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domingo, 12 de outubro de 2008

Como os alimentos influenciam nosso humor




Conhece aquela da food & mood?
Se ainda não ouviu falar desta que é a última tendência no mundo da nutrição lá fora, não fique triste. Logo, logo você entenderá direitinho essa corrente que ensina a tirar proveito dos alimentos para melhorar o humor. Assim não será o último a saber.


por Regina Célia
design e ilustrações Thiago Lyra
fotos: Dercílio


Misturar nutrientes e alegria não é nenhuma piada. Trata-se de um assunto tão sério que já ocupa centros de pesquisas respeitadíssimos ao redor do planeta. Na Grã-Bretanha, por exemplo, há o Food and Mood Institute, ou Instituto da Comida e Humor, na tradução literal, que, por meio de pesquisas de milhões de libras, soma dados e dados a respeito da influência da dieta nos ânimos.

Aqui no Brasil também existem estudiosos investigando essa história. É o caso da neurocientista Patrícia Brocardo, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), que, inclusive, tem trabalhos publicados no periódico científico internacional Neuropharmacology. Não há dúvida sobre a interferência daquilo que comemos nas variações de humor, afirma.

Ingredientes vindos do prato são capazes de modular a fabricação de neurotransmissores. O palavrão ao lado, que não tem nada de divertido, tampouco de saboroso, refere-se a um grupo de substâncias químicas responsáveis pela comunicação das células no nosso cérebro. Para que você se sinta feliz, disposto e tranqüilo, é fundamental que esse grupo desempenhe bem o seu papel e esteja em níveis adequados na massa cinzenta. E são três os principais envolvidos com o alto-astral: serotonina, dopamina e noradrenalina. O professor brasileiro Ivan de Araújo, que trabalha com neurociências na Universidade de Yale, nos Estados Unidos, explica que o primeiro é derivado do triptofano e os dois últimos são produzidos com a ajuda da tirosina. Não fique zangado com todos esses nomes. Leia as próximas linhas com calma para saber aonde quero chegar.

Proteínas para sorrir
Pois bem, o desconhecido triptofano pode estar mais perto do que você imagina. Alimentos como o grão-de-bico, a ervilha e os feijões oferecem boas doses dele. Carnes, peixes, ovos, leite e, ufa!, seus derivados também são fornecedores. Dietas recheadas com essas opções garantem serotonina. O triptofano funciona como os tijolos no processo de montagem molecular do neurotransmissor, compara Araújo. O resultado é uma tendência bioquímica a se sentir feliz. Isso porque a sinalização serotonérgica como os especialistas definem a atuação da substância tem tudo a ver com a regulação do humor. Portanto, se faltam fontes de triptofano no prato, abrem-se brechas para que o dia-a-dia seja cinza, sem a menor graça.

E a tal de tirosina? Ela também é um aminoácido, ou seja, um pedaço de proteína. E é encontrada na turma mencionada acima. Mas sua relação é bem mais estreita com a dupla dopamina e noradrenalina, que controla as suas reações a estímulos de conteúdo emocional enfim, como vai encarar os sorrisos e as caras feias dos outros no cotidiano, por exemplo.


A receita da felicidade vai muito além de proteína. Óbvio. Aliás, você já reparou como são mal-humorados aqueles que fogem de massas, pães, batatas e arroz? Essa pequena lista contém as principais fontes de carboidrato, um injustiçado, que leva a fama de engordativo mas que é fundamental para o funcionamento do cérebro. A pesquisadora Monica Telles, da Universidade Federal de São Paulo, a Unifesp, explica um possível mecanismo por trás da sensação de bem-estar associada ao nutriente: Alimentos ricos em carboidrato promovem aumento nas taxas de insulina. E continua: Essa elevação, por sua vez, está por trás de uma maior captação dos aminoácidos que competem com o triptofano para entrar no cérebro. Assim, com seus rivais derrotados, o triptofano ganha mais espaço na cuca, o que só colabora para a produção e a atividade da boa e velha serotonina. O recado de sempre, não custa repetir, é investir no grupo dos cereais integrais, que de quebra oferecem pitadas extras de cromo, mineral que aparece em estudos como outro aliado da disposição.

Para o dia nascer feliz
Por falar em cereal, quem pesquisa dieta e humor bate na tecla da importância do café-da-manhã. Quando saltamos da cama, bem cedinho, nossa cabeça precisa repor seu estoque de açúcar. O sistema nervoso central consome quantidades relativamente grandes de glicose, afirma o professor Ivan Araújo. A hipoglicemia sinaliza uma ameaça ao funcionamento normal do cérebro, o que gera reações como a ansiedade. Está aí a explicação para aquele tremendo mau humor matinal.

Mas nossa cabeça não consome vorazmente apenas glicose. Ela trabalha sem parar e precisa estar com os estoques de todos os nutrientes bem equilibrados, defende o neurologista Cícero Galli, um expert em nutrição e professor da Unifesp. Galli chama a atenção para o ômega-3 encontrado nos pescados de água fria, como o atum e o salmão.

Diversos trabalhos mostram que essa gordura colabora para a produção de neurotransmissores. Por essa razão, render-se ao sushi, que é a deliciosa mistura de arroz com peixes, sendo muitos deles de mares gélidos, é inundar a mente de bem-estar e, quem sabe, assegurar uma poderosa ação antiinflamatória acredite, ela é valiosa para indiretamente evitar a irritação.

Veja o porquê. Inflamações disparam a produção de citocinas, explica o neurobiólogo Renato Malcher-Lopes, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, a Embrapa. E essas substâncias interferem na liberação de opióides e endocanabinóides, uma dupla por trás de sensações prazerosas.

Complexo da alegria
As doses de vitaminas B também precisam estar em dia para quem não pretende viver ranzinza. Nessa família vitaminada, o maior destaque vai para o ácido fólico, que aparece em vegetais como os brócolis, o cogumelo, o tomate e a rúcula. A neurocientista Patrícia Brocardo, da Ufsc, trabalha especificamente com esse nutriente. Para o meu doutorado, investiguei a atuação dessa vitamina na modulação do humor, conta. Ela ficou animada ao constatar seu poder contra o desânimo. O ácido fólico interage com a serotonina e com a noradrenalina, conta empolgada.

No mesmo clã está a B6, que cada vez mais surpreende os estudiosos por sua atuação no cérebro. Ela é essencial para o aproveitamento dos carboidratos e na condução dos impulsos nervosos. O milho e a banana são ótimas fontes.

Segundo Monica Telles, da Unifesp, outro integrante do complexo B merece destaque: a B12. Sua deficiência está relacionada com a depressão, e estudos mostram que a reposição é capaz de reverter esse quadro, conta. Quem não quer ficar em baixa com o nutriente deve incluir no cardápio ostras e mariscos, além da carne vermelha magra. Aliás, o bife entrega de bandeja o ferro, e assim os glóbulos vermelhos cumprem bem o papel de levar oxigênio a todos os tecidos do organismo, o que de certa maneira contribui para o bom ânimo.

Por favor, não se irrite com a interminável lista de membros do complexo B, mas saiba que ela ainda não acabou. Para finalizar, eu prometo, há a vitamina B1. Chamado de tiamina, o nutriente aparece na carne de porco, no pistache e no caju e é essencial na síntese de neurotransmissores relacionados ao bem-estar, além de participar da conversão de glicose em energia. Quando está em falta, sobra nervosismo.

Minerais do pique
Também não podem ficar de fora do prato aqueles minerais que comprovadamente deixam qualquer ranzinza mais manso. Muita gente não vai levar a sério o que vem a seguir, mas, acredite, beliscar sementes de abóbora é uma forma de combater o mau humor. É que elas são campeãs em magnésio, substância de grande importância para o aproveitamento da energia, que enche as células cerebrais de vigor. E fornecem pitadas de potássio, outro nutriente que contribui para afastar a fadiga. Daí vale a pena livrar-se do preconceito de que essas sementes só servem de alimento para passarinhos.


Se você não é lá muito fã do petisco, saiba que o magnésio aparece aos montes na família das oleaginosas, isto é, em amêndoas, nozes, amendoins e castanhas. Não fosse pouco, essas gostosuras oferecem o cobre. Talvez ele não seja dos minerais mais badalados, entretanto tem funções pra lá de nobres, entre as quais a formação das moléculas de ATP, o combustível celular. Também se une a enzimas responsáveis pelo transporte de ferro. Por essa razão, quando o nutriente está em falta, lá vem a apatia.

Sem brincadeira, as oleaginosas deveriam estar sempre à mão de quem vive aborrecido. Além dos já mencionados magnésio e cobre, elas são campeãs em selênio, especialmente a castanha-do-brasil, que antigamente a gente chamava de castanha-do-pará. Vários estudos demonstram que a deficiência de selênio tende a ser mais comum em pessoas sem a menor alegria, aponta a neurocientista Patrícia Brocardo, da UFSC. A nutricionista Lara Natacci Cunha, especialista em transtornos alimentares, confirma que o selênio auxilia na regulação do humor. Esse mineral tem também uma potente ação antioxidante, arremata.

Cerco contra o estresse
Você pode estar se perguntando agora qual seria a relação entre a ação antioxidante e o comportamento. E lá vem a explicação. Quando estamos muito estressados, nosso organismo fica mais vulnerável ao ataque dos radicais livres, aquelas moléculas que danificam as estruturas celulares e podem desencadear um monte de problemas. Nosso cérebro também acaba à mercê dos malfeitores. Daí pode ocorrer desequilíbrio nos neurotransmissores e, bem, já dá para imaginar quanta confusão. Além de comer as castanhas cheias de selênio, invista em frutas que concentram substâncias que combatem os radicais, esses tipinhos sem a menor graça. E sorria.






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