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quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

DVD

Pérolas para muitos



O diretor Luiz Fernando Carvalho, que remontou a minissérie Os Maias, diz ter a missão de reeducar o olhar do espectador

CLÉBER EDUARDO

Selmy Yassuda/ÉPOCA

Remontada para sua versão em DVD, a minissérie Os Maias, baseada na obra Eça de Queiroz, é o primeiro directors-cut brasileiro. Seu primoroso acúmulo de elementos narrativos, que o mantém em clímax permanente, é uma aposta arriscada e bem-sucedida. Em entrevista a ÉPOCA, o diretor Luiz Fernando Carvalho, conhecido pelo perfeccionismo e pelas pretensões artísticas (expressas tanto no filme Lavoura Arcaica como na novela Esperança), fala sobre seu projeto de reeducação do olhar.

ÉPOCA - Havia em Os Maias trechos de A Relíquia e A Capital, de Eça de Queiroz, que foram retirados do DVD.
Luiz Fernando Carvalho - Tínhamos de alcançar os 44 capítulos, quantidade necessária para uma minissérie. A solução coerente e respeitosa da autora, Maria Adelaide Amaral, foi adicionar personagens de outros livros. Na tentativa de encontrar uma unidade na forma final, me desequilibrei com o ziguezague de tons. Entendia a história como uma tragédia romântica e os personagens dos outros livros como farsescos, daí minha dificuldade em estabelecer um tom único.

ÉPOCA - Os Maias é um romance que fustiga a escola romântica, mas, na minissérie, a encenação opta pelo tom e pela estética romântica. Por quê?
Carvalho - Eça aponta uma saída para os romances relambidos da época e então propõe um veio mais realista. Mas, ao que parece, em grande parte do romance, termina vencido em seu projeto de fundar tal literatura. É ainda uma obra de enorme densidade romântica. E me interessou trilhar esse caminho da contradição entre o real e o sonhado. Optei pelo ponto de vista dos românticos. Talvez por não saber, mesmo nos dias de hoje, se alguém escapa dessa falta de controle sobre os impulsos e as paixões mais primitivas.

ÉPOCA - Como você concilia seu rigor de criação com as exigências de audiência da televisão?
Carvalho - Prefiro continuar acreditando nessa contradição. Ela me impulsiona a buscar na televisão um trabalho capaz de juntar a qualidade de conteúdo e a forma. Meu vínculo só se faz possível quando encontra uma respiração, e não um espetáculo circense. Toda e qualquer indústria nos ensina a subserviência a um único modelo narrativo, uma espécie de estrada traiçoeira da unanimidade, mas os limites cabem a cada um. No meu caso, ao contrário do que possa parecer, busco sempre uma comunicação mais verdadeira com o público. Não tenho fórmulas, não tenho dicas para dar. Meu material é mesmo o improvável. Por mais que lute, tenho a sensação de estar na estaca zero.
''A tecnologia do reality show alcança um nível de qualidade e realização altíssimo. Talvez devesse ser incorporada à teledramaturgia ''
LUIZ FERNANDO CARVALHO, diretor de Os Maias

ÉPOCA - Essa postura não o coloca em um contrafluxo e em isolamento?
Carvalho - O caminho é mesmo solitário para quem pretende que seu trabalho seja expressão de uma verdade. Mas esse não é um limite imposto pela TV, está em tudo o que nos cerca. De minha parte, continuo acreditando que se faz necessário aos artistas e aos especialistas que trabalham em televisão pensar em uma nova missão para a televisão. Essa nova missão estaria, no meu modo de sentir, diretamente ligada à educação, uma reeducação a partir das imagens e dos conteúdos. Todo o meu esforço em programas de diversos formatos será sempre, em primeira instância, o de propor uma ética artística verdadeira para a TV. Minha estética é apenas uma pequena conseqüência disso.

ÉPOCA - A nova geração parece mais apta a mexer com a técnica, mas tem relação menos crítica com a linguagem. Como ficam as câmeras digitais nesse panorama?
Carvalho - A evolução tecnológica andou rápido, mas a linguagem está sem alma. Precisamos atrelar uma coisa à outra. Uma câmera do tamanho de uma caneca pode gerar facilidade de colocá-la em milhares de posições, mas isso não significa que você tenha um olhar; ao contrário, pode estar revelando falta de percepção. O olho é um músculo crítico, que precisa ser constantemente exercitado e educado. As novas câmeras devem nos ajudar, como qualquer outra forma de arte, a discutir a vida, que elas nos ajudem, do primeiro ao último instante, a tocar na vida!

ÉPOCA - O boom dos reality shows pelo mundo é reflexo da repetição das fórmulas dramatúrgicas?
Carvalho - Os reality shows, e aqui não vai nenhum julgamento, são resultado do que as televisões semearam nos últimos anos. Mas é necessário que se diga que, vista isoladamente, desprendida de um conteúdo, a tecnologia ali alcança um nível de qualidade e realização altíssimo. Isso é inegável e talvez até devesse ser incorporada à teledramaturgia. Já o conteúdo, a exploração do circo humano, pouco me interessa. A excitação causada na população nos leva a pensar se tudo não é uma reação a um desgaste das narrativas teletransmitidas. Afinal, a mídia adestrou o espectador a querer o real mesclado à ficção, exigindo não haver tanta diferença entre representação e realidade, e esse hibridismo, essa desconexão do tempo histórico, o reality show propõe como ninguém.





PAIXÃO Fábio Assunção e Ana Paula Arósio vivem o trágico enlace em uma obra sem medo de excessos dramáticos

Revista Época

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