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sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Blogueiro terá de se retratar por declaração racista. Uma vitória histórica do grande jornalista Heraldo Pereira




Heraldo Pereira na bancada do Jornal Nacional: o triunfo da "maioria dos homens de bem"
Heraldo Pereira na bancada do Jornal Nacional: o triunfo da "maioria dos homens de bem"
Existe alguma interpretação positiva ou alguma leitura virtuosa para a expressão “negro de alma branca”? Acho que não! Em outro post, que chamarei de “Novas considerações sobre o racismo”, exporei em detalhes como se manifesta a discriminação racial dos supostamente bem-pensantes, que se querem “progressistas” e monopolistas da virtude. Mas fica para daqui a pouco.
Pois bem. O senhor Paulo Henrique Amorim, em seu blog, recorreu àquela expressão asquerosa para definir Heraldo Pereira, repórter, comentarista político e integrante da bancada do Jornal Nacional, da Rede Globo. Não foi a única agressão de que o jornalista foi vítima. Segundo aquele senhor, Pereira seria “empregado de Gilmar Mendes” e faria apenas “bico na Globo”. Mais ainda: comentando a intervenção de um dos mais destacados profissionais da emissora nas comemorações dos 30 anos do Jornal Nacional, escreveu que ele “não conseguiu revelar nenhum atributo para fazer tanto sucesso, além de ser negro e de origem humilde.” É pouco? Ao criticar uma entrevista que o jornalista conduziu com Mendes, mandou ver: “Pereira se agacha, se ajoelha para entrevistar Ele.”
Pois é… Não restava mesmo outro caminho que não o Judiciário. Havia dois processos, um na área criminal, ainda em curso — com denúncia feita pelo Ministério Público Federal e já aceita pela Justiça, por crime de injúria racial e racismo —, e outro na área cível, que tem agora um desfecho. Amorim terá de pagar uma indenização de R$ 30 mil a uma instituição de caridade indicada por Pereira, será obrigado a retirar do seu blog todos os ataques feitos ao jornalista e se obriga a publicar em sua página e nos jornais Folha de S.Paulo e Correio Braziliense a seguinte retratação:
“Retratação de Paulo Henrique Amorim, concernente à ação 2010.01.1.043464-9:
Que reconhece Heraldo Pereira como jornalista de mérito e ético; que Heraldo Pereira nunca foi empregado de Gilmar Mendes; que, apesar de convidado pelo Supremo Tribunal Federal, Heraldo Pereira não aceitou participar do Conselho Estratégico da TV Justiça; que, como repórter, Heraldo Pereira não é nem nunca foi submisso a quaisquer autoridades; que Heraldo Pereira não faz bico na Globo, mas é funcionário de destaque da Rede Globo; que a expressão ‘negro de alma branca’ foi dita num momento de infelicidade, do qual se retrata, e não quis ofender a moral do jornalista Heraldo Pereira ou atingir a conotação de racismo.”
Só para que vocês tenham uma idéia de como se deram as coisas, em sua defesa, referindo-se à expressão “negro de alma branca”, o réu Amorim chegou a afirmar (transcrevo literalmente):
“Com efeito, consistindo o racismo na crença de determinado grupo de pessoas de ser superior a outro, recriminando os indivíduos com base em características físicas, tais como a cor, forçoso concluir que a matéria em discussão não se enquadra no conceito racista, não possui cunho pejorativo e não menosprezou quem quer que seja, como pretendido pelo contestado, pelo contrário, enalteceu o jornalista Heraldo Pereira que, atualmente assume posição de destaque no jornalismo da Rede Globo.”
Vale dizer: o réu insistiu na tese de que “negro de alma branca” é, na verdade, um elogio…
Bem, meus caros, o que vai acima remete a um debate muito importante que está em curso no Brasil. Ele diz mais do que parece sobre certas convicções supostamente democráticas.
Heraldo Pereira ajuda a civilizar o Brasil.
Heraldo Pereira torna melhor o grupo a que todos pertencemos: a raça humana.
Heraldo Pereira não é a vingança da minoria, mas o triunfo da maioria: a maioria dos homens decentes e de bem!
Parabéns, Heraldo!
Por Reinaldo Azevedo

Pô, os "donos do progressismo" queriam o negro Heraldo livre, mas assim já é demais! O que eles fazem de sua "generosa piedade", né?
Pô, os "donos do progressismo" queriam o negro Heraldo livre, mas assim já é demais! O que eles fazem de sua "generosa piedade", né?
Por que alguém se considera no direito de tachar um dos jornalistas mais talentosos e mais bem-preparados de sua geração de “negro de alma branca” e de afirmar que ele “não conseguiu revelar nenhum atributo para fazer tanto sucesso, além de ser negro e de origem humilde”, como fez um senhor chamado Paulo Henrique Amorim com Heraldo Pereira? Minhas caras, meus caros, essa história vem de longe. E será preciso apelar aqui à origem de certas idéias, que acabaram definindo alguns paradigmas. Antes que entre propriamente no aspecto mais perverso e quase invisível do racismo, terei de fazer algumas considerações.
Vocês conhecem bem os ataques de que sou alvo porque me oponho, por exemplo, à política de cotas raciais. Alguns militantes da causa, brancos e negros, acusam-me, por isso, de “racista”. Não vou debater cotas agora porque desviaria este post de seu propósito. Já escrevi muito a respeito. Pretendo abordar um aspecto do racismo que a muitos passa despercebido porque praticado, ou cultivado, por supostos porta-vozes de causas consideradas “progressistas” ou “de esquerda”, como queiram.
Nesta madrugada, publiquei um longo post sobre o livro “Aguanten Los K”, do jornalista argentino Carlos M. Reymundo Roberts. Recomendo o artigo a quem não o tenha lido. Roberts trata justamente das hordas de partidários do “kirchnerismo” que atuam nos blogs, no Twitter e até nas rádios, para reproduzir as verdades eternas do governismo e tentar destruir a reputação daqueles considerados “inimigos”. Na Argentina como no Brasil, esses vagabundos são alimentados por dinheiro público e obedecem a um comando partidário. Lá, são “Los K”; aqui, são “os petralhas”. Tentam dividir o mundo em duas metades: a boa, “progressista e de esquerda” (eles), e a má, “reacionária e de direita” (os outros).
Outra referência bibliográfica importante nesse debate é “O Fascismo de Esquerda”, do jornalista americano Jonah Goldberg. O autor procede a uma breve reconstituição histórica de alguns valores tidos nos EUA como “liberais” (lá, essa palavra quer dizer “à esquerda”) e evidencia o seu parentesco com teses e proposta do fascismo. Nos melhores momentos do livro, demonstra como as propostas mais autoritárias, discriminatórias mesmo!, podem ser consideradas verdadeiros poemas humanistas, desde que abraçadas por “liberais”, e como valores ligados aos direitos fundamentais do homem podem ser tidos como “autoritários” se defendidos por conservadores. A síntese é esta: os ditos “progressistas” serão sempre progressistas, mesmo quando reacionários; e os ditos “reacionários” serão sempre reacionários, mesmo quando progressistas. As esquerdas, em suma, mundo afora, se tornam “donas do humanismo”.
Atenção, meus queridos! Nenhum autoritarismo, por mais deletério e estúpido que seja, é tão estúpido e deletério quanto o das esquerdas e de seus apaniguados. É a história que me dá razão. O despotismo que se instala em nome da liberdade do povo é duplamente perverso porque pratica todas as violências com as quais prometeu acabar e ainda destrói a esperança.
Todas as ditaduras são asquerosas, de direita ou de esquerda. Mas as de esquerda são mais longevas e matam muito mais — incomparavelmente mais — porque seus assassinos falam em nome do bem da humanidade. Hitler era um facínora vagabundo, um recalcado homicida, que falava claramente em nome de um grupo, de uma “raça”. Já o seu antípoda complementar, Stálin, era tido como arauto de uma “nova humanidade”. Com razão e para o bem da civilização, os partidários do bigodinho assassino são reprimidos mundo afora; sem razão e para o mal da civilização, os admiradores do bigodão assassino ainda estão por aí, pautando, muitas vezes, o “debate de resistência”. Não é preciso ir longe. Integrantes dos governos petistas que tentaram instalar uma ditadura stalinista no Brasil, Dilma inclusive, dizem hoje se orgulhar da luta pela “democracia”… É uma mentira grotesca. Muito bem! E o que isso tudo tem a ver com Heraldo Pereira?
Vamos ao centro do racismo
É possível estabelecer a genealogia da discriminação racial nos vários países, inclusive no Brasil. Por razões específicas, na Europa e na Rússia, por exemplo, ela se voltou contra os judeus; no Brasil, contra os negros; na África subsaariana, contra tribos originalmente rivais — já que a cor da pele não tem importância. Combater a cultura e a prática da discriminação é um imperativo moral e ético. É matéria que diz respeito à civilização. A causa não é propriedade privada de uma ideologia, de um partido político ou de ONGs, movimentos sociais e seus associados.
O racismo bronco pode ser enfrentado com clareza porque visível. Os estúpidos, os bucéfalos, que saem por aí a vociferar o seu ódio contra negros, por exemplo, praticam o que costumo chamar de “racismo de primeiro grau”. São crus, desprovidos de qualquer ambição intelectual, mal escondem o seu recalque: ou acham que um negro bem-sucedido está a ocupar um lugar que lhes caberia por direito natural ou entendem que a presença do “outro” ameaça o seu próprio status. Merecem ser duramente enfrentados nas ruas, nas escolas, nas empresas, nos tribunais. Não, não acredito que o caminho sejam as cotas, mas, reitero, não entro nesse mérito agora.
O racismo de segundo grau
Já o racismo de segundo grau é coisa mais complicada. Embora seus cultivadores se digam inimigos da discriminação e aliados de todos os grupos que lutam pelos direitos das minorias, não compreendem — e, no fundo, não aceitam — que um negro possa ser bem-sucedido em sua profissão A MENOS QUE CARREGUE AS MESMAS BANDEIRAS QUE ELES DIZEM CARREGAR!
Eis, então, que um profissional com as qualidades de Heraldo Pereira os ofende gravemente. Sim, ele é negro. Sim, ele tem “uma origem humilde”. Ocorre que ele chega ao topo de sua profissão mesmo no país em que há muitos racistas broncos e em que a maior discriminação ainda é a de origem social. E chegou lá sem fazer o gênero do oprimido reivindicador, sem achar que o lugar lhe pertencia por justiça histórica, porque, afinal, seus avós teriam sido escravos dos avós dos brancos com os quais ele competiu ou que a luta de classes lhe roubou oportunidades.
Sabem o que queriam os “racistas de segundo grau”, essas almas caridosas que adoram defender minorias? Que Heraldo Pereira estivesse na Globo, sim, mas com o esfregão na mão e muito discurso contra o racismo na cabeça. Aí, então, eles poderiam dizer: “Vejam, senhores!, aquele negro! Por que ele não está na bancada do Jornal Nacional?” Ocorre que Heraldo ESTÁ na bancada do Jornal Nacional. E sem pedir licença a ninguém. Enquanto alguns negros, brancos, amarelos ou vermelhos choramingavam, o jornalista Heraldo Pereira foi estudar direito na Universidade de Brasília. Enquanto alguns se encarregavam de medir o seu “teor de negritude militante”, ele foi fazer mestrado — a sua dissertação: “Direito Constitucional: Desvios do Constituinte Derivado na Alteração da Norma Constitucional”.
Quando se classifica alguém como Heraldo de “negro de alma branca” — e já ouvi cretinos a dizer a mesma coisa sobre Barack Obama porque também insatisfeitos com a sua pouca disposição para o ódio racial —, o que se pretende, na verdade, é lhe impor uma pauta. Atenção para isto:
- por ser negro, ele seria menos livre do que um branco, por exemplo, porque estaria obrigado a aderir a uma determinada pauta;
- por ser negro, ele teria menos escolhas, estando condenado a fazer um determinado discurso que os “donos das causas” consideram progressista;
- ao nascer, portanto, negro ele já nasceria escravo de uma causa.
Heraldo os ofende porque diz, com todas as letras e com sua brilhante trajetória profissional: “Sou o que quero ser, o que decidi ser, o que estudei para ser, o que lutei para ser. Eu escolho, não sou escolhido! Sou senhor da minha vida, não um serviçal daqueles que dizem querer me libertar”. Heraldo os ofende porque não precisa que brancos bem-pensantes pensem por ele. E há ainda uma ofensa adicional: não é reconhecido como um “progressista com carteirinha do partido”.
Que pena os racistas de segundo grau não poderem passar a mão na cabeça de Heraldo Pereira, condoídos com a sua condição de vítima não é!? Em vez disso, quem está no topo é Heraldo. Os que gostariam de sentir dele aquela pena militante só caminham para a lata de lixo do racismo de segundo grau.
Ladrões de alma
Caminhando para o encerramento, noto ainda que a expressão “negro de alma branca” pretende roubar do alvo da ofensa a sua individualidade, de modo a transformá-lo numa monstruosidade moral, sem lugar. Por negro, Heraldo seria sempre um estranho entre os brancos. Por ter a alma branca, sendo negro, tentaria forjar uma identidade que não é a sua. Não é difícil concluir que este ser, então, não teria lugar nem entre os brancos nem entre os negros.
Esse caso, meus caros, expõe as entranhas do pior lixo racista, que é aquele praticado pelos ditos “progressistas”. Como é mesmo?
“Nenhum autoritarismo, por mais deletério e estúpido que seja, é tão estúpido e deletério quanto o das esquerdas e de seus apaniguados. É a história que me dá razão. O despotismo que se instala em nome da liberdade do povo é duplamente perverso porque pratica todas as violências com as quais prometeu acabar e ainda destrói a esperança.”
Heraldo Pereira é um homem livre — livre, inclusive, da agenda que queriam lhe impor. E isso lhes parece imperdoável.
PS - Ah, sim! Prestem atenção ao silêncio ensurdecedor dos ditos “progressistas”…
Por Reinaldo Azevedo


Humanos de todo o mundo, uni-vos: a classe petralha é internacional! Ou: “O sonho de minha vida é ser um blogueiro petralha”

O texto ficou um tantinho longo. Mas acho que vale a pena ler até o fim. Há aqui uma dica de leitura. Imaginavam-me, no Carnaval, só com os pés na areia e a cabeça nas nuvens? Não! Estava pensando em vocês!
*
Um amigo jornalista me deu um presente delicioso: o livro “Aguanten Los K” (”Agüentem os K”), do jornalista argentino Carlos M. Reymundo Roberts, publicado pela editora Sudamericana.  E quem são “los K”? São os petralhas da Argentina; é como são conhecidos os partidários furiosos, ensandecidos, fanáticos mesmo, do casal Kirchner — no momento, de Cristina; Néstor, que morreu no dia 27 de outubro de 2010, já virou mito e estátua. No Brasil, o livro poderia se chamar “O País dos Petralhas”, hehe…  ”Aguanten Los K” reúne uma coletânea de artigos publicados na coluna “De no creer” entre 15 de janeiro de 2010 e 20 de agosto de 2011. Jornalista experiente, Roberts cobriu duas guerras (a do Golfo, em 1991, e do Peru com o Equador, em 1995), é professor universitário, um dos comandantes da redação do La Nacíon e colunista do jornal, onde trabalha há mais de 30 anos. Conhece o seu ofício.
Néstor Kirchner, amparado pela mulher, que o sucedeu, ascendeu ao poder com o apoio majoritário da imprensa. Dada a penúria a que havia chegado a Argentina e considerando a razoável, mas precária, estabilidade alcançada, o casal foi se tomando de ares imperiais. Hoje, Cristina pode ser colocada na galeria dos líderes latino-americanos que nutrem um desprezo muito pouco solene pelas regras da convivência democrática, na companhia de Hugo Chávez, Rafael Correa e Daniel Ortega. A sua investida contra a imprensa independente do país é só a face mais visível de seus arroubos autoritários. Não me estenderei agora sobre esse particular. Quero falar sobre o livro de Roberts — de que traduzo um artigo que nos fala de perto, como vocês lerão.
Liberal convicto, o autor recorreu a um truque inteligente em sua coluna. Resolveu escrever como alguém que tivesse se convertido à religião Kirchner. Criou um “alter ego” adesista, governista a mais não poder, entusiasmado mesmo! Apresenta-se, assim, com uma personalidade dividida, esquizofrênica. O editor se obriga a ser imparcial, crítico, severo, guardião dos valores democráticos. Mas o colunista… Deixemos que os dois se apresentem.
O jornalista
 ”Quero me apresentar: sou  Carlos María Reymundo Roberts, jornalista do La Nacíon há mais de trinta anos. Profundamente liberal, estou entre os antípodas do kirchenerismo. Trabalho, porém, num diário que não faz oposição, mas jornalismo independente.”
O colunista
“Quero me apresentar: sou Carlos M. Reymundo Roberts e, sob esta rubrica, público há pouco mais de um ano uma coluna política no diário La Nacíon. No início, foi, reconheço, um espaço editorial duro com os Kirchner, ainda que não só com eles. Na verdade, nem era tão duro, porque a minha não é a linguagem de quem pontifica, mas a de quem tem um olhar bem-humorado, mordaz, dos acontecimentos políticos. Como a muitos argentinos, a morte de Néstor, no fim de outubro de 2010, produziu em mim uma forte comoção. Primeiro em meu espírito; depois em minhas idéias. Dois meses depois, eu era um kirchnerista puro e duro e, por isso, pus minha coluna a serviço da causa.”
O editor reconhece que o modelo Kirchner é intolerante, aniquila a institucionalidade e destrói os valores republicanos. Já o colunista adesista acha que isso não é assim tão mau… Pode não ser, diz, uma “institucionalidade clássica, mas é a nossa”. O editor admite, atenção!, que “o governo cooptou e neutralizou todos os organismos de controle, que comprou prefeitos, governadores, opositores, juízes, intelectuais, sindicalistas, empresários jornalistas”. Já o colunista adesista pensa que “os prefeitos, governadores, sindicalistas, empresários e jornalistas se convenceram das bondades do modelo; os juízes julgam acertado o que estamos fazendo, e os intelectuais abraçam a causa nacional e popular porque nós os reconciliamos com suas velhas idéias e lhes demos uma razão para existir”.
Vejam só! O que em Roberts é uma blague, uma graça, uma saída irônica, é, em boa parte do jornalismo brasileiro, uma esquizofrenia verdadeira. Quantas vezes vocês já não viram  colunistas muito vetustos e severos a anuir com arroubos autoritários do petismo, achando que, afinal, é preciso mesmo pagar um preço “pela mudança”? As duas faces do jornalista argentino, separadas pelo humor, assumem, em certo jornalismo brasileiro, a gravidade de uma categoria de pensamento.
Humor
Como alguém que pretende se irmanar com os petralhas — ooops!, com “Los K” —, Roberts é desmedido no seu amor pelo governo e elogia, é claro!, algumas notáveis barbaridades. E aqui está uma graça adicional do livro. A cada artigo, segue-se a publicação de uma série de comentários. E a gente se dá conta da miséria intelectual destes tempos. Alguns admiradores e adversários do kirchnerismo percebem a ironia; os primeiros o desqualificam; os outros o aplaudem. Mas há aquele, de um lado e de outro, que tomam tudo ao pé da letra, e as posições, então, se invertem: os K o elogiam largamente, e os críticos do oficialismo lhe dão uma carraspana.
A exemplo de “O País dos Petralhas” no Brasil — modéstia às favas —, a seleção de artigos de Roberts serve como retrato de um período infeliz da política argentina; é visível que os instrumentos da democracia são usados pelo governo para solapar a própria democracia. Roberts inova, no entanto, ao criar esse “alter ego” governista, que expõe, pelo caminho da adesão, o ridículo do oficialismo. Fiquei cá pensando em dar vida à versão vermelha do Reinaldo Azevedo… Garanto que essa minha versão abestada saberia elogiar o governo com mais competência do que algumas expressões momescas do lulo-petismo.
Blogs
Também na Argentina — e em toda parte —, é na Internet que a canalha fascistóide se manifesta com mais virulência. Traduzo, abaixo, um dos artigos do livro, que nos fala — a mim e a vocês — mais de perto. Vejam como a “classe petralha é internacional” e como os esbirros do poder nunca surpreendem.
Vocês lerão um artigo de Roberts sobre o atual momento da política argentina e ficarão com a impressão de que ele fala do Brasil. Divirtam-se.
*
O sonho de minha vida: ser um blogueiro K
Já sei o que quero ser quando crescer: um blogueiro K. Se a vida quer me dar um presente, peço este: fazer parte de um exército de homens e mulheres deste país que, dia após dia, faça chuva ou faça sol, tomam a lança e saem em defesa do seu governo, mais para matar do que para morrer.
Em tempos de descrença generalizada, de fim das ideologias, de individualismo feroz, eles se agrupam para uma batalha diária contra os meios de comunicação e seus esbirros, os jornalistas.
A cena há de ser comovedora: milhares de jovens (bem, assim pensava eu, mas me dizem que os há de todas as idades), por pura vocação, movidos por suas mais profundas convicções democráticas e em defesa da pátria, acordam quando ainda está escuro, lêem rapidinho jornais e sites na Internet, detectam um inimigo e, antes mesmo de tomar um café ou de escovar os dentes, já estão armados, na frente de seu PCs. Convictos, entusiasmados, dão início à segunda parte de seu trabalho, que, na verdade, nem é tão complicada: consiste, basicamente, em destruir o autor do texto que ousou criticar o governo.
Destruí-lo significa isto: esmagá-lo, mexer com a sua vida, com a sua história, com seu nome, até com a sua aparência, pouco importa. Não é uma guerra de argumentos, claro! Eles não são necessários, e isso é o mais tentador do trabalho: se alguém critica os Kirchner, isso se deve ao fato de ser reacionário, fascista, atrasado; de estar a serviço da Sociedade Rural, do neoliberalismo e do capitalismo selvagem; ou, então, só o faz porque os donos do veículo de comunicação o obrigaram a escrever aquilo.
Para esse exército de esforçados servidores, não importa, ou importa muito pouco, o que diz o artigo em questão. Coitados! No apuro, nem tiveram tempo de lê-lo. Sabujos treinados, o título já lhes dá a pista. Temo que, de forma maliciosa, um dia alguém ainda escreverá um longo elogio ao governo, deixando claro na última linha que todo o que veio antes é uma farsa. Que horror! Quantos blogueiros K vão cair na armadilha! Algum deles chegará até a última linha?
O slogan dos nossos heróis parece ser este: é preciso entrar logo nos fóruns da Internet, nos blogs, no Twitter e deixar a marca. É preciso pautar o debate e fazê-lo antes dos inimigos: aqueles que gostaram do texto. Para estes, também haverá fogo, é claro!, mas sem perder de vista que são apenas soldados. O general é o autor do artigo. É preciso convencê-lo de que teria sido melhor escrever na revista dos bombeiros voluntários de seu bairro.
Será que é a admiração que me leva a identificar um blogueiro K e a não confundi-lo com qualquer outro defensor do governo? Não, não é a admiração, mas o cheiro! Há um certo ar de família nos blogueiros oficiais. Eles são madrugadores, são furiosos, não perdem tempo discutindo motivos; ficam horas diante das telas de computador, amam a desqualificação e não mostram a menor intenção de ceder nada a ninguém, nunca!
Outra característica comum é a sua reação quando alguém os descobre e os acusa — com total injustiça, é claro! — de trabalhar a soldo da Casa Rosada. Então seus mais baixos instintos despertam (se é que já não estavam despertos) e atacam sem piedade. Alguém comentava outro dia que era muito fácil entrar em um fórum e distingui-los: “Não argumentam; só insultam e agridem”.
Dias atrás, publiquei no Twitter a suspeita de que essa tropa de choque da Internet também tem a sua divisão nos programas de rádio que veiculam as mensagens dos ouvintes. Alguns telefonemas em certo programa da manhã me pareceram muito suspeitos. Alguém respondeu que era assim mesmo: são os “telefonadores K”, superiores, na hierarquia, aos “tuiteiros K”, mas inferiores aos blogueiros K “, uma espécie de tropa de elite. Concluí que nem mesmo os Kirchner, tão igualitários, conseguiram impedir que, em suas fileiras, reine a luta de classes e a discriminação.
Dada a minha intenção de ser um dia um desses soldados, estou cheio de perguntas. Quem os comanda? Quantos são? Como são recrutados? Quantas horas é preciso dedicar à causa? E o grande tema: ok, aceito que não recebam um peso, que seja tudo vocação, que seja tudo espontâneo…, mas alguém poderia me dizer a quanto chega esse soldo que não cobram?
A propósito: também me pergunto como este corpo tão coeso, tão uniforme, lerá este texto que lhe dedico. Entenderão que está escrito com a intenção do elogio, do reconhecimento, ou vão acreditar, numa leitura superficial, que isto é uma crítica, mais uma das muitas que recebem nestes tempos? Há apenas uma forma de sabê-lo: dar o texto por terminado e ouvi-los. Soldados, se chegaram até aqui, sigam em frente; vocês têm a palavra.
Por Reinaldo Azevedo
LAST







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