Publicada em 13/02/2011 às 07h52m
Antônio Marinho e Viviane NogueiraRIO - Sempre que enfrenta uma situação de grande estresse, ou quando a sua tensão pré-menstrual está a ponto de levá-la à loucura, a advogada Cláudia Rodrigues, de 32 anos, recorre aos comprimidos ou a gotinhas do calmante tarja preta Rivotril (o clonazepam), o mais famoso e líder da família dos benzodiazepínicos. Para Cláudia, ele é um santo remédio porque "acalma sem derrubar". Ela não é a única. O mercado de clonazepam cresceu, de 2006 a 2010, 41,9% no Brasil, sendo que, para o Rivotril, este índice foi de 8,8%, segundo dados da consultoria IMS Health e do próprio fabricante do fármaco.
O consumo hoje está tão banalizado que se tornou quase um modismo. Três gotinhas e dá para encarar o chefe sem estresse. Uma lasquinha de comprimido e aquela reunião tensa de trabalho flui que é uma beleza. Uma dose um pouco maior e o sono vem fácil.
Difícil é saber se as pessoas estão realmente precisando mais desses tranquilizantes ou se os médicos receitam sem muito critério. A rigor, o clonazepam é indicado para casos mais graves de ansiedade, estresse pós-traumático e síndrome do pânico. Inicialmente, chegou a ser usado como antiepiléptico. Hoje, seu uso se assemelha mais ao de uma poção mágica, capaz de produzir alívio imediato da ansiedade. Qualquer ansiedade. Mas isso é necessariamente condenável ou prejudicial?
Especialistas alertam que, em muitos casos, a sensação de bem-estar com a droga é enganadora, porque os problemas internos continuam sem uma solução.
Cláudia diz que recorre ao remédio eventualmente, mas admite que a sua gaveta tem um lugar especial para ele. No período que ficou sem trabalhar, tinha dias que ela entrava numa "neura total" e chorava ininterruptamente por dias.
- Nessas horas, eu tomava o remédio e funcionava que era uma beleza. O meu marido até conseguia se aproximar de mim sem levar mordidas. Para a TPM foi recomendação da ginecologista, que receitou como tratamento para aliviar a tensão que precede a menstruação. Só que não me agradou ter que usar o remédio todo mês e decidi abrir a gaveta dele apenas quando sinto que corro o risco de parar numa cela ao lado de Fernandinho Beira-Mar - comenta a advogada.
Aliás, o traficante, preso num centro de segurança máxima, também é usuário do calmante porque sofre de insônia. O mesmo motivo que levou Silvia Siqueira, arquiteta, de 35 anos, a tomar:
- Achei péssimo. Tomei e demorou muito tempo para fazer efeito e depois apaguei. Não tive a sensação de ter dormido bem. Você apaga e não acorda bem disposta. E olha que só usei meio comprimido.
Álcool aumenta efeito sedativo
Isso não é raro porque o fármaco pode provocar mais sedação do que redução da ansiedade, diz o psiquiatra Ronaldo Laranjeira, professor de psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo. Ele lembra que o clonazepam pode causar dependência quando usado por mais de seis semanas. É por isso que em países como os EUA há limite nas prescrições.
- O clonazepam é a principal causa de quedas na população acima de 50 anos. Essas pessoas tomam o medicamento no meio da noite, se levantam e acabam caindo. A longo prazo, o fármaco prejudica a memória. Quando associado ao álcool, sua ação é potencializada - alerta Laranjeira.
A gerente Verônica Lima, de 31 anos, só começou a tomar clonazepam por indicação de seu médico, numa fase em que estava muito ansiosa. Ela não conseguia dormir bem e se sentia cansada ao longo do dia.
- Eu tomo em gotas porque acredito que é um pouco mais light e fica mais fácil controlar a dosagem. Agora só faço isso quando realmente estou super ansiosa ou preocupada, e sei que vou acabar não dormindo bem. Ou quando faço alguma viagem longa de avião, porque tenho medo - conta.
Para Laranjeira, esse tipo de comportamento contribui para o aumento de vendas e o abuso no consumo da droga, pois as indicações médicas para receitá-la são poucas.
- O abuso pode estar ocorrendo devido ao descuido dos médicos nas prescrições, ao baixo preço do medicamento (o frasco custa cerca de R$ 10) e, eventualmente, à promoção não ética de farmácias e da indústria farmacêutica - diz.
A falta de cuidado e/ou critério por parte de médicos é um dado real. Luiza Nunes, de 33 anos, usa clonazepam há três anos - quando o início de seu doutorado, o dia-a-dia com a rotina de casa e o trabalho estavam pesados. Ela ficava tão estressada que não conseguia pegar no sono. Então um amigo neurologista receitou a droga.
- Ele disse que o remédio ajudaria a induzir o sono e que era um dos poucos que não causaria dependência. Claro, se eu não fizesse uso em excesso. Hoje só tomo quando estou muito estressada. Sei que não é a medida mais saudável, porém é o que traz resultado rapidamente. E nessa vida de corre-corre ele se torna uma droga licita de extrema necessidade - opina.
Só que o clonazepam é apenas para casos graves, reforça a psiquiatra Ana Cecília Petta Roselli Marques, pesquisadora do Instituto Nacional de Tecnologia e Ciência para Políticas sobre Álcool e Drogas.
- O consumo a médio prazo, de três a seis meses, causa tolerância e o usuário passa a necessitar de dose maior para atingir o efeito inicial, diminuindo a sua capacidade de resolver problemas - alerta.
Droga não traz sensação de paz
Para o psiquiatra Antonio Egidio Nardi, da UFRJ, os calmantes relaxam, mas não trazem sensação de paz. Ele lembra que psicoterapia, ioga, meditação e prática de exercícios também relaxam e reduzem a ansiedade.
- Quando muito, o calmante é um arremedo de conforto - afirma Laranjeira. - Acredito no repertório não farmacológico que inclui ouvir música, fazer exercícios, cultivar as relações amorosas, familiares, trabalho criativo. A busca do paraíso é eterna, mas duvido que o nirvana seja encontrado nas medicações e nas drogas.
O efeito dos benzodiazepínico é semelhante ao do álcool, já que o mecanismo de ação desses fármacos nos neurônios é quimicamente similar ao do etanol. Aliás, a dependência em alcoólatras é alta, comenta a psiquiatra Vera Lemgruber, chefe do Setor de Psiquiatria do Serviço da Santa Casa de Misericórdia no Rio. Ela acredita que o Rivotril em particular faz sucesso porque tem poucos efeitos colaterais, além de sonolência e relaxamento muscular. Além disso, a droga não tem o estigma de antidepressivo. E ainda é barata, em relação a outras da sua classe.
- Clínicos acham mais fácil receitar esse tipo de medicamento do que os antidepressivos, que provocam efeitos colaterais desagradáveis e precisam ser controlados com maior atenção. Hoje a bola da vez entre os benzodiazepínicos é o Rivotril, mas em outras décadas já foram Valium, Lorax, Olcadil, Lexotam e Frontal.
Nem mesmo se livrar do Rivotril por conta própria e de uma hora para outra é fácil.
- A retirada precisa ser feita de forma gradual para evitar crises de abstinência e insônia, sintomas que podem reforçar a impressão de que não se deve deixar de tomar a medicação - diz Vera.
Essa dificuldade para abandonar o fármaco não está apenas associada à sua química, acrescenta a psicanalista Alice Bittencourt, da Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio.
- Livrar-se do Rivotril ou qualquer outro é difícil porque é preciso enfrentar todos os fantasmas que a pessoa não queria encarar quando começou a tomar o medicamento. Afinal o remédio só esconde os problemas, que continuarão lá, esperando para serem solucionados - afirma. - As pessoas não se dão conta que não existem pílulas milagrosas, e que uma hora terão que trabalhar as suas dificuldades internas com especialistas.
Na opinião de Alice, essa busca da sensação de paz faz as pessoas esquecerem da tarja preta e do risco de dependência química e psicológica:
- Conheço gente que não sai de casa sem uma caixinha do remédio. Usam como se fosse uma porção mágica antes de provas, reuniões ou qualquer situação de crise.
A Roche, fabricante do Rivotril ressalta que não faz mais a promoção comercial do fármaco no Brasil e que ele só pode ser comprado com receita retida e controlada pela Anvisa.
oglobo.globo.com
22/1/2011
Profissionais de saúde acham uso 'abusivo'
Consumo de calmantes cresceu 36% nos últimos quatro anos, segundo entidade que audita setor
Levantamento feito pelo IMS Health, instituto que audita a indústria farmacêutica brasileira mostra que, a venda do calmante Clonazepan aumentou 36% nos últimos quatro anos. O remédio responde por 77% das vendas em unidades. É o segundo produto mais vendido, sob prescrição médica, em todo o País. A popularização progressiva do calmante também tem atingido estabelecimentos de Jundiaí. Em uma das farmácias da cidade, cerca de 30 receitas para aquisição das caixas são recebidas por dia.
"Na verdade, este consumo sempre foi abusivo. O controle existe, mas a generalização também. Muitas pessoas que tomam calmantes há muito tempo vão se tornando, naturalmente, dependentes", avalia o farmacêutico Hermes Rogério Romão. Romão ainda acredita que a rotina estressante que permeia a vida da maioria das pessoas nos últimos tempos é um agravante para a crescente demanda. "Quanto mais aumentam a ansiedade e o estresse, maior é a tendência para o uso destes remédios", afirma.
O preço do medicamento tarja preta também é acessível - uma caixa de 30 comprimidos custa de R$ 8 a R$ 10. Para o psiquiatra Mauro Breschi, o aumento no consumo do calmante não se deve à existência de novas doenças. "As angústias continuam, o que muda na vida moderna é o foco do estresse. As doenças psiquiátricas existem como existiam há 50 anos. A questão, hoje, é que muitas pessoas, por qualquer problema, tomam antidepressivos".
Segundo o especialista, a maioria dos usuários de calmante procura dormir melhor ou evitar noites de insônia através da fórmula e, ao procurarem outros médicos, como clínicos gerais, acabam recebendo a receita do medicamento. "Mal não faz, no entanto, este tipo de remédio pode causar dependência de forma rápida. Para quem não tem nenhuma patologia, talvez este efeito não seja interessante", diz Breschi. Além do preço facilitado, propagandas da indústria farmacêutica também contribuem para o consumo mais acentuado.
'Com ação tranquilizante, o calmante só é recomendado a um paciente de psiquiatria após um processo de conhecimento que justifique o tratamento. "Uma tristeza momentânea, do cotidiano, não é um caso para o uso de antidepressivos, por exemplo. Pacientes com alguma patologia devem ser acompanhados e após um sério diagnóstico, o remédio deve ser autorizado", finaliza o psiquiatra.
RAQUEL LOBODA BIONDI
www.portaljj.com.brLisboa
Creche ilegal drogava bebés
Usado calmante para adultos que é proibido para menores
- 05 Fevereiro 2011
A PSP encontrou 12 crianças a dormir profundamente numa creche ilegal a funcionar num andar de um prédio da rua Morais Soares, em Lisboa, havendo fortes suspeitas de que todas as crianças receberam calmantes para adultos para dormirem.
O espaço, que funcionava numa casa habitada por cidadãos brasileiros e que acolhia também bebés filhos de brasileiros, foi encerrado na quinta-feira e o Ministério Público já abriu um inquérito.
A denúncia do uso de calmantes para adultos, que quando utilizados em crianças e bebés podem provocar graves problemas nos rins, partiu do pai de um bebé que estranhou a sonolência. A queixa foi apresentada na terça--feira, depois de uma médica informar um agente da PSP da presença de um pai com a sua filha, "que tudo levava a crer que teria sido sujeita a medicação própria para criar sonolência durante o período de tempo em que esteve na creche".
Efectuadas as análises, confirmou-se a presença do calmante. O pai deslocou-se à creche na quarta-feira para retirar a filha bebé e reparou que cerca de dez crianças dormiam profundamente nesse dia.
Na quinta-feira, a PSP foi ao local com dois inspectores do Serviço de Fiscalização da Segurança Social e dois elementos da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. Estiveram na creche durante três horas e encontraram 12 crianças a dormir profundamente. "O espaço onde as mesmas se encontravam era pequeno e desadequado às circunstâncias, não havendo qualquer licença legal", divulgou a PSP.
Já ontem, após os pais serem notificados, "11 crianças foram observadas por médicos do Instituto de Medicina Legal de Lisboa", confirmou o director da delegação sul do instituto, Jorge Costa Santos. Uma das crianças, segundo a justificação avançada, faltou às análises de sangue por se encontrar doente. O caso encontra-se em "segredo de justiça".
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