Introdução
Este trabalho foi realizado no âmbito da disciplina de Língua Portuguesa, tendo como tema “O Roteiro de Lisboa Queirosiana”.
Neste trabalho iremos abordar cinco episódios que se destacam pela sua importância na obra “Os Maias”, são eles: o Jantar no Hotel Central, o Jantar dos Gouvarinhos, os Serões no Ramalhete, as corridas no Hipódromo e o Sarau do Teatro da Trindade. Antes do desenvolvimento de cada um dos episódios, damos um resumo da obra em questão e desenvolvemos os vários tipos de espaço da mesma.
Nos episódios, serão relacionados vários aspectos, como as relações entre as personagens, as vestes e o simbolismo de certos momentos.
Os Maias
A obra de Eça de Queirós (1845-1900) foi publicada em 1888, sendo uma das mais importantes de toda a literatura narrativa portuguesa, destaca-se sobretudo pela linguagem em que está escrita, pela fina ironia com que o autor define os caracteres e pela forma como Eça apresenta as situações.
O subtítulo “Episódios da vida romântica” retrata a sociedade lisboeta do final do século XIX. Essa interligação, entre a acção principal com uma sucessão de acontecimentos de âmbito social, proporciona como uma imagem da sociedade lisboeta. Esta obra é a expressão do desgosto e da decadência nacional, espelho do desânimo da Geração de 70 (1870), transformado no grupo dos "Vencidos da Vida".
É um romance realista e naturalista, onde não faltam o fatalismo, a análise social, as peripécias e a tragédia, que são próprias do enredo passional.
A obra ocupa-se da história de uma família (Maia) contando-nos a história de três gerações, centrando-se depois na última geração e dando relevo aos amores incestuosos de Carlos da Maia e Maria Eduarda. Mas a história é também como que um pretexto para o autor criticar a situação decadente do país, tanto a nível político como cultural e a alta burguesia lisboeta oitocentista, por onde decorre um humor (ora fino, ora satírico) que configura a derrota e a desilusão de todas as personagens.
A obra “Os Maias” tem a sua acção central em Lisboa, na segunda metade do séc.XIX. A acção inicia-se no Outono de 1875, altura em que Afonso da Maia, nobre e rico proprietário, se instala no Ramalhete. O seu único filho – Pedro da Maia – de carácter fraco, resultante de uma educação portuguesa excessivamente religiosa e proteccionista, casa-se, contra a vontade do pai, com a negreira Maria Monforte, de quem tem dois filhos – um menino e uma menina. Mas a esposa acabaria por o abandonar para fugir com um Napolitano, levando consigo a filha – Maria Eduarda – de quem nunca mais se soube o paradeiro. O filho – Carlos da Maia – viria a ser entregue aos cuidados do avô, após o suicídio de Pedro da Maia.
Carlos passa a infância com o avô, que lhe dá uma educação britânica, disciplinada e rigorosa, formando-se depois, em Medicina em Coimbra. Carlos regressa a Lisboa, ao Ramalhete, após a formatura, onde se vai rodear de alguns amigos, como o João da Ega, Alencar, Dâmaso Salcede, Euzébiozinho, o maestro Cruges, entre outros. Seguindo os hábitos dos que o rodeavam, Carlos envolve-se com a Condessa de Gouvarinho, que depois abandona. Um dia fica fascinado ao conhecer Maria Eduarda, que julgava ser mulher do brasileiro Castro Gomes. Carlos seguiu-a algum tempo sem êxito, mas acaba por conseguir uma aproximação quando é chamado por Maria Eduarda para visitar, como médico a governanta – Miss Sarah. Começam então os seus encontros com Maria Eduarda, visto que Castro Gomes estava ausente. Carlos chega mesmo a comprar uma casa onde instala a amada. Castro Gomes descobre o sucedido, através de uma carta enviada por Dâmaso Salcede, e procura Carlos, dizendo que Maria Eduarda não era sua mulher, mas sim sua amante e que, portanto, podia ficar com ela.
Entretanto, chega de Paris um emigrante, Sr. Guimarães, que diz ter conhecido a mãe de Maria Eduarda e que a procura para lhe entregar um cofre desta que, segundo ela lhe disse, continha documentos que identificariam e garantiriam para a filha uma boa herança. Essa mulher era Maria Monforte – a mãe de Maria Eduarda era, portanto, também a mãe de Carlos. Os amantes eram irmãos... Contudo, Carlos não aceita este facto e mantém abertamente, a relação – incestuosa – com a irmã. Afonso da Maia, o velho avô, ao receber a notícia morre de desgosto. Ao tomar conhecimento, Maria Eduarda, agora rica, parte para o estrangeiro, e Carlos para se distrair, viaja pelo mundo.
O romance termina com o regresso de Carlos a Lisboa, passados 10 anos, e o seu reencontro em Portugal com Ega, que lhe diz: - "falhamos a vida, menino!".
Fontes:
http://danielaemarta.no.sapo.pt/
http://portuguesonline2.no.sapo.pt/webqeca.htm
http://www.portoeditora.pt/bdigital/pdf/NTSITE99_Maias.pdf
Espaço
O espaço da magnífica obra “Os Maias” é extremamente rico em detalhes, podemos encontrar três tipos de espaço: o espaço físico, o espaço social e o espaço psicológico.
Espaço Físico
O espaço físico divide-se em espaços exteriores e espaços interiores.
Exteriores
. Em que a maior parte da narrativa se passa em Portugal, mais concretamente em Lisboa e arredores. Em Santa Olávia decorre a infância de Carlos, para onde este foge quando descobre a sua relação incestuosa com a irmã.
. Em Coimbra passam-se os estudos de Carlos e as suas primeiras aventuras amorosas.
. Novamente, em Lisboa decorrem os acontecimentos que levam Afonso da Maia ao exílio; é em Lisboa que sucedem os acontecimentos essenciais da vida do filho de Afonso da Maia, Pedro da Maia; e é também lá que decorre a vida de Carlos que justifica o romance – a sua relação incestuosa com a irmã.
. O estrangeiro, por sua vez, surge como um recurso para resolver problemas. Como no caso de Afonso que se exila em Inglaterra para fugir à intolerância Miguelista; Pedro e Maria Monforte que vão viver em Itália e em Paris devido à recusa deste casamento pelo pai de Pedro. Maria Eduarda que segue para Paris quando descobre a sua relação incestuosa com Carlos e o próprio que resolve a sua vida falhada com a fixação definitiva em Paris.
. Deve referir-se como importante o espaço exterior Sintra, como palco de vários encontros, quer relativos à crónica de costumes, quer à relação amorosa dos protagonistas.
Interiores
Nesta obra, são vários os espaços interiores referidos, portanto, destacamos os que são considerados mais importantes, alguns dos quais abordados de forma mais aprofundada ao longo do trabalho, estando inseridos em espaços sociais.
. No Ramalhete podemos encontrar: o salão de convívio e de lazer, o escritório de Afonso, que tem o aspecto de uma "severa câmara de prelado", o quarto de Carlos, "como um ar de quarto de bailarina", e os jardins.
. A acção vai ter lugar também, na vila Balzac, que reflecte a sensualidade de João da Ega.
. É referido também na obra, o luxuoso consultório de Carlos que revela o seu diletantismo e a predisposição para a sensualidade.
. A Toca é outro espaço interior carregado de simbolismo, que revela amores ilícitos.
. São ainda referidos outros espaços interiores de menor importância como o apartamento de Maria Eduarda, o Teatro da Trindade, a casa dos Condes de Gouvarinho, o Grémio, o Hotel Central os hotéis de Sintra, a redacção d' A Tarde e d' A Corneta do Diabo, etc.
Espaço Social
O espaço social vai comportar os ambientes (jantares, chás, soirés, bailes, espectáculos), onde actuam as personagens que o narrador julgou melhor representarem a sociedade por ele criticada – as classes dirigentes, a alta aristocracia e a burguesia, que melhor transmitiam a sua mensagem. Alguns desses ambientes serão por nós desenvolvidos tendo por base a obra em questão.
Destacamos então, o jantar do Hotel Central, os jantares em casa dos Gouvarinhos, Santa Olávia, a Toca, as corridas do Hipódromo, as reuniões na redacção d' A Tarde, o Sarau Literário no Teatro da Trindade – ambientes fechados de preferência, por razões de elitismo.
O espaço social cumpre um papel puramente crítico, de grande simbolismo.
Espaço Psicológico
O espaço psicológico é constituído pela consciência das personagens e manifesta-se em momentos de maior densidade dramática. É sobretudo Carlos, a personagem central da obra que desvenda os labirintos da sua consciência. Ocupando também Ega, um lugar de relevo, com toda a sua capacidade crítica. Destacamos, como espaço psicológico, o sonho de Carlos no qual evoca a figura de Maria Eduarda; nova evocação dela em Sintra; reflexões de Carlos sobre o parentesco que o liga a Maria Eduarda; visão do Ramalhete e do avô, após o incesto; contemplação de Afonso morto, no jardim.
Já relativamente, a Ega, são de destacar as suas reflexões e inquietações após a descoberta da identidade de Maria Eduarda.
O espaço psicológico vai permitir definir estas personagens, como personagens modeladas.
O seguinte quadro indica alguns aspectos importantes relativamente à Família Maia, à Política e à Estética literária.
Nas próximas páginas serão desenvolvidos cinco episódios da obra de Eça de Queirós “Os Maias”, sendo eles: Jantar no Hotel Central, o Jantar dos Gouvarinhos, os Serões no Ramalhete, as Corridas no Hipódromo e o Sarau no Teatro da Trindade.
Fontes:
http://danielaemarta.no.sapo.pt/espaco.htm http://esbatalha.ccems.pt/romanicas/11ano/apontamentos1_05.pdf
Jantar no Hotel Central
Eça de Queiroz criou este episódio no Hotel Central (capítulo VI), para focar mais um espaço social interior, tal como o Ramalhete. Este espaço social permite ao leitor, delimitar um nível de acção diverso do da intriga, este recolhe elementos preciosos que, mais tarde, lhe permitem resolver as duas questões mais relevantes: saber que ligação existe entre o nível da história e o do enredo, e relacionar a localização rigorosa dos Maias no que diz respeito ao preceito naturalista; ter uma visão clara dos elementos constitutivos da história que permitem integrar Os Maias no estatuto do roman-fleuve (romance-fresco), ligado ao polémico romance de família.
lustração SEQ Ilustração \* ARABIC 2 – Lisboa. Hotel Central - entre o 3º e o último quartel do séc. XIX
Praça dos Romulares
Fotografia, Henrique Nunes, 1877
in Principais Monumentos, Edifícios Públicos e Particulares da Cidade de Lisboa, Lisboa 1877, fot. 7
BN EA. 144 A.
"O jantar do Hotel Central é palco de importantes discussões", "O jantar do Hotel Central contribui de forma extraordinária para o desenvolvimento da trama amorosa"
Fonte: http://purl.pt/93/1/iconografia/primo_basilio/ea144a_fot7.html
Este episódio favorece, de certo modo a obra, pois, Eça dá uma “radiografia” da situação do nosso país naquela altura, podendo assim criticar a situação financeira do país e a mentalidade limitada e retrógrada dos portugueses. Este também expõe alguns problemas discutidos, em jantares das classes mais abastadas e influentes, tais como, a Literatura, a Crítica literária, finanças e a história e política de Portugal, caricaturando, de certa forma, o ponto de vista dessas classes de alta burguesia através do modo diletante como se pronunciam sobre as diversas questões. Eça, com esta reunião com elementos fulcrais da sociedade, retrata uma Lisboa que se esforça para ser civilizada, mas que não resiste e acaba por mostrar a sua falta de cultura. O “verniz” das aparências estala, quando Ega e Alencar, depois de terminarem a sua “lista” de argumentos possíveis, partem para agressão pessoal e física mostrando o tipo de educação das classes altas da sociedade portuguesa, que mesmo tentando parecer digna e requintada, não deixa de ser uma sociedade grosseira e inculta, “Então Ega, que bebera um sobre outro dois cálices de cognac, tornou-se muito provocante, muito pessoal … Cohen e Dâmaso, assustados, agarraram-no. Carlos puxara logo para o vão da janela o Alencar que se debatia, com os olhos chamejantes, a gravata solta. Tinha caído uma cadeira; a correcta sala, com os seus divãs de marroquim, os seus ramos de camélias, tomava um ar de taverna, numa bulha de faias, entre a fumaraça de cigarros.”.
Neste jantar, Ega pretende homenagear o banqueiro Jacob Cohen, o marido de Raquel, a quem Ega estava apaixonado e com a qual mantinha uma relação, “O jantar no Central foi adiado, porque o Ega, alargando pouco a pouco a ideia, convertera-o agora numa festa de cerimónia em honra do Cohen.”.
Este jantar tinha, também, como objectivos apresentar a visão crítica de Eça acerca de literatura e de alguns problemas sociais, históricos, políticos e financeiros do país, proporcionar a Carlos da Maia um primeiro contacto com a visão de Maria Eduarda.
O encontro de Carlos com Maria Eduarda ocorre quando Carlos e Craft, ao entrarem no Hotel, vêem passar à sua frente a desconhecida Maria Eduarda. Ambos se impressionam com aquela visão de uma bela mulher, “Entravam então no peristilo do Hotel Central - e nesse momento um coupé da Companhia … veio estacar à porta … de dentro um rapaz muito magro, de barba muito negra, passou-lhe para os braços uma deliciosa cadelinha escocesa … depois … ofereceu a mão a uma senhora alta, loura, com um meio véu muito apertado e muito escuro que realçava o esplendor da sua carnação ebúrnea. Craft e Carlos afastaram-se, ela passou diante deles, com um passo soberano de deusa, maravilhosamente bem feita, deixando atrás de si como uma claridade, um reflexo de cabelos de ouro, e um aroma no ar.”.
A tendência crítica é o que encontramos no episódio do jantar no Hotel, o primeiro do conjunto do romance, que se tratando de um acontecimento eminentemente mundano, em termos práticos, este jantar serve principalmente para propiciar um primeiro encontro entre Carlos e o meio social lisboeta.
Apesar da posição crítica em que Carlos se situa no episódio, o que interessa é que no jantar no Hotel central estão representados os temas mais dominantes da vida político-cultural lisboeta.
Esses temas são abordados e discutidos por alguns senhores, tais como, João da Ega (promotor da homenagem no jantar e representante do Realismo / Naturalismo); Jacob Cohen (o homenageado, representante das altas Finanças); Tomás de Alencar (o poeta ultra-romântico); Dâmaso Salcete (o novo-rico, simboliza os vícios do novo-riquismo burguês, a catedral dos vícios) e Craft (o britânico, simboliza a cultura artística e britânica, o árbitro das elegâncias).
Durante o jantar, houve diversas controvérsias sobre variados temas, um deles era a literatura, em que Alencar revela ser opositor do Realismo / Naturalismo e defensor da crítica literária da natureza académica, “Esse mundo de fadistas, de faias, parecia a Carlos merecer um estudo, um romance... Isto levou logo a falar-se do Assomoir, de Zola e do realismo: - e o Alencar imediatamente, limpando os bigodes dos pingos de sopa, suplicou que se não discutisse, à hora asseada do jantar, essa literatura latrinaria. Ali todos eram homens de asseio, de sala, hein? Então, que se não mencionasse o excremento! | Pobre Alencar! O naturalismo; esses livros poderosos e vivazes, tirados a milhares de edições…”, é incoerente, pois condena no presente o que defendera no passado em relação ao estudo dos vícios da sociedade, mostra que é um falso moralista, uma vez que se refugia na moral, por não ter outra arma de defesa, considerando o Realismo/ Naturalismo imoral, “O naturalismo, com as suas aluviões de obscenidade, ameaçava corromper o pudor social? Pois bem. Ele, Alencar, seria o paladino da Moral, o gendarme dos bons costumes.”, mostra estar desfasado do seu tempo e é muito preocupado com aspectos formais em detrimento da dimensão temática e com o plágio.
Em contrapartida, Ega defende o Realismo/ Naturalismo, exagera demasiado ao defender o cientismo na literatura e revela ignorância nas diferenças entre Ciência e Literatura. Em relação a Carlos e Craft, estes recusam o ultra-romantismo de Alencar e o exagero de Ega, Carlos considera inadmissíveis os ares científicos do realismo e defende que os caracteres se manifestam pela acção, “…Ega trovejou: justamente o fraco do realismo estava em ser ainda pouco científico, inventar enredos, criar dramas, abandonar-se à fantasia literária! A forma pura da arte naturalista devia ser a monografia, o estudo seco dum tipo, dum vício, duma paixão, tal qual como se se tratasse dum caso patológico, sem pitoresco e sem estilo!... | - Isso é absurdo, dizia Carlos, os caracteres só se podem manifestar pela acção... | – E a obra de arte, acrescentou Craft, vive apenas pela forma... | Alencar interrompeu-os, exclamando que não eram necessárias tantas filosofias…”.
Já Craft, defende a arte como idealização do que melhor há na natureza, “Craft não admitia também o naturalismo, a realidade feia das coisas e da sociedade estatelada nua num livro. A arte era uma idealização!”. No entanto, nesta discussão sobre crítica literária, Eça dá “voz” ao narrador, tendo este, uma posição contra o ultra-romantismo de Alencar e contra a distorção do naturalismo contido nas afirmações de Ega, afirmando uma estética próxima da de Craft, “estilos, tão preciosos e tão dúcteis”, tendência parnadiana.
Um outro tema era relacionado com finanças, de toda a discussão, chega-se à conclusão que o país tinha uma absoluta necessidade dos empréstimos do estrangeiro e que Cohen era um calculista cínico, pois, tendo responsabilidades pelo cargo que exercia, lavava as mãos e afirmava alegremente, que o país ia direitinho para a bancarrota, “O Cohen colocou uma pitada de sal à beira do prato, e respondeu, com autoridade, que o empréstimo tinha de se realizar absolutamente. Os emprestamos em Portugal constituíam hoje uma das fontes de receita, tão regular, tão indispensável, tão sabida como o imposto. A única ocupação mesmo dos ministérios era esta – cobrar o imposto e fazer o empréstimo. E assim se havia de continuar... Carlos não entendia de finanças: mas parecia-lhe que, desse modo, o país ia alegremente e lindamente para a banca-rota. | - Num galopesinho muito seguro e muito a direito, disse o Cohen, sorrindo. Ah, sobre isso, ninguém tem ilusões, meu caro senhor. Nem os próprios ministros da fazenda!... A banca-rota é inevitável: é como quem faz uma soma...” .
A história e a política foram outros temas abordados no jantar, em que João da Ega delira com a bancarrota como fundamental para agitação revolucionária, defende a invasão espanhola e o afastamento violento da Monarquia, “Então Ega protestou com veemência. Como não convinha a ninguém? Ora essa! Era justamente o que convinha a todos! Á banca-rota seguia-se uma revolução, evidentemente. Um país que vive da inscrição, em não lha pagando, agarra no cacete; e procedendo por principio, ou procedendo apenas por vingança – o primeiro cuidado que tem é varrer a monarquia que lhe representa o calote, e com ela o crasso pessoal do constitucionalismo. E passada a crise, Portugal livre da velha divida, da velha gente, dessa colecção grotesca de bestas…”, aplaude a instalação da República e considera a raça portuguesa como sendo a mais covarde e miserável da Europa, “Lisboa é Portugal! Fora de Lisboa não há nada.”, Provocando Sousa Neto, Ega percebe que este nada sabe do socialismo, o tópico de Proudhon. E não é capaz de um diálogo consequente. Contudo, Tomás de Alencar teme a invasão espanhola, diz ser um perigo para a independência nacional, defende o romantismo político, a paz dos povos e esquece o adormecimento geral do país. Já Jacob Cohen diz que há gente séria nas camadas políticas dirigentes e afirma que Ega é um exagerado, “…Cohen, com aquele sorriso indulgente de homem superior que lhe mostrava os bonitos dentes, viu ali apenas «um dos paradoxos do nosso Ega.»…”, e Dâmaso Salcete demonstra ser covarde quando assegura que se acontecesse invasão espanhola, ele «raspava-se» para Paris e que toda a gente fugiria como uma lebre, “Dâmaso … disse, com um ar de bom senso e de finura: | - Se as coisas chegassem a esse ponto, se pusessem assim feias, eu cá, à cautela, ia-me raspando para Paris... | – Meninos, ao primeiro soldado espanhol que apareça à fronteira, o país em massa foge como uma lebre! Vai ser uma debandada única na história!”.
Podemos dizer que a maneira de ser português revelada, através das visões de Carlos, que começa por pensar, a propósito da mouraria, que “esse mundo de fadistas, de faias” merecia um estudo, um romance, e de Craft, que fica indiferente perante a feroz discussão entre Alencar e Ega, a propósito de um verso “o homem da ideia nova”, o paladino do Realismo, “Craft, no entanto, impassível, bebia aos golos a sua chartreuse. Já presenciara, mais vezes, duas literaturas rivais engalfinhando-se, rolando no chão, num latir de injúrias”, discussão essa que quase termina em agressão física, reconhecendo que "a torpeza do Alencar sobre a irmã do outro fazia parte dos costumes de crítica em Portugal", até porque sabia que "a reconciliação não tardaria, ardente e com abraços", provando a grande incoerência existente.
Conclui-se das atitudes dos senhores, anteriormente mencionados, que a falta de cultura e de civismo domina as classes mais distintas, salvo Carlos e Craft
Estes debates calorosos ao jantar são por vezes intervalados pela apresentação dos pratos, à medida que vão sendo oferecidos aos convivas. Eça de Queiroz teve a habilidade de fazer uma espécie de pausa, a quebrar um pouco as discussões em torno de pensamentos e posições políticas. Como por exemplo, quando o Ega anuncia a invasão espanhola, pelas fronteiras portuguesas enfraquecidas, ou o desbarato das colónias de África, a tensão é aliviada pela intervenção do criado, apresentando-lhe a travessa com o poulet aux champignons.
Finalizado o jantar, ao regressar ao Ramalhete, Carlos, naquele intermédio da insónia para o sono, recorda-se do encontro com aquela bela dama, lembrança que se entrelaça com memórias da infância, que Alencar trouxera à lembrança durante a refeição, quase um presságio do que irá posteriormente acontecer, “Uma mulher passava, alta, com uma carnação ebúrnea, bela como uma Deusa, num casaco de veludo branco de Guinava. O Craft dizia ao seu lado très-chic. E ele sorria, no encanto que lhe davam estas imagens, tomando o relevo, a linha ondeante, e a coloração de coisas vivas … Depois tudo se confundia, e era só o Alencar, um Alencar colossal, enchendo todo o céu, tapando o brilho das estrelas com a sua sobrecasaca negra e mal feita … ”.
Neste episódio, em relação à moda, Eça descreve o traje das pessoas com um intento crítico. Como cada personagem simboliza algum estatuto económico, classe social, estereótipo de pessoa ou tem alguma função especial no desenrolar da tragédia, Eça utiliza a sua indumentária como “arma” para criticar aquilo que a personagem simboliza e a sociedade portuguesa no geral.
Em relação a Maria Eduarda, personagem principal, uma mulher rica, elegante e fina, neste episódio, descreve-a como: “uma senhora alta, loura, com um meio véu muito apertado e muito escuro que realçava o esplendor da sua carnação ebúrnea … com um passo soberano de deusa, maravilhosamente bem feita, deixando atrás de si como uma claridade, um reflexo de cabelos de ouro, e um aroma no ar. Trazia um casaco colante de veludo branco de Génova, e um momento sobre as lajes do peristilo brilhou o verniz das suas botinas.”.
Para Craft, uma personagem tipo, Eça utiliza palavras como: “homem baixo, louro, de pele rosada e fresca, e aparência fria. Sob o fraque correcto percebia-se-lhe uma musculatura de atleta … aquele ar imperturbável de gentleman correcto”.
No que respeita a Dâmaso Salcete, outra personagem tipo, Eça caracteriza-o como: “rapaz baixote, gordo, frisado como um noivo de província, de camélia ao peito e plastron azul celeste.”.
Sobre Tomás de Alencar, também uma personagem tipo, Eça descreve-o neste episódio, desta forma: “… um indivíduo muito alto, todo abotoado numa sobrecasaca preta, com uma face escaveirada, olhos encovados, e sob o nariz aquilino, longos, espessos, românticos bigodes grisalhos: já todo calvo na frente, os anéis fofos duma grenha muito seca caíam-lhe inspiradamente sobre a gola: e em toda a sua pessoa havia alguma coisa de antiquado, de artificial e de lúgubre.”.
Em relação a Jacob Cohen, o homenageado do jantar, Eça refere-se a ele como: “um homem baixo, apurado, de olhos bonitos, e suissas tão pretas e luzidias que pareciam ensopadas em verniz, sorria, descalçando as luvas…”.
Fontes:
Sites:
http://www.eusei.com/pessoal/OsMaias.html
http://www.edusurfa.pt/mostra_pdf/?pdf=OsMaias.pdf
http://www.exames.org/apontamentos/index.php?action=download&id=291.
http://www.letras.puc-rio.br/catedra/revista/1Sem_04.html
http://danielaemarta.no.sapo.pt/
http://www.mundocultural.com.br/analise/maias_eca.pdf
http://www.exames.org/apontamentos/Pt/maias-breveabordagem.doc
http://www.citi.pt/cultura/literatura/romance/eca_queiroz/maias.html
http://www.edusurfa.pt/mostra_pdf/?pdf=OsMaias.pdf
http://www.portoeditora.pt/bdigital/pdf/NTSITE99_Maias.pdf
Livros:
Reis, Fernando Egídio, Ramos, Maria Manuela Ventura e Gonçalves, Maria Neves Leal (Lisboa, Abril de 2005, 4ª edição, 4ª tiragem). “Os Maias” de Eça de Queirós – Análise da Obra, pp.74-75. Texto Editores.
Reis, Carlos (Coimbra, 7ª edição). “Introdução à leitura d’Os Maias”, pp.46-81. Almedina.
Cabral, Avelino Soares (1997). O Realismo Eça de Queirós e “Os Maias”, pp.39. Edições Sebenta.
José Tomaz, Ferreira (Abril de 2004, 4ªedição). Eça de Queirós “Os Maias”, pp.60-61. Apontamentos, Publicações Europa-América.
O Jantar em casa dos Gouvarinhos
Capítulo V (o primeiro jantar na casa dos Gouvarinhos)
Na obra “Os Maias”, encontramos dois jantares em casa dos Gouvarinhos, o primeiro situa-se no capítulo V.
Neste capítulo há a caracterização de uma certa camada social e da sociedade portuguesa em geral, principalmente a entrada interessante do Conde Gouvarinho, que é a personificação do político imbecil “O Conde passou os dedos pela testa, com um ar quase angustioso: não se lembrava de nada disso! Queixou-se logo amargamente da sua falta de memória. Uma coisa tão indispensável em quem segue a vida publica, a memória! E ele, desgraçadamente, não possuía nem um átomo”.
Outro jantar em casa dos Gouvarinhos que assume grande destaque situa-se no capítulo XII, sendo este o jantar que vamos analisar de forma aprofundada.
O objectivo deste jantar (capítulo XII) é reunir a alta burguesia e aristocracia, apresentando a ignorância das classes dirigentes que revelam incapacidade de diálogo e manifestam falta de cultura, “Os desconfortos da vida, segundo ele, tinham começado com a libertação dos negros”.
Durante o jantar, Gouvarinho e Sousa Neto discutem. O primeiro, que vai ser ministro, revela imensa ignorância, “posso afirmar que não há hoje colónias nem mais susceptíveis de riqueza, nem mais crentes no progresso, nem mais liberais do que as nossas!”, não compreendendo a ironia de Ega. É retrógrado, tem lapsos de memória, “Agora me lembro… Esta minha desgraçada memoria”, comenta muito desfavoravelmente as mulheres e não acaba nenhum assunto, “O conde sorria com superioridade”.
Sousa Neto desconhece o sociólogo Proudhon, é deputado, não entra nas discussões e acata pacificamente as opiniões alheias. Defende a imitação do estrangeiro, acompanha as conversas sem intervir e defende a literatura de folhetins, de cordel.
O jantar em casa do Conde Gouvarinho permite através das falas e atitudes das personagens, mostrar a degradação dos valores sociais, “Isto é um país desgraçado”, o atraso intelectual do país, “Creio que não há nada de novo em Lisboa, minha senhora, deste a morte do Senhor D. João VI”, a mediocridade mental de algumas figuras da alta burguesia e da aristocracia, principalmente o Conde Gouvarinho e também Sousa Neto, “Durante um momento o Sr. Sousa Neto ficou desorganizado”. Estas personagens emitem duas diferentes opiniões sobre a educação da mulher, a do Conde Gouvarinho, “o lugar da mulher era junto do berço, não na biblioteca…” e a do Sousa Neto, “Uma senhora, sobretudo quando ainda é nova, deve ter algumas prendas”.
Sousa Neto é representante da administração pública e demonstra-se superficial nas suas intervenções. Eça usa Sousa Neto para mostrar como se encontra a cultura dos altos funcionários do estado, “E de repente calou-se, embaraçado, levando a chávena aos lábios”. O exemplo disso é quando Ega percebe que Sousa Neto não sabe nada sobre o socialismo utópico de Proudhon, “Sr. Sousa Neto, sabe o que diz Proudhon? Não me recordo textualmente, mas…”, e que nem é capaz de manter um diálogo decente, “É meu costume, Sr. Ega, não entrar nunca em discussões, e acatar todas as opiniões alheias, mesmo quando elas sejam absurdas”. Sousa Neto ainda manifesta a sua curiosidade e interesse em relação aos países estrangeiros, mostrando o seu aprisionamento cultural confinado ás terras portuguesas.
Moda
Eça faz referência às vestimentas de algumas personagens, tal como mencionámos anteriormente, no jantar do Hotel central, pois, era uma forma de criticar aquilo que personagem simbolizava no enredo.
Em relação aos homens, estes usavam paletós, fatos e botas, “encontrou o Ega no seu quarto, metido num fato de cheviote claro”, “ deu um olhar descontente ao seu jaquetão claro e às botas com mau verniz”, “acabando de abotoar o paletó”. O monóculo era um acessório que fazia parte da rotina dos homens daquela época, “Ega de monóculo no olho”, que também possuíam barba e bigode, “Passou uma escova pelo bigode”, “um cavalheiro alto, grave, com uma barba rala”.
As mulheres eram requintadas, finas e vaidosas, usavam vestidos, jóias, luvas, leques e chapéus, “A condessa vestida de preto, com uma tira de veludo em volta do pescoço, picada de três estrelas de diamantes”, “perguntou ela, abrindo o seu grande leque preto” e “sentada no sofá, de chapéu, tirando as luvas”.
Ega regressou a Lisboa de uma viagem com os Gouvarinhos e queria saber como ia o namoro de Carlos com a Condessa, por isso, transmitiu-lhe o convite para jantarem na segunda-feira na casa dos Gouvarinhos.
Antes de ir para o jantar Carlos teve com a condessa, mas esse encontro não foi muito agradável, devido a beijos frios e recriminações inúteis. A caminho do jantar Ega pergunta a Carlos o que é que significava para ele aquele namoro com a condessa brasileira, mas Ega já tinha ouvido uma versão do Dâmaso que não era muito explícita. Carlos abre-se um pouco com amigo, mas não conta os seus verdadeiros sentimentos em relação à brasileira. No jantar, Carlos, fica com receio de Dâmaso e da condessa Gouvarinho, porque eles tentam esclarecer a relação que Carlos tem com a brasileira, mas ele consegue desviar as suspeitas, que vai originar uma manhã de forçado amor com ela no dia seguinte.
No dia seguinte Carlos vai para casa da condessa brasileira, que se chama Maria Eduarda para conversar com ela, e é ai que Carlos tem a certeza que os sentimentos que ele sente por ela são correspondidos. A conversa é interrompida com a chegada do Sr. Dâmaso, mas Maria Eduarda recusa-se a recebê-lo. Retomou-se a conversa e foi a ai que Maria Eduarda deu a perceber a Carlos que gostava de ter uma casa no campo, com um simples quintal, para que rosa pudesse brincar.
Carlos ficou logo com a ideia de comprar ao Craft as suas colecções, e também aluga-lhe a casa por um ano, e dá conta a Maria desse projecto onde ela iria passar o Verão numa bela quinta dos Olivais. Esta foi uma maneira de Carlos confessar o seu amor e saber que ele é correspondido. É ai que Carlos percebe que aquele amor iria ser definitivo.
No dia seguinte, tudo fica arrumado com o Craft, e é com euforia que Carlos anuncia as boas novas primeiro a Rosa, e a Maria Eduarda depois, afastando a hipótese de ser ela a pagar o aluguer da casa.
De isto tudo, Ega que sempre ouvira as confissões das aventuras de Carlos, não lhe disse uma palavra sobre o assunto, pois percebeu que aquele caso é em tudo diferente dos anteriores.
Os momentos de maior destaque são:
- O grande passo que se deu em frente na relação entre Carlos e Maria Eduarda.
- A intromissão de Dâmaso, cuja a mesquinhez não pressagia nada de bom.
- O plano de vida de Carlos, que se supõe estável ao lado de Maria Eduarda.
- A atitude puramente romântica de Carlos face a Maria Eduarda
Fontes:
Sites:
http://www.eusei.com/pessoal/OsMaias.html
http://www.edusurfa.pt/mostra_pdf/?pdf=OsMaias.pdf
http://www.exames.org/apontamentos/index.php?action=download&id=291.
http://www.letras.puc-rio.br/catedra/revista/1Sem_04.html
http://www.mundocultural.com.br/analise/maias_eca.pdf
http://www.exames.org/apontamentos/Pt/maias-breveabordagem.doc
http://www.citi.pt/cultura/literatura/romance/eca_queiroz/maias.html
http://www.portoeditora.pt/bdigital/pdf/NTSITE99_Maias.pdf
Livros:
Reis, Fernando Egídio, Ramos, Maria Manuela Ventura e Gonçalves, Maria Neves Leal (Lisboa, Abril de 2005, 4ª edição, 4ª tiragem). “Os Maias” de Eça de Queirós – Análise da Obra, pp.74-75. Texto Editores.
Reis, Carlos (Coimbra, 7ª edição). “Introdução à leitura d’Os Maias”, pp.46-81. Almedina.
Cabral, Avelino Soares (1997). O Realismo Eça de Queirós e “Os Maias”, pp.39. Edições Sebenta.
José Tomaz, Ferreira (Abril de 2004, 4ªedição). Eça de Queirós “Os Maias”, pp.60-61. Apontamentos, Publicações Europa-América.
Serões no Ramalhete
Ao longo de todo livro d’Os Maias, podemos presenciar algumas actividades de lazer de famílias abastadas no século XVIII, tais como, corridas de cavalos, idas a teatro, jantares sociais e até serões no Ramalhete, à noite ou depois de almoço, onde senhores, como Afonso Maia, D. Diogo, General Sequeira, Vilaça, Carlos Maia, Marquês, Cruges, conde Steinbroken, o Silveirinha (o Euzebiosinho de Sta. Olavia) e mais tarde juntaram-lhes Craft e João Ega.
Passavam o seu tempo, jogando bilhar, xadrez e às cartas – partidas de whist, “No escritório de Afonso da Maia ainda durava, apesar de ser tarde, a partida de whist … No Ramalhete, depois do almoço…Afonso da Maia e Craft jogavam uma partida de xadrez ao pé da chaminé já sem lume…”, fumando charutos, a sua “consolação de derrotas”, bebendo água casada, punch e chá, tocando piano, fazendo apostas e negócios pequenos, “Os senhores são muito viciosos, vou ver a gente do bilhar, disse Carlos. Deixei o Steinbroken engalfinhado com o marquês, a perder já quatro mil réis. Querem o punch aqui? … Era uma negociação que havia semanas se arrastava entre eles, a respeito duma parelha de éguas…”, discutindo literatura e questões políticas, criticando outros homens e mulheres por suas atitudes e opiniões, “Um asno, um caloteiro! disse o marquês com nojo…”, relembrando episódios e pessoas do passado, “Afonso interessara-se ansiosamente por aquela pneumonia; e agora estava realmente agradecido à Marcelina por ter sido salva por Carlos. Falava dela comovido … Depois falou-se do duelo do Azevedo da Opinião com o Sá Nunes…”.
Eça de Queirós utilizou o Ramalhete como palco dos mais importantes episódios da família Maia, era a residência desta família em Lisboa, situada na Rua de S. Francisco, às janelas verdes. Esta casa liga-se à decadência nacional da época, onde são descritas as salas de convívio e de lazer, o escritório de Afonso que se assemelha a “uma severa câmara de prelado”, o quarto de Carlos que era parecido a um “quarto de bailarina” e o jardim que era repleto de simbolismos.
Durante estes serões no Ramalhete não se faz muita referência ao traje das personagens, mas Eça descreve por vezes os seus vestuários para realçar a crítica ao que a personagem representa na história, como por exemplo, acerca do conde Steinbroken Eça descreve-o como “homem do norte aferrado ao dinheiro, conservava-se correcto, encostado ao taco, sorrindo, sem desmanchar a sua linha britânica, – vestido como um inglês, inglês tradicional destampa, com uma sobrecasaca justa de manga um pouco curta, e largas calças de xadrez sobre sapatões de tacão raso”, ou sobre Euzebiosinho de Sta.Olávia, “afogado numa gravata de viúvo de merino negro e sem colarinho… com as mãos enterradas nos bolsos – tão fúnebre que tudo nele parecia complemento do luto pesado, até o preto do cabelo chato, até o preto das lunetas de fumo”.
Fontes:
Sites:
http://www.eusei.com/pessoal/OsMaias.html
http://www.edusurfa.pt/mostra_pdf/?pdf=OsMaias.pdf
http://www.exames.org/apontamentos/index.php?action=download&id=291.
http://www.letras.puc-rio.br/catedra/revista/1Sem_04.html
http://www.mundocultural.com.br/analise/maias_eca.pdf
http://www.exames.org/apontamentos/Pt/maias-breveabordagem.doc
http://www.citi.pt/cultura/literatura/romance/eca_queiroz/maias.html
http://figaro.fis.uc.pt/queiros/obras/Maias/htmls/Capitulo_05.html
http://figaro.fis.uc.pt/queiros/obras/Maias/htmls/Capitulo_06.html
http://figaro.fis.uc.pt/queiros/obras/Maias/htmls/Capitulo_07.html
http://www.cyberlex.pt/eca/texto/os%20maias,%20cap%C3%ADtulo%20i.doc
http://cataphract.dnsalias.com/maias/Capitulo_17
Livros:
Reis, Fernando Egídio, Ramos, Maria Manuela Ventura e Gonçalves, Maria Neves Leal (Lisboa, Abril de 2005, 4ª edição, 4ª tiragem). “Os Maias” de Eça de Queirós – Análise da Obra, pp.74-75. Texto Editores.
Reis, Carlos (Coimbra, 7ª edição). “Introdução à leitura d’Os Maias”, pp.46-81. Almedina.
Cabral, Avelino Soares (1997). O Realismo Eça de Queirós e “Os Maias”, pp.39. Edições Sebenta.
José Tomaz, Ferreira (Abril de 2004, 4ªedição). Eça de Queirós “Os Maias”, pp.60-61. Apontamentos, Publicações Europa-América.
Corridas no Hipódromo
O episódio das corridas no hipódromo, situa-se no décimo capítulo da obra “Os Maias” sendo mais um dos ambientes a destacar, integra-se na obra como uma sátira à tendência portuguesa de imitar aquilo que se faz nos países estrangeiros e uma caricatura da sociedade burguesa que vive das aparências, uma sociedade provinciana.
Este episódio representa também um novo contacto de Carlos com a alta sociedade lisboeta (incluindo o Rei) e representa o seu olhar crítico sobre essa mesma sociedade. Acaba por ser mais uma tentativa frustrada de igualar Lisboa às capitais europeias, sobretudo a Paris, a capital francesa o que denunciava a mentalidade provinciana do povo português. Apresenta o cosmopolitismo (falso) da sociedade e mostra a desilusão de Carlos que acabara por não encontrar a figura feminina que vira à entrada do Hotel Central (Maria Eduarda).
Essa imitação é sintomaticamente reprovada, por Afonso da Maia, para quem “o verdadeiro patriotismo, talvez (...) seria, em lugar de corridas, fazer uma boa tourada”.
Este episódio tem lugar num domingo à tarde, em que Carlos no seu faetonte com Craft decidem ir ver as corridas que decorrem durante dois dias no Hipódromo em Belém.
Para os lados do Hipódromo, suponha-se um ambiente festivo “...já estalando foguetes”. Era um dia quente, ensolarado com uma massa poeirenta no ar, “Era um dia já quente, azul-ferrete, com um desses rutilantes sóis de festa que inflamam as pedras da rua, douram a poeirada baça do ar, põem fulgores de espelho pelas vidraças, dão a toda a cidade essa branca faiscação de cal, de um vivo monótono e implacável, que na lentidão das horas de Verão cansa a alma, e vagamente entristece.”..
Carlos mostrava-se nervoso e impaciente, “...raspando com o chicote as ancas das éguas...”, “Desde o Ramalhete viera assim governando, irritadamente, sem descerrar os lábios.”, porque estivera toda a semana à espera da resposta de Dâmaso, que ficara de convidar Castro Gomes em nome de Carlos para uma visita aos Olivais, resposta que ainda não lhe tinha chegado, “É que toda aquela semana, desde a tarde em que combinara com o Dâmaso a visita aos Olivais, fora desconsoladora. O Dâmaso tinha desaparecido, sem mandar a resposta dos Castros Gomes. Ele, por orgulho, não procurara o Dâmaso.”
Ansiava assim, por conhecer a Madame Gomes (Maria Eduarda), que nunca mais tornara a ver e duvidava que a fosse encontrar nas corridas, “Os dias tinham passado, vazios; não se realizara o alegre idílio dos Olivais; ainda não conhecia Madame Gomes; não a tornara a ver; não a esperava nas corridas.”..
As pessoas pela rua, vestidas de casimiras e de sedas de missa, alegres apreciando o Domingo de sol, “E aquele domingo de festa, o grande Sol, a gente pelas ruas, vestida de casimiras e de sedas de missa, enchiam-no de melancolia e de mal-estar.”, mulheres às janelas e municipais a cavalo patrulhando as ruas.
O Hipódromo apresentava-se a eles, “...elevava-se suavemente em colina, parecendo, depois da poeirada quente da calçada e das cruas reverberações de cal, mais fresco, mais vasto, com a sua relva já um pouco crestada pelo Sol de Junho, e uma ou outra papoula vermelhejando aqui e além. Uma aragem larga e repousante chegava vagarosamente do rio.”.
A visão caricatural é dada pelo Hipódromo, parecendo um arraial, as pessoas que não sabiam ocupar os seus lugares, as senhoras de vestidos de missa e o buffett que apresentava mau aspecto. Fisicamente o espaço era degradado, com o recinto parecendo uma quintarola, as bancadas improvisadas, cheias de tinta com palanques de arraial. O bufete debaixo da tribuna “sem dobrado, sem um ornato”, onde os empregados apareciam sujos e até a tribuna real se encontrava mal decorada.
As corridas apesar das críticas e da pouca dimensão comparativamente ao estrangeiro, continuavam a ter lugar, o que permitia uma visão panorâmica sobre a alta sociedade lisboeta, o que incluía o próprio Rei, e onde encontramos Carlos e Craft em convívio directo com esse universo social dominado pela monotonia e pelo improviso, “No centro, como perdido no largo espaço verde, negrejava, no brilho do Sol, um magote apertado de gente, com algumas carruagens pelo meio, donde sobressaíam tons claros de sombrinhas (...) Por vezes a brisa lenta agitava no alto dos dois mastros o azul das bandeirolas. Um grande silêncio caía do céu faiscante.”.
Um cenário que deveria ostentar a exuberância e o colorido de um acontecimento mundano como as corridas de cavalos, demonstra, uma imagem provinciana indesmentível. Isto torna-se mais significativo, se pensarmos que no clima humano do Hipódromo predominava uma carência de motivação e vitalidade, “No recinto em declive, entre a tribuna e a pista, havia só homens, a gente do Grémio, das Secretarias e da Casa Havanesa; a maior parte à vontade, com jaquetões claros, e de chapéu-coco; outros mais em estilo, de sobrecasaca e binóculo a tiracolo, pareciam embaraçados e quase arrependidos do seu chique. Falava-se baixo, com passos lentos pela relva, entre leves fumaraças de cigarro. Aqui e além um cavalheiro, parado, de mãos atrás das costas, pasmava languidamente para as senhoras. Ao lado de Carlos dois brasileiros queixavam-se do preço dos bilhetes, achando aquilo uma «sensaboria de rachar”.
As mulheres estavam todas na tribuna, “...as senhoras que vêm no High Life dos jornais, as dos camarotes de S. Carlos, as das terças-feiras dos Gouvarinhos.”, todas elas, a maioria de vestidos de missa, sérios, algumas delas com chapéus emplumados que se começavam a usar, “Aqui e além um desses grandes chapéus emplumados à Gainsborough, que então se começavam a usar...”.
O comportamento da assistência feminina, “que nada fazia de útil” e a sua vida são no seu todo caricaturados. O traje escolhido não era o mais correcto face à ocasião, daí até alguns dos cavalheiros se sentirem embaraçados no seu chique. As senhoras de “vestidos sérios de missa”, acompanhados “..chapéus emplumados” da última moda, que não se adequavam ao evento, muito menos à restante toilette.
Assim, o ambiente que deveria ser requintado, mas ao mesmo tempo ligeiro como compete a um evento desportivo era deturpado, pela falta de gosto e pelo ridículo da situação que se queria requintada sem o ser.
Carlos começou a cumprimentar as senhoras da tribuna, sem ver a Madame Gomes por quem tanto ansiava, nem a condessa de Gouvarinho. Cumprimentou a sua amiga D.Maria de Cunha que o olhava insistentemente, a única que se ousava sentar entre os homens.
É também criticada a falta de à-vontade das senhoras da tribuna que não falavam umas com as outras e que de forma a não obedecerem às regras de etiqueta, como D.Maria da Cunha ao abandonar a tribuna, permaneciam no seu posto mas constrangidas.
Os homens surgem desmotivados “numa pasmaceira tristonha”. A assistência não revelava grande entusiasmo tendo ido somente pelo desejo de aparecerem no “High Life” dos jornais e/ou para mostrar a extravagância do vestuário.
Aparecia depois, El-Rei na tribuna, “...de quinzena de veludo, e chapéu branco.”.
Começava a 1ª corrida, a do 1º prémio dos “Produtos”, e aparecia Alencar, o poeta, “Com um fato novo de cheviote claro que o remoçava, de luvas gris-perle...”.
Alencar considerava aquele acontecimento como muito nobre, “confessou que aquilo tinha realmente um certo ar de elegância, um perfume de corte... Depois, lá em baixo, aquele maravilhoso Tejo... sem falar na importância do apuramento das raças cavalares...”.
Carlos começava a pensar em desistir das corridas e regressar ao Ramalhete, porque não via a mulher que lhe ocupava os pensamentos nem sequer a condessa de Gouvarinho lá estava, “...Começava a invadi-lo uma grande lassitude.”. Continuava a procurar com os olhos, Dâmaso, querendo saber porque razão ainda não lhe tinha dito nada acerca da ida aos Olivais, “O desejo de Carlos agora era achar Dâmaso, saber porque falhara a visita aos Olivais — e depois ir-se embora para o Ramalhete, esconder aquela melancolia que o enevoava, estranha e pueril, misturada de irritabilidade, fazendo-lhe detestar as vozes que lhe falavam, o ratatã da música, até a beleza calma da tarde...”.
Assim, para além das características de conjunto das corridas, verifica-se um desinteresse geral pelo próprio fenómeno desportivo, de tal forma, que “no silêncio que se fez, de lassidão e de desapontamento”, acaba por nem se saber quem ganha uma das corridas.
Nessa altura aparecia Craft que lhe apresentava Clifford, que Carlos conhecera num jantar em Madrid, “...grande sportman de Córdova”, dono de cavalos e amigo de Rei de Espanha, reunia as atenções dos presentes, gerando uma certa desordem que era um sintoma de falta de educação.
Enquanto uns consideravam “Aquela corrida insípida, sem cavalos, sem jóqueis, com meia dúzia de pessoas a bocejar em roda...”, e que em França e em Inglaterra isso sim, eram corridas, outros defendiam o apuramento das raças.
Começava uma desordem perto ao pé da tribuna real, onde um grupo de homens se juntava, e um dos jóqueis protestava face à sua derrota, e acusava que aquilo era uma intrujice, “Por entre o alarido vibravam, furiosamente, os apitos da polícia; senhoras, com as saias apanhadas, fugiam através da pista, procurando espavoridamente as carruagens — e um sopro grosseiro de desordem reles passava sobre o hipódromo, desmanchando a linha postiça de civilização e a atitude forçada de decoro...”, sendo este um dos acontecimentos mais importantes, deixando estas últimas palavras, perceber mais uma vez o contraste existente entre o ser e o parecer e a inadequação da atmosfera mundana e cosmopolita das corridas no universo social português.
O acontecimento reforçava a ideia de alguns, em como “Isto é um país que só suporta hortas e arraiais... Corridas, como muitas outras coisas civilizadas lá de fora, necessitam primeiro gente educada. No fundo todos nós somos fadistas! Do que gostamos é de vinhaça, e viola, e bordoada, e viva lá seu compadre! Aí está o que é!”.
Carlos acabara de ver Gouvarinho, à conversa com D. Maria da Cunha, “Estava com uma toilette inglesa, justa e simples, toda de casimira branca, de um branco de creme, onde as grandes luvas negras à mosqueteira punham um contraste audaz: e o chapéu preto também desaparecia sob as pregas finas de um véu branco, enrolado em volta da cabeça, cobrindo-lhe metade do rosto, com um ar oriental que não ia bem ao seu narizinho curto, ao seu cabelo cor de brasa.”. Atraía as atenções dos homens ao seu redor. Ao vê-lo não disfarçou a alegria, e convidou-o a ir com ela até ao Porto, onde ia visitar o pai que já não via há muito tempo.
Interrompidos por Teles da Gama, aceitaram o convite para entrarem nas apostas. Vendo a condessa rodeada, Carlos afastou-se, mas esta voltou a ir ter com ele insistindo no plano de se encontrarem no Porto, “Em lugar de partir na terça-feira para o Porto — ia na segunda à noite, só com a criada escocesa, sua confidente, num compartimento reservado. Carlos tomava o mesmo comboio. Em Santarém, desciam ambos, muito simplesmente, e iam passar a noite ao hotel. No dia seguinte ela seguia para o Porto, ele recolhia a Lisboa...”, mas Carlos mostrava-se surpreendido pela exuberância daquele encontro.
Aparecia o conde, querendo saber a opinião de Carlos acerca das corridas, que ele considerava como muito animadas, belas toilettes, um toque de luxo, “E bonitas toilettes, certo ar de luxo... Enfim, não envergonhavam. E aí estava provado o que ele sempre dissera, que todos os requintes da civilização se aclimatavam bem em Portugal!...”
Carlos foi então apostar nas corridas, enquanto um grupo de pessoas se mostrava muito entusiasmada, à espera que lhes saísse o melhor cavalo, Rabino. Os números foram dobrados e iam sendo tirados à sorte, enquanto os cavalos iam partindo, “Então todo o rumor de vozes caiu; e no silêncio a bela tarde pareceu alargar-se em redor, mais suave e mais calma. Através do ar sem poeira, sem a vibração dos raios fortes, tudo tomava uma nitidez delicada: defronte da tribuna, na colina, a relva era de um loiro quente: no grupo de carruagens cintilava por vezes o vidro de uma lanterna, o metal de um arreio, ou de pé, sobre uma almofada, destacava em escuro alguma figura de chapéu alto; e pela pista verde, os cavalos corriam, mais pequenos, finalmente recortados na luz. Ao fundo, a cal das casas cobria-se de uma leve aguada cor-de-rosa: e o distante horizonte resplandecia, com dourados de Sol, brilhos de rio vidrado, fundindo-se numa névoa luminosa, onde as colinas, nos seus tons azulados, tinham quase transparência, como feitas de uma substância preciosa...”.
Carlos tirara no poule o número de Vladimiro, e apostara neste, enquanto os outros se aproveitavam daquele ataque de confiança, “Então, em roda, foi uma surpresa; e todo o mundo quis apostar, aproveitar-se daquela fantasia de homem rico, que sustentava um potro verde, de três quartos de sangue, a que o próprio Darque chamava pileca.”, Carlos começava a divertir-se.
A corrida ia disputada, Rabino tinha ficado para trás, e a corrida ia acesa entre Minhoto e Vladimiro. Tudo se precipitava para ver a corrida, na ânsia de ainda ganharem as suas apostas. Enquanto uns se mostravam desiludidos outros, estavam cada vez mais ansiosos por saber quem iria ganhar.
Ganhava assim Vladimiro, e à volta de Carlos era um sentimento de desilusão, enquanto este ficava bem alegre, “Então em volta de Carlos foi uma desconsolação, um longo murmúrio de lassidão. Todos perdiam; ele apanhava a poule, ganhava as apostas, empolgava tudo. Que sorte! Que chance! Um adido italiano, tesoureiro da poule, empalideceu ao separar-se do lenço cheio de prata: e de todos os lados mãozinhas calçadas de gris-perle, ou de castanho, atiravam-lhe com um ar amuado as apostas perdidas, chuva de placas que ele recolhia, rindo, no chapéu.”, “A gente, agora, ia dispersando pela colina. As senhoras tinham retomado a imobilidade melancólica, no fundo das caleches, de mãos no regaço. Aqui e além um dog-cart, mal arranjado, dava um trote curto pela relva. Numa vitória estavam as duas espanholas do Eusebiozinho, a Concha e a Cármen, de sombrinhas escarlates. E sujeitos, de mãos atrás das costas, pasmavam para um char-à-bancs a quatro atrelado à Daumont, onde, entre uma família triste, uma ama de lenço de lavradeira dava de mamar a uma criança cheia de rendas. Dois garotos esganiçados passeavam bilhas de água fresca.”. Essa vitória era um indício de uma futura desgraça.
Carlos voltava a tentar encontrar Dâmaso, o ofuscado do “chique a valer”, quando por mero acaso choca com este, “(...) afogueado, flamante, na sua famosa sobrecasaca branca.”, que lhe confessa ter estado com uma mulher, muito bonita por sinal.
Ao perguntar-lhe pela ida aos Olivais e se tinha feito o convite a Castro Gomes, Carlos fica a saber que este vai embarcar para o Brasil, deixando a Madame Gomes, a viver durante três meses, no prédio de Cruges, “Ia partir para o Brasil. Já partira mesmo, na quarta-feira. A coisa mais extraordinária... Ele chega lá, para fazer o convite, e Sua Excelência declara-lhe que sente muito, mas que parte no dia seguinte para o Rio... E já de mala feita, já alugada uma casa para a mulher ficar aqui à espera três meses, já a passagem no bolso. Tudo de repente, feito de sábado para segunda-feira... Telhudo, aquele Castro Gomes.”.
Mal Dâmaso lhe dissera isto, Carlos pensara logo em ir visitá-la passando por lá, nessa tarde, “E imediatamente veio-lhe a tentação pueril de ir lá, logo nessa mesma tarde, nesse instante, gozar como amigo do Cruges o direito de subir a escada dela, parar diante da porta dela — e surpreender uma voz, um som de piano, um rumor qualquer da sua vida.”.
A condessa de Gouvarinho observava-o, e ele aproximou-se dela, embora contrariado, ele mostrava-se hesitante em aceitar o seu convite, ela insistia e tentava argumentar de forma a que ele percebesse que não haveria qualquer perigo. Ele acabou por ceder, perante os encantos daquela mulher, respondendo-lhe que sim, “Terminou por a olhar de certo modo; e, como se o desejo se lhe acendesse enfim de repente à curta chama que faiscava nas pupilas dela, negras, húmidas, ávidas, prometendo mil coisas, disse, um pouco pálido: — Pois bem, perfeitamente... Amanhã à noite, na estação.”.
Carlos depois de muito procurar Craft encontrou-o no bufete, disse que tinha de ir embora, que não o podia levar, este que arranjasse quem o levasse, assim ele fez, “Eu tenho de ir ainda a Lisboa — disse-lhe ele — e vou no faetonte. Abandono-o torpemente. Você vá para o Ramalhete como puder...”.
Daí a pouco, estava na Rua de S.Francisco, onde ela estava, no prédio de Cruges, “Ia numa perturbação deliciosa e singular, com aquela certeza de que ela estava só na casa do Cruges: o último olhar que ela lhe dera parecia ir adiante dele, chamando-o: e um despertar tumultuoso de esperanças sem nome atirava-lhe a alma para o azul.”.
Ficou a olhar, hesitante, inquietado, de forma ingénua, ansiando vê-la.
Decidiu subir e ir visitar o seu amigo maestro, Cruges, mas não sabia como explicar aquela visita invulgar, por isso voltou para trás, “Foi subindo devagar até ao andar do Cruges. E mal sabia o que havia de dizer ao maestro para explicar aquela visita estranha, deslocada... Foi um alívio quando a criadita lhe veio dizer que o menino Vitorino tinha saído.”.
Regressou ao Ramalhete, tendo encontrado Craft à entrada, cheio de pó que lhe contou que durante o Prémio de Consolação, Vargas já um pouco bêbedo, tinha esmurrado um dos empregados, “No Prémio de Consolação, um dos cavaleiros tinha caído, quase ao pé da meta, sem se magoar: e, por último, já à partida, o Vargas, que ia na sua terceira garrafa de champanhe, esmurrara um criado de bufete, com ferocidade.”, ao que Carlos se riu.
Conclui-se deste episódio que houve um fracasso total nos objectivos a que se propunha a corrida, em comparação com outras cidades no estrangeiro. Por este episódio temos uma ideia do atraso da sociedade lisboeta na época e a sua falta de civismo, em que a 1ª corrida acabara numa cena de pancadaria e a 3ª e 4ª corridas tinham também terminado de forma grotesca.
Fontes:
Sites:
http://www.eusei.com/pessoal/OsMaias.html
http://www.edusurfa.pt/mostra_pdf/?pdf=OsMaias.pdf
http://www.exames.org/apontamentos/index.php?action=download&id=291.
http://www.letras.puc-rio.br/catedra/revista/1Sem_04.html
http://www.mundocultural.com.br/analise/maias_eca.pdf
http://www.exames.org/apontamentos/Pt/maias-breveabordagem.doc
http://www.citi.pt/cultura/literatura/romance/eca_queiroz/maias.html
http://www.portoeditora.pt/bdigital/pdf/NTSITE99_Maias.pdf
Livros:
Reis, Fernando Egídio, Ramos, Maria Manuela Ventura e Gonçalves, Maria Neves Leal (Lisboa, Abril de 2005, 4ª edição, 4ª tiragem). “Os Maias” de Eça de Queirós – Análise da Obra, pp.74-75. Texto Editores.
Reis, Carlos (Coimbra, 7ª edição). “Introdução à leitura d’Os Maias”, pp.46-81. Almedina.
Cabral, Avelino Soares (1997). O Realismo Eça de Queirós e “Os Maias”, pp.39. Edições Sebenta.
José Tomaz, Ferreira (Abril de 2004, 4ªedição). Eça de Queirós “Os Maias”, pp.60-61. Apontamentos, Publicações Europa-América.
O Sarau do Teatro da Trindade
O episódio consta no capítulo VXI e caracteriza-se pela superficialidade dos temas das conversas, a insensibilidade artística, a ignorância dos dirigentes, a oratória oca dos políticos e os excessos do Ultra-Romantismo.
Este episódio tinha como objectivos, ajudar as vítimas das inundações do Ribatejo; apresentar um tema querido da sociedade lisboeta: a oratória; reunir novamente as várias camadas das classes mais destacadas, incluindo a família real; criticar o ultra-romantismo que absorvia o público e contrastar a festa com a tragédia.
Pararam à porta do Teatro da Trindade no momento em que de um coche saía um sujeito. Passou junto dos dois amigos sem os ver, mas Ega reconheceu-o. Carlos lembrou-lhe que era o tio do Dâmaso.
Ega e Carlos chegaram ao antessalão, quando ouvem um vozeirão, é Rufino. Carlos ficou junto com Teles da Gama, que não passara da porta.
No Teatro, cerravam-se “filas de cabeças, embebidas, enlevadas, atulhando os bancos de palhinha até junto ao tablado onde dominavam os chapéus de senhoras picados por manchas claras de plumas ou flores”.
No palco, Rufino, um bacharel transmontano, muito trigueiro, de pêra, alargava os braços, celebrava um anjo, “o Anjo da Esmola que ele entrevira, além no azul, batendo as asas de cetim…” Ega não compreendia muito bem, e questionou sobre que raio estava ele a falar, ao que um padre lhe respondera ser tudo sobre a caridade e sobre o progresso! Nota-se que o público alto-burguês e aristocrata que assistia ao sarau é pouco culto, exaltando a oratória de Rufino que faz um discurso banal recorrendo a lugares-comuns, oco e com pouco conteúdo, “exaltando uma princesa que dera seiscentos mil réis para os inundados do Ribatejo e ia, a benefício deles, organizar um bazar na Tapada”, recorrendo ainda a artificiosismos barrocos e ultra-românticos de pouca originalidade, mas no final as reacções são calorosas, demonstrando a falta de sensibilidade do povo português. “Rufino, no entanto, com as mãos descaídas, confessava uma fragilidade da sua alma! […] Um largo frémito de emoção passou. Vozes sufocadas de gozo mal podiam murmurar: «Muito bem, muito bem…» ”.
Acabara.
De repente, um leque que escorregara da galeria, arrancando em baixo um berro a uma senhora, criou uma curta emoção, uma inquietação na sala. E Rufino, sorrindo, com o lenço na mão, prosseguia.
Mas Ega não aturou mais e foi ter com Carlos.
Mas ambos se viraram, sentindo por trás alguém ciciar discretamente: “Bonsoir, messieurs…” Era Streinbroken. Relativamente a Rufino, perguntou a Ega se era esse o grande orador de que lhe tinha falado… Ega afirmou que era um dos maiores oradores da Europa! Streinbroken alçou as sobrancelhas com admiração.
Rufino procedia com as suas palavras. O Ega, que ria, divertido, sentiu ao lado um som rouco de cólera. Era o Alencar. Travou do braço do Ega. Disse-lhe que vinha procurá-lo para o apresentar a Guimarães, o tio do Dâmaso, afirmando que era um assunto muito sério.
À porta do botequim, Alencar apresentou Ega ao veterano da Democracia.
Ega e Guimarães sentaram-se. Começaram a referir uma carta que Dâmaso tinha escrito, e Guimarães acusou Ega de ter sido este a forçar Dâmaso a escrevê-la.
A dita carta estava no jornal “Futuro”. Guimarães deitou-lhe os olhos e ficou fora de si e, por isso, escrevera a Dâmaso, dizendo que leu a declaração e que, se no dia seguinte não fizesse um desmentido, se ia arrepender. Dâmaso respondeu que a carta tinha sido escrita por Ega e que era incapaz de tal desacato à sua querida família.
Como resposta, Ega argumenta em sua defesa, ridicularizando as palavras de Dâmaso. Guimarães pareceu convencido com os argumentos de Ega.
Novamente o sarau continuou, desta vez com Cruges, amigo de Joaninha Vilar. Cruges tocava piano e vários comentários pouco animadores e sarcásticos foram surgindo. Muitos abandonaram a sala, tirando algumas senhoras e idosos. Cruges ressalta a falta de sensibilidade perante a sua arte musical, o país não sabe escutar a sua música. Tocou Beethoven e representa aqueles poucos que se distinguiam em Portugal pelo verdadeiro amor à arte e que, tocando a Sonata Patética, surgiu como alvo de risos mal disfarçados. “- É de Beethoven, sr.ª D. Maria da Cunha, a «Sonata Patética». Uma das Pedrosas não percebera bem o nome da sonata. E a marquesa de Soutal […] disse que era a «Sonata Pateta» ”.
Ega e Guimarães voltam a dialogar. Este último reforça a ideia de que o sobrinho é um imbecil, ao mesmo tempo que fala um pouco dos seus episódios em França e algumas ironias sociais.
Durante o intervalo do sarau, encontram-se com o Conde e Condessa de Gouvarinho. O Conde fala da sua estadia na Câmara e a Condessa recorda alguns momentos do passado vividos com Carlos. Para arejar as ideias, Carlos e Ega dirigem-se novamente ao botequim. No caminho cruzam-se com Eusebiozinho e, se não fosse a intervenção de Ega, Carlos apertava-lhe as goelas devido a rivalidades passadas.
Acabara o intervalo e Alencar aparecera no estrado com o discurso “A Democracia”, inspirado numa mulher com um filho nos braços sem alimento. Falou de sentimentos misturados com ideais sociais mais justos. Aplaudido por Ega e o resto da sala, lembrou os ideais da República e da Pomba Branca como símbolo da Democracia e da Liberdade, numa sociedade, segundo ele, de união entre estes ideais e a fé em Deus. N’Os Maias, Alencar representa a Poesia Ultra-Romântica mascarada de lirismo piegas e de conotações sociais, o desfasamento entre a realidade e o discurso e a exploração do público seduzido por excessos estéticos estereotipados. “Pomba da Fraternidade,/ Que estendendo as brancas asas/ Por sobre os humanos lodos,/ Envolve os seus filhos todos/ Na mesma santa Igualdade!…”.
Por fim, ignorando a profunda cólera do Gouvarinho, Ega e Cruges saborearam, como se fosse Primavera, o encanto estranho daquela noite de Inverno sem estrelas e desceram calmamente a Rua Nova da Trindade.
Fontes:
Sites:
http://www.eusei.com/pessoal/OsMaias.html
http://www.edusurfa.pt/mostra_pdf/?pdf=OsMaias.pdf
http://www.exames.org/apontamentos/index.php?action=download&id=291.
http://www.letras.puc-rio.br/catedra/revista/1Sem_04.html
http://www.mundocultural.com.br/analise/maias_eca.pdf
http://www.exames.org/apontamentos/Pt/maias-breveabordagem.doc
http://www.citi.pt/cultura/literatura/romance/eca_queiroz/maias.html
http://www.portoeditora.pt/bdigital/pdf/NTSITE99_Maias.pdf
Livros:
Reis, Fernando Egídio, Ramos, Maria Manuela Ventura e Gonçalves, Maria Neves Leal (Lisboa, Abril de 2005, 4ª edição, 4ª tiragem). “Os Maias” de Eça de Queirós – Análise da Obra, pp.74-75. Texto Editores.
Reis, Carlos (Coimbra, 7ª edição). “Introdução à leitura d’Os Maias”, pp.46-81. Almedina.
Cabral, Avelino Soares (1997). O Realismo Eça de Queirós e “Os Maias”, pp.39. Edições Sebenta.
José Tomaz, Ferreira (Abril de 2004, 4ªedição). Eça de Queirós “Os Maias”, pp.60-61. Apontamentos, Publicações Europa-América.
Conclusão
Após a realização deste trabalho, concluímos que a obra “Os Maias” é rica em simbolismos, como pudemos observar em cada um dos episódios que estudámos e apresentámos neste trabalho.
Os espaços sociais tratados comportavam ambientes, como os jantares, os serões, as corridas e os saraus, onde se relacionavam diversas personagens que Eça de Queirós considerou que melhor representavam a sociedade por ele criticada, podendo passar através das mesmas diversas mensagens.
Por último, as imagens apresentadas de diversos espaços queirosianos, permitem para além de evidenciar os contrastes entre séculos, levar a nossa imaginação a “voar” até à história com que Eça de Queirós marcou a literatura portuguesa, o amor incestuoso de Carlos da Maia e de Maria Eduarda.
Este trabalho exigiu da nossa parte grande dedicação que se mostrou proporcional ao prazer que nos deu a tentativa de nos inserirmos na época, o prazer de observar o mundo do séc.XIX, a conquista de cada um dos espaços que abordámos, o glamour e o brilho com que Eça “pintou” a sua história.
Bibliografia
Internet
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¿ http://www.citi.pt/cultura/literatura/romance/eca_queiroz/maias.html
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¿ http://bnd.bn.pt/ed/eca_queiros/iconografia/os_maias/j3001_2_1876_n1352_fic.html
¿ http://www.portoeditora.pt/bdigital/pdf/NTSITE99_Maias.pdf
¿ http://www.eusei.com/pessoal/OsMaias.html
Livros
¨ Reis, Fernando Egídio, Ramos, Maria Manuela Ventura e Gonçalves, Maria Neves Leal (Lisboa, Abril de 2005, 4ª edição, 4ª tiragem). “Os Maias” de Eça de Queirós – Análise da Obra, pp.74-77. Texto Editores.
¨ Reis, Carlos (Coimbra, 7ª edição). “Introdução à leitura d’Os Maias”, pp.46-81. Almedina.
¨ Cabral, Avelino Soares (1997). O Realismo Eça de Queirós e “Os Maias”, pp.39-44. Edições Sebenta.
¨ José Tomaz, Ferreira (Abril de 2004, 4ªedição). Eça de Queirós “Os Maias”, pp.60-61. Apontamentos, Publicações Europa-América.
¨ Queirós, Eça (Março de 1993). Romances Completos de EÇA DE QUEIRÓZ, Os Maias, Círculo de Leitores.
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