[Valid Atom 1.0]

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Now!Digital : A classe C na internet, o Facebook e as garras do preconceito

A classe C foi ao paraíso entre 2008 e 2010. O crescimento econômico do País abriu a possibilidade de acesso a diversos bens cuja demanda estava reprimida: eletrônicos, casa própria, roupas, viagens, carros e até mesmo educação. Sim, é isto: “até mesmo educação”, pois, num País com um dos maiores índices de desistência escolar do mundo, onde a prioridade é trabalhar e levar comida para casa, estudar é um luxo (vejam aqui )

Lembro-me da primeira vez que vi um anúncio das Casas Bahia na TV, há muitos anos, e o choque que aquela linguagem foi para mim. Nunca tinha visto aquela alegria toda na TV, aquele discurso quase gritado e meio bufão.

Descobri rapidamente que não era a única pessoa chocada com a chegada do estilo Largo 13 ao intervalo do horário nobre. A publicidade havia descoberto a classe C, e já não era só o supermercado a fazer propaganda mostrando preço, com estética questionável.

As garras do preconceito

Ao ter acesso a bens de consumo, a classe C passou a ser reconhecida por seu poder de compra, e a ser cortejada por todos os anunciantes. Empresas visionárias criaram ou adaptaram seus produtos para esse grupo. E é aí que o preconceito mostrou suas garras. Um dos credos por trás do atendimento oferecido à classe C é de que tudo deve ser mais simples, para não dizer simplório, e sem cuidado estético. Enganam-se aqueles que pensam isso.

É bem verdade que o grupo CDE sofre de baixa auto-estima. Aliás, recomendo a leitura do livro “A Ralé Brasileira: Quem é e Como Vive”, de Jessé de Souza. O trabalho dele mostra como os pequenos gestos do cotidiano perpetuam as relações desiguais. Se, por um lado, o poder econômico dá acesso, a “violência simbólica” da tese de Jessé torna natural e ainda perpetua a desigualdade. Vou fazer alguns relatos que talvez possam esclarecer o ponto.

Num evento no Jóquei Club de São Paulo, estava à espera do meu carro quando ouvi uma senhora dizendo: “Que horror! Não sei o que o que esse governo fez, mas olhe aquela senhora saindo do carrão importado…Certamente é uma dessas da classe C que financiou o carro em 200 vezes e agora vem aqui”.

No mesmo evento, os próprios manobristas colocavam os carros importados nas vagas mais visíveis para todos, o que é prática comum em restaurantes da cidade. Mas isso evidencia que tanto um lado como o outro mantém “as coisas no seu devido lugar”.

Facebook x Orkut

Se os espaços estão divididos por classes sociais do lado de fora, por que razão isso não aconteceria dentro da Internet, não é? Canso de ouvir: “Nossos clientes não estão no Orkut, estão no Facebook. Imagina!!”, quando pensam em clientes classe A, e o “Orkut é só classe C”. Os números mostram que jovens com menos de 18 anos e classe C predominam no Orkut.

Nas minhas entrevistas de campo tenho visto um movimento bem interessante e sobre o qual vale a pena alertar a você, leitor.

Os representantes da classe C ingressaram no Orkut quando todo mundo que usava redes sociais em 2006-2007 usava o Orkut. Todo mundo é a categoria Grande Maioria a que se refere Kotler, na curva de adoção de produtos. Em 2009, o número de usuários de Facebook era de 1,3 milhão no Brasil, indicando que somente os formadores de opinião estavam lá. Em 2010, pessoas de Classe C de todos os países da América Latina usam Facebook (vejam em aqui ou aqui).

Nos países de língua hispânica, cujos governos dão maior incentivo ao estudo (México e Argentina, por exemplo), há mais pessoas que dominam a própria língua e usam Facebook e Twitter na Classe C. Logo, não é uma questão de dizer se o Orkut pegou ou não ou se o Facebook chegou e fez mais sucesso. Um conjunto de fatores colaborou para a predominância do Facebook entre formadores de opinião e adotantes imediatos, mas temos de convir que domínio da própria língua ajudou muito a retardar o processo no Brasil.

Nas redes sociais

Agora, nossos compatriotas classe C estão aderindo ao Facebook. Lembre-se: desde 2008 o site está em português. Além disso, mudar entre ferramentas têm a ver com custo da mudança e com capital social. Se é melhor comprar roupa de marca ou ter isso ou aquilo, por que razão não seria melhor experimentar o Facebook ? E se um amigo gosta, conta para os outros, outros o seguem.

Minha ex-empregada é minha amiga lá junto com todos os meus colegas publicitários digitais. Nossos compatriotas da classe C estão chegando ao Facebook, Twitter, conhecendo vários destinos turísticos nobres, indo ao shopping center perto da sua casa, usando roupas de marca (não vou entrar no mérito dos produtos pirata).

“Eles” invadiram sua praia. “Eles” estão indo a escolas de tecnologia e aprendendo profissões emergentes. “Eles” buscam educação na qual a mão de obra é escassa. Prepare-se. A você, que ainda acredita em diferença de classes sociais, vai apenas restar fazer cursos na Casa do Saber e afins, ler muito e discutir Schoppenhauer para “manter as coisas nos seus devidos lugares”.


idgnow.uol.com.br



LAST

Sphere: Related Content
26/10/2008 free counters

Nenhum comentário: