Globo investe um caminhão de dinheiro
para adaptar o romance Os Maias,
de Eça de Queiroz
Marcelo Marthe
Ana Paula e Betti: dose extra de melodrama para seduzir o público
Um folhetim que fala de decadência moral e incesto abre a temporada de estréias da Rede Globo em 2001. No ar a partir desta terça-feira, às 22 horas, a série Os Maias traz Ana Paula Arosio e Fábio Assunção na pele de dois irmãos que vivem um trágico caso de amor na Portugal do século XIX. Adaptado do romance homônimo de Eça de Queiroz (1845-1900), o programa reproduz em minúcias o ambiente aristocrático descrito pelo mestre realista português. Nunca se viu tanto esmero em uma produção de época da emissora carioca. Em parceria com a rede lusitana SIC, da qual é acionista, a Globo enviou a Portugal uma equipe de setenta pessoas, além de um enorme aparato de produção. Só de figurinos, levou 3 toneladas. Durante seis semanas, entre outubro e novembro do ano passado, foram filmadas cenas em palácios e nas ruas de várias localidades. Na cidade medieval de Óbidos, gravou-se uma procissão com 250 figurantes e, em Lisboa, uma seqüência de tourada teve a participação de 1.000 pessoas. Umonado de 1788 foi alugado e teve sua fachada restaurada para ser o Ramalhete, a célebre mansão da família Maia. Nas próximas semanas, haverá uma segunda rodada de gravações na Europa. No Rio de Janeiro, a emissora gastou 1 milhão de reais em aluguel de mobília antiga, para recriar os interiores dos salões lusitanos em estúdio. O orçamento total bate na casa dos 11 milhões de reais.
Lançado em 1888, Os Maias é considerado a pedra angular na obra de Eça de Queiroz, um dos maiores escritores de seu país, que soube como ninguém aliar a crítica social a uma ironia cortante, muitas vezes próxima do sarcasmo. O romance está para a literatura portuguesa assim como o clássico Dom Casmurro, de Machado de Assis, para a brasileira (veja quadro). A idéia de transformá-lo numa série é antiga, e sua estréia é a chance de a Globo redimir-se do fiasco de audiência da insossa Aquarela do Brasil. O sucesso de O Primo Basílio, doze anos atrás, demonstrou que os livros do autor, com suas tramas repletas de intrigas e descrições ricas, são um prato cheio para adaptações. "O Eça é o nosso diretor de arte. Tudo está no livro", afirma o diretor da série, Luiz Fernando Carvalho. As "receitas" do autor foram seguidas desde os penteados até as tapeçarias.
Foto: Assunção, com Selton Mello: externas em Portugal
Tanto a produção quanto o elenco de 52 atores tiveram de assistir a palestras com especialistas na obra de Eça. A autora da adaptação, Maria Adelaide Amaral, tomou várias liberdades para tornar a trama mais palatável ao espectador. Entre outras providências, acentuou os elementos melodramáticos do enredo, por crer que essa é a chave para seduzir o público. Por exemplo: a paixão de Carlos da Maia (Assunção) e Maria Eduarda (Ana Paula), às costas do marido dela (Paulo Betti), ganhou cores ainda mais fortes. Além disso, a autora enxertou na série vários personagens de outros livros de Eça. Para criar um núcleo cômico pastelão, colocou em cena Teodorico (Matheus Nachtergaele), o malandro que posa de beato para enganar a tia em A Relíquia. Também surge Artur Corvelo (Rodrigo Penna), de A Capital. Essas liberdades despertaram a desconfiança dos estudiosos da obra do escritor, conhecidos como "queirozianos". "Já existe humor bastante em Os Maias, ainda que seja um humor sutil", critica a professora de literatura Isabel Pires de Lima, da Universidade do Porto, uma das palestrantes contratadas pela Globo. "Nós, queirozianos, estamos reticentes, pois achamos que os personagens extras eram desnecessários." Mas há argumentos a favor de Maria Adelaide. Numa adaptação da obra para teatro, Eça em pessoa modificou inúmeros detalhes de Os Maias. Além disso, à moda do francês Balzac, ele chegou a projetar uma série romanesca chamada Cenas da Vida Portuguesa, em que personagens de um livro migrariam para outro. "Não inventei nada, mas sei que não escaparei da fogueira dos fundamentalistas", conforma-se Maria Adelaide.
O português bom de tela
Reprodução/Álbum das Glórias
Eça: melhor sorte que Machado nas versões televisivas
Num texto de 1878, Machado de Assis registrou suas diferenças em relação a Eça de Queiroz. Inquietava ao brasileiro "o realismo sem condescendência" de seu colega português. Esse realismo teria duas faces: o despudor no tratamento dos "ardores físicos" e o acúmulo de descrições. Machado assustava-se com o erotismo de certas passagens, enojava-se com personagens que cuspiam e reclamava do detalhismo de Eça na criação de cenários. Embora ainda estivesse a três anos de publicar Memórias Póstumas de Brás Cubas, primeiro livro de sua fase áurea, Machado já indicava suas preferências: o ambíguo, em vez do explícito, e o psicológico, no lugar do físico.
Essas preferências ajudam a entender por que, nas telas, Machado tem ficado atrás de Eça. Nos últimos anos, diretores brasileiros descobriram o português. Em 1988, a Rede Globo fez uma ótima série a partir de O Primo Basílio. Há três anos, foi a vez de Helvécio Ratton inspirar-se em Alves e Cia. para filmar o divertido Amor e Cia. Machado teve menos sorte. Por suas qualidades cômicas, a novela O Alienista até que rendeu adaptações curiosas, como a da Globo de 1993. Mas nenhuma de suas obras-primas, como Brás Cubas ou Dom Casmurro, teve o que merecia. O cineasta Júlio Bressane filmou o primeiro em 1985. Procurou traduzir a ironia de Machado em termos cinematográficos, mas não deu certo. "Eça é linear e visual, e tem uma veia cômica acentuada", diz o crítico português Carlos Reis. "Machado é mais preso à linguagem literária." A crítica Beatriz Berrini concorda. "Livros como Os Maias parecem trazer embutidas marcações para a filmagem", diz ela.
Fonte: Veja Online
domingo, 17 de fevereiro de 2008
Luxo fora de série, Os Maias
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