifícios da linguagem televisiva, de outro - esta é uma das sociedades mais vidradas em TV que se conhecem -, combinam-se para tornar transparentes a grande número de eleitores os truques cênicos com que os marqueteiros tentam manipulá-los. Nos últimos 20 anos, pois, o brasileiro aprendeu razoavelmente a distinguir o joio do trigo nos shows de caça ao voto. E os caçadores sabem disso. Hoje em dia, em nenhuma outra modalidade de emissão, seja noticiosa, publicitária ou de entretenimento, os respectivos produtores esquadrinham sem cessar e tão de perto - online, a rigor - as reações do público como as equipes dos candidatos a cargos majoritários. À medida que amadurecem, tais respostas reduzem o espaço à pirotecnia e à enganação.
Mesmo nas breves inserções que podem ir ao ar a todo instante - e que se diferenciam dos horários fixos por focalizar antes a imagem com que os candidatos querem ser identificados do que as prioridades de governo pelas quais querem ser votados -, a engenharia da persuasão leva em conta constantemente o juízo do eleitor. Este, por sinal, costuma ficar mais atento do que se supõe ao que lhe é dito e mostrado, principalmente nos primeiros e nos últimos dias do ciclo (reproduzindo as curvas de audiência das novelas). Pesquisas vinculam esse estado de espírito à percepção de que o horário gratuito é a rara circunstância em que os políticos falam diretamente com ele, eleitor, em vez de falar só com outros políticos ou com o pessoal que encontra nas suas incursões eleitorais. Por isso, o período funciona como uma espécie de tira-teima, em que os votantes - no caso, cada vez mais seguros do que esperam de um prefeito - passam a limpo as suas impressões prévias dos candidatos.
Por fim, os efeitos da propaganda no rádio e na TV não dependem estritamente da sua massa de ouvintes e espectadores. Toda comunicação, como se sabe, flui em duas etapas: na primeira, os que a receberam formam a própria opinião a respeito; na segunda, formam, com as suas versões, a opinião dos que não foram diretamente alcançados pela mensagem. Com o horário eleitoral não é diferente - e desse modo influi poderosamente na definição do voto popular.
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