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terça-feira, 22 de abril de 2008


foi trasladado para Lisboa. O centenário de seu nascimento foi comemorado com a edição de toda sua obra na publicação Centenário de Eça de Queirós.

PROPOSIÇÃO

É responsabilidade da geração atual, manter a geração emergente informada dos valores da literatura do passado, principalmente quando se trata de um autor como Eça, que arrebanhava leitores de carteirinha, nos dois lados do Atlântico.
Dar a conhecer e fazer amar um estilo, onde o humor e a finura serviam para aprimorar os critérios da grande massa. Acostumá-la à sutileza dos argumentos, aguçando a mente e saneando os costumes; dar-lhe o hábito de julgar e separar o joio do trigo.

METODOLOGIA

O presente trabalho é uma pesquisa qualitativa do tipo bibliográfica.
Foram consultadas as principais obras existentes sobre o tema.

RESULTADOS

Arrematado truísmo acaciano seria afirmar ter sido Eça de Queirós escritor de linguagem escorreita, narrador admirável, com alto senso de psicologia, penetração arguta e sobretudo ironista impenitente, tendo olhos especiais que captam com fidelidade o flanco ridículo e grotesco das pessoas. Ourives da palavra, burilador do período, o que torna todos os seus textos autênticas jóias do mais fino lavor artístico que o leitor jamais se fatiga de contemplar. A fácil deglutição, suave digestibilidade de seus textos são de tal teor que nunca saciam o apetite de seus leitores, que demandavam cada vez mais o trabalho de sua lavra. Mas o escritor jamais se precipitou; só expunha suas preciosas gemas depois de cuidadosamente facetadas, polidas, esmerilhadas. Não raras vezes recolheu seus lavores para úteis remanejos nos seus contornos, tal como aconteceu com O Primo Basílio, o Padre Amaro e O Conde de Abranhos. Seu gosto artístico era portador de constante ânsia de perfeição; daí ser sua obra sempre tão realista, tão bela, tão compreensível, expressiva e acima de tudo, tão aliciante.
Tudo isso já se tornou lugar-comum, e, como foi dito, conceitos pacheco-acacianos.
Apreciemos a obra.

1. Primo Basílio

O Primo Basílio, (QUEIRÓS, s/d), focaliza um adultério lisboeta.
Dá a Eça a oportunidade de criar seu mais famoso tipo, o Conselheiro Acácio, tão conhecido que mereceu ser perpetuado no Dicionário da Língua Portuguesa. O verbete acaciano significa ridiculamente sentencioso pelo tom convencional e vazio de sentido e/ou pela aparatosa gravidade das maneiras lembrando o Conselheiro Acácio, personagem eciano do romance O Primo Basílio.
O Conselheiro Acácio, provavel-mente inspirado em algum figurão da época, não escapa a nenhum ridículo, inclusive o concubinato com a governante que o trai com o caixeiro. Quanto a ele, se esquiva da apaixonada D. Felicidade afirmando: - "É inútil, minha senhora, as neves que na fronte se acumulam, terminam por cair no coração." (QUEIRÓS, s/d).
Introduz também a imortal Juliana, quarteira da esposa adúltera. Descobre a culpa, favorece-a, documenta-se e chantageia a patroa. Eça não a inventou; ela é a encarnação da serpente que enganou Eva no paraíso. Torturou a pobre Luísa e morreu vítima de sua própria trama.


2. Crime do Padre Amaro

É a vedete da obra eciana, marco literário da instalação do realismo em Portugal. O romance O Crime do Padre Amaro, (QUEIRÓS, s/d), é eminentemente emocional e diríamos também freudiano se na época existissem Freud e freudiano. A intriga se desenvolve entre salas, salões, cozinhas, alcovas e sacristias num roçagar de saias e batinas, para terminar num grosso dramalhão de final de ópera italiana.
Desencadeou onda de surpresa, crítica e aplausos pelo inusitado do enredo publicado na Revista Ocidental. O autor agride a corrupção reinante mas não é contra o clero pois não poupa elogios ao abade Ferrão que na Ricoça ameniza a agonia de Amélia. Abordando o celibato clerical, Eça escandalizou a sociedade ou ajudou a alertar as elites eclesiásticas para o problema que teve apogeu na reforma de Lutero e agora tem razoável solução. Eça foi acusado de plágio, da obra de Zola, La Faute de l'Abbé Mouret, sem razão, pois o presbítero português apareceu em público, muito antes que o clérigo francês. Portanto a imputação peca por falta de ordem cronológica e também pela ausência de semelhança nos enredos. O escritor brasileiro Bernardo Guimarães, muito antes dos europeus, no seu romance O Seminarista explorou o mesmo enredo. Então porque não acusar ambos de imitadores de nosso escritor?

3. Conde de Abranhos

Nessa obra surge o Conde, na biografia feita por seu antigo secretário, Z. Zagallo. Este, querendo engrandecê-lo, ingenuamente leva a sério as tiradas do personagem; cria um clima hilariante pelo absurdo das situações de um cretino bem sucedido.
O romance nasceu na França, produto do conhecimento que o autor adquiriu na vida político-administrativa do seu país. O verniz da sebenta mal disfarça a casca grossa que o reveste. Como Ministro das Colônias confunde a localização de Angola e advertido, escapa pela tangente: - "O que interessa não é a localização e sim o bem-estar e a prosperidade do seu povo." Foi aplaudido com entusiasmo.
Aparece também nesse livro o Gama Torres "com sua longa testa de entradas altas cheias de idéias avaramente escondidas." (QUEIRÓS, s/d).
O Conde, Acácio e Pacheco são os tipos mais burlescos da obra eciana.
A segunda edição do Conde de Abranhos é póstuma e quase custou a destruição do monumento dedicado a Eça. A população enfurecida pelas zombarias endereçadas à elite governamental, quase destruiu o monumento. Obra do escultor Teixeira Lopes, é um busto de Eça segurando uma mulher nua, velada por fino e transparente estofo e no pedestal a legenda que serviu de intróito à Relíquia: "Sobre a nudez forte da verdade, o manto diáfano da fantasia."

4. A Relíquia

Constitui uma narrativa humorística e com viva ironia, extraída de A Morte de Jesus, (QUEIRÓS, s/d), e elocubrada quando de sua viagem ao Oriente. O personagem Teodorico Raposo, afilhado carnal do pároco de Évora, excede qualquer competidor em luxúria, relações pecaminosas, refocilagem, gula e dissimulação.
A Titi, rica, solteirona irremissível em todas as implicações do seu estado, cria, educa e doutora o sobrinho, produto do pecado de sua falecida, desventurada e desavergonhada irmã.
Teodorico é um hipócrita que equilibra como pode seus baixos instintos, para que a Titi o faça seu herdeiro. Por ordem dela faz uma romaria à Terra Santa, apesar de sonhar com Paris e


bataclãs, para auferir indulgências e benesses.Ao voltar, por desastrado equívoco, troca a relíquia da Titi, um fac símile da coroa de Cristo, por uma camisola impregnada de pecado ganha como souvenir de uma meretriz no Cairo.
Perde, além da confiança da Titi, a cobiçada herança.
É expulso pela tia. No final redimese tornando-se honesto, não por dignidade mas por velhacaria. Eça tira grande partido dessas situações.

5. Outros Tipos de Eça

Outro tipo inesquecível nos obsequia Eça na Correspondência de Fradique Mendes, (QUEIRÓS, s/d), pseudônimo que, pela segunda vez adota e faz a apresentação de seu Pacheco, fátuo, ambicioso, vaidoso, legítimo parente de seus irmãos materiais: o Conselheiro Acácio e o Conde. Já em A Cidade e as Serras (idem), nos apresenta a Jacinto de Tormes, festejado e admirado, e em O Mandarim, (idem), temos o pequeno burocrata Teo-doro. Juntamente com seu progenitor vul-neraram o acesso à imortalidade de onde jamais sairão.
Em Carta aos Estudantes do Brasil, (QUEIRÓS, s/d), Eça fala de um derrame de Legiões de Honra pelo Presidente da República Francesa. Uma das pessoas atingidas foi a famosa atriz dramática Sarah Bernardt. O Fígaro, barbeiro indiscreto e bisbilhoteiro, não se convenceu inteiramente do mérito da distinção e abriu em suas colunas espaço para que os agraciados justificassem a razão da prenda.
Sarah, sem o menor constrangimento, espalhou em negrito e letra de forma, suas justificativas: Ninguém mais do que ela mereceu a distinção. No Canadá um cortejo de trenós levando os três poderes a escoltaram de Quebec a Otawa. Na Austrália foi um delírio de pessoas que decidiram aprender e adotar o francês em suas conversações, e por aí vai a dramá-tica navegando tranqüilamente num mar de cabotinismo e megalomania. Porém o que embasbacou o missivista, foi o que ela disse ter acontecido no Rio de Janeiro. Os estudantes, na porta do hotel, desatrelaram as cavalgaduras e disputaram a sabre e espada, o privilégio de ocupar os varais e tiras da carruagem da divina Sarah.
O missivista não traga a assertiva da comediante mas se reporta a Kant com a Crítica da Razão Pura, objetivismo e subjetivismo. Não vale por si só a existência de um fato, basta entretanto, a crença na sua existência. Assim, mesmo que Jesus Cristo não tenha existido, a simples crença na sua existência, firma a mesma, logo, existiu porque se crê nele.Assim, pois, embora não creia ele, o missivista, que os estudantes do Brasil se hajam transformado em animais de tração, a verdade é que o mundo intelectual da Europa crê nisso, portanto, atuais estudantes brasileiros, futuros doutores, viraram burros de carroça e correm o risco de qualquer intérprete de Fedra ou Margherite Gautier, chegando ao Rio, chegue ao patamar do hotel e grite ao porteiro: - "Estou pronta. Pode atrelar os estudantes."
Mas não se agastem os acadêmicos de além-mar, porque neste andar, quando a divina intérprete voltar aos Estados Unidos, de lá retornará dizendo que todas as manhãs, em Washington lhe proporcionaram um passeio a cavalo, no lombo do Presidente.

DISCUSSÃO

Basílio é um mau elemento. Vaidoso, insensível, moralmente deformado, procura extrair da situação todas as vantagens, sem se comprometer. Explora a futilidade de sua parceira e não se comove com a trágica conseqüência de sua pecaminosa aventura.


Juliana Couceiro por falta de habilidade em se fazer útil e querida, curte a rejeição em seu próprio meio; fica amarga e vingativa; odeia quem é feliz. Tortura a pobre Luísa e acaba vítima de sua própria trama.
Conselheiro Acácio. É o mais requintado retrato do imbecil. Tornou-se tão famoso por suas tiradas que mereceu um verbete no dicionário.
O Conde de Abranhos descreve algum político famoso, possivelmente inimigo do autor, um prodígio de cretinice bem sucedida. É digno de encarnar a expressão triunfo do idiota, cunhada pelo dramaturgo Nelson Rodrigues.
Teodorico Raposo, na Relíquia, é a hipocrisia em cena.
Titi é a beata característica de Eça.
Jacinto de Tormes é o Príncipe da Grã-Ventura. Em A Cidade e as Serras, Eça extirpou a ironia amarga de seu estilo e nos presenteia com uma pintura da felicidade paradisíaca. O nome do personagem se tornou tão conhecido que um famoso cronista social escolheu Jacinto de Tormes para seu pseudônimo literário.
O personagem foi inspirado por Eduardo Prado, escritor paulista, amigo de Eça, exilado na Europa.
Teodoro em O Mandarim, termina convencido que um sofrimento infligido hoje, agora, tem muito mais força que a ameaça dos tormentos do inferno, no outro mundo.

CONCLUSÃO

Pois bem, este despretensioso estudo não comporta maiores incursões nesta selva selvagia que é a obra literária de José Maria de Eça de Queirós. Aqui a encerramos. Note-se, entretanto, que o autor teve os maiores detratores entre seus contemporâneos; manejando sempre as armas da ironia, semeou admiração com uma das mãos, enquanto o ódio manava da outra.
Escreveu também Vida de Santo Onofre e Vida de São Cristóvão, O Suave Milagre e muitos outros contos, para enlevo de certa classe de ledores despreveni-dos de que tais composições encerrem a mesma mensagem contida nas mais viperinas de suas sátiras.
Mas por esse tempo Eça havia aprimorado sua verve e a tornado mais sutil.
Imputam-lhe a condição de deletério, sem considerar que deletéria era a época em que viveu, quando, por tal modo se dissolviam os costumes, que o carinhoso apelido de Alfacinha, dado ao lisboeta chegou a ter o significado de proxeneta. O escritor corrompeu uma sociedade ou apenas alertou as elites descrevendo os fenômenos de uma sociedade dissoluta? Induziu o clero a se perverter, ou apenas advertiu as autoridades eclesiásticas para a prática constante do grande pecado canônico da intolerância?
Fácil confusão nas relações entre causa e efeito, mas a verdade é que a advertência ecoou com proveito nos Conselhos Religiosos dos dias que correm.
E com que proveito!!
Não nos animou propósito de defender ou justificar o autor, mas a imputação que se possa assacar contra sua obra, seria a inatualidade por carência das causas, nos tempos hodiernos e abundância das mesmas, ao tempo em que ela foi engendrada. Mas hoje os tempos mudaram, e a leitura de Eça "sugere-nos esta observação paradoxal: com o passar dos anos o livro ganhou atualidade. Os tempos e os homens parecem querer encarregar-se de transformar em realidade flagrante o que não passava de exagero burlesco." (LELLO & IRMÃO, s/d).
Ele mesmo, escrevendo em seguida ao Conde d'Abranhos a Catástrofe, (QUEIRÓS, s/d), revelou uma visão profética ou, um sonho premonitório, antevendo que sua pátria, cozinhada longamente


no caldo de sua própria corrupção, desídia e inércia gestou demoradamente a longa ditadura salazarista que viria colocar Portugal à margem do desenvolvimento cultural, social e econômico, transformando em um país de hoteleiros, garçons e cicerones o que outrora, no tempo da Escola de Sagres quando o povo português deslumbrou a humanidade com seus ousados conquistadores e marinheiros, realizou proezas "mais do que permitia a força humana." (CAMÕES, 1980).
"por mares nunca dantes navegados."(idem).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

01 BELLO, José Maria. Retrato de Eça de Queirós. 2ª edição. Volume 73. São Paulo : Ed Nacional. 1977.
02 CAVALCANTI, Paulo. Eça de Queirós, agitador no Brasil. São Paulo : Ed. Nacional. 1966.
03 DA CAL, Ernesto Guerra. Língua e Estilo de Eça de Queirós. Rio de Janeiro : Ed. da Universidade de São Paulo. 1969.
04 FARO, Arnaldo. Eça e o Brasil. Volume 358. São Paulo : Ed. Nacional. 1977.
05 MOISÉS, Massaud. A Literatura Portuguesa Através de Textos. 25ª edição, revista e aumentada. São Paulo : Ed. Cultrix. 1997.
06 MOISÉS, Massaud. A Literatura Portuguesa. 27ª edição, revista e aumentada. São Paulo : Ed. Cultrix. 1992.
07 MOOG, Vianna. Eça de Queirós e o Século XIX. 6ª edição. Rio de Janeiro : Ed. Nova Fronteira. 1977.
08 QUEIRÓS, Eça de. Obra Completa. Organizada em 1925 por seu filho e homônimo. Volumes I, II e III. Porto. Portugal : Lello & Irmão Editores. [1925]

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