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segunda-feira, 20 de junho de 2011

FHC em oito retratos


I - Quem ele é

Sozinho numa estação de trem da Europa, tendo deixado a presidência da República há poucos meses, Fernando Henrique Cardoso notou que uma mulher, a alguns metros de distância, não tirava os olhos dele. Retribuiu o interesse. Então a mulher, uma brasileira, finalmente se aproximou e disse assim:

- Sei quem é você.

- Sabe mesmo?

- Sei, sim.

- Sabe nada...

- Você é um artista da Globo. Não é?

II - Pisando no tomateiro

FHC era o líder do PMDB no Senado. E a VEJA tinha um acordo com ele: as quintas ou sextas-feiras, despachava um repórter para ouvi-lo em off sobre os temas mais candentes da semana.

A jornalista Cecília Pires cumpriu esse papel ao longo de 1985. Mas quando voltou a procurá-lo em meados de fevereiro do ano seguinte, ela trocara a VEJA pelo Jornal do Brasil. E imaginou que ele soubesse. Sua assessoria sabia.

Ao cabo da conversa, Ana Tavares, a devotada e eficientíssima assessora de imprensa de FHC, telefonou para ele e perguntou:

- E a entrevista?

- Acho que a VEJA vai gostar.

- VEJA??? Você falou para o Jornal do Brasil! - ela respondeu, antevendo o desastre.

O que disse FHC foi manchete de capa do jornal. Sem meias palavras, ele chamou Sarney de fraco e de incompetente. Apontou as principais mazelas do governo. E conclamou o povo a sair às ruas exigindo a antecipação das eleições diretas para presidente da República.

Uma semana depois de publicada a entrevista, o governo lançou o Plano Cruzado, que congelou preços e salários. A popularidade do presidente bateu a casa dos 90% em menos de um mês.

Em todo o país, pessoas saíram às as ruas carregando botons onde estava escrito: "Sou fiscal de Sarney". Ai dos comerciantes que reajustassem seus preços.

Os fiscais mais ousados decretaram o fechamento de supermercados. E foram obedecidos.

“Eu pisei no tomate quando me referi a Sarney como a vanguarda do atraso”, debochou na época o ex-ministro da Justiça, Fernando Lyra. “Mas Fernando Henrique pisou no tomateiro”.

O Cruzado deu errado rapidinho - em menos de um ano.

Manifestantes frustrados com o fracasso do plano apedrejaram no Rio de Janeiro o ônibus com Sarney e sua comitiva. E FHC voltou a espicaçar Sarney.

Perguntei-lhe um ano depois como via a crise - a inflação em alta, o PMDB rebelado contra Sarney, os demais partidos insatisfeitos.

- A crise viajou - retrucou ele.

Sarney estava fora do país em viagem oficial.

III - Do que mais gostava

Convidado em 1992 pelo presidente Itamar Franco para ser ministro das Relações Exteriores, FHC deslumbrou-se com o cargo. Amava as viagens internacionais e a corte que lhe faziam os diplomatas.

Como chanceler tinha direito a ocupar um apartamento dentro do prédio do ministério onde costumava tomar café todas as manhãs enquanto se inteirava do que ocorria no mundo.

Um dia, sua assessora de imprensa, Ana Tavares, que o chamava de FH quando estavam a sós, advertiu-o:

- Você tem que cuidar de São Paulo, receber vereadores em audiências, desse jeito não se elegerá sequer deputado federal.

Era o que pensavam também os amigos mais próximos dele.

Um ano depois, FHC foi promovido a ministro da Fazenda. Acabou se elegendo presidente nas asas do Plano Real, que sucedeu o Plano Cruzado, derrotando a inflação.

“Presidência da República não é meta, é destino”, lembrou-lhe mais de uma vez o senador Antônio Carlos Magalhães (BA).

IV - A perda da cátedra

Um dos primeiros compromissos da campanha presidencial de 1994 obrigou FHC a falar para uma platéia de agricultores rudes e políticos do PSDB de Juazeiro do Norte, Ceará.

O salão alugado pelo partido estava cheio e ele, pouco à vontade.

Entre menções ao alemão Max Weber, um dos pais da Sociologia, e à estabilidade monetária, contou que se opusera à ditadura militar de 64. Por isso fora preso, encapuçado e perdera a cátedra.

Na hora dos cumprimentos, ouviu de um homem atarracado, de voz grave e dono de um forte aperto de mão:

- Esse negócio da cátedra... Não se preocupe com o que aconteceu. Você é homem! É macho! Todo mundo sabe disso. E foi por uma boa causa.

V - O diabinho que mora em Serra

No fim do seu primeiro mandato como presidente da República, FHC não agüentava mais ouvir José Serra criticar Gustavo Franco, diretor do Banco Central, do qual divergia por causa da política de câmbio.

Um dia deu a entender a Serra que demitiria Franco – e Serra, como de hábito, apressou-se a espalhar a notícia.

FHC demitiu o outro Gustavo, Loyola, presidente do Banco Central. E nomeou Franco para o lugar dele.

- Eu era refém de Gustavo Franco – justificou-se FHC mais tarde. “Se o tirasse de lá, precipitaria a desvalorização do real”.

O real foi desvalorizado tão logo FHC tomou posse pela segunda vez.

Sobre Serra, confidenciou a um amigo:

- Se eu fosse mulher e Serra me cantasse, eu daria logo pra ele. Do contrário minha vida viraria um inferno. O problema de Serra não é Serra, é o diabinho que existe dentro dele.

VI - Sucessão pela esquerda

Na noite em que se elegeu presidente da República pela segunda vez novamente derrotando Lula, FHC jantou no Palácio do Alvorada na companhia de amigos.

Por uma vantagem estreita de votos não seria obrigado a disputar o segundo turno. Se disputasse, talvez perdesse.

FHC vaticinou quando a sobremesa começou a ser servida:

- Meu sucessor vai sair da esquerda. Será Covas ou Lula. Covas está doente. Em breve chamarei Lula para uma conversa.

Mário Covas (PSDB) era governador de São Paulo. Sofria de câncer. Morreu em 2001 sem completar o segundo mandato. No ano seguinte, Lula se elegeu pela primeira vez derrotando Serra.

VII - Avalizando Lula

A campanha presidencial de 2002 estava pelo meio quando FHC convidou Lula para uma conversa particular no Palácio do Alvorada. Antes conversara com os outros candidatos.

- O que você acha? – perguntou Lula.

- Acho que você vai ganhar. Mas precisa fazer um gesto para acalmar o mercado financeiro e os investidores internacionais - aconselhou FHC.

Pouco tempo depois, Lula divulgou a Carta aos Brasileiros onde prometia manter os fundamentos da política econômica de FHC.

Em telefonemas para os presidentes dos Estados Unidos, Bill Clinton, do FMI e do Banco Mundial, FHC avalizou a promessa de Lula.

Enquanto isso, Serra fazia campanha como se fosse candidato de oposição.

VIII - O sonho da volta ao poder

Antes de passar a faixa presidencial para Lula, FHC admitiu que só haveria uma hipótese de ser candidato no futuro a um terceiro mandato: se o país fosse atingido por uma grande crise e se tornasse ingovernável. Nesse caso, disputaria a presidência para implantar mais tarde o regime parlamentarista de governo. Não queria ser primeiro-ministro, mas Chefe de Estado.



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