A prestigiosa revista britânica Lancet publicou nesse mês um artigo mostrando que exames genéticos em crianças com malformações ou doenças genéticas revelam, em alguns casos, que elas foram geradas por relação incestuosa. Como o risco de nascer um bebê com uma doença genética aumenta significantemente quanto maior o grau de consanguinidade dos pais, o incesto explicaria a ocorrência da patologia nesses casos. Os autores do artigo sugerem que quando a relação incestuosa envolver uma mãe menor de idade isso deve ser denunciado ao serviço de proteção de menores ou até à policia.
Como lidar com esses casos para causar o mínimo possível de dano psicológico aos envolvidos? É um dilema ético complicado. O artigo da Lancet me fez lembrar a história dramática de Lúcia (o nome é fictício) que ilustra bem como pode ser complexa essa situação.
Lucia, uma adolescente de 15 anos, veio junto com seus pais nos procurar no Centro do Genoma da USP, grávida de dois meses.
Moravam numa cidade do interior e vieram acompanhados por uma assistente social. Lucia tinha três irmãos afetados por uma doença genética grave e queria saber se corria o risco de ter um filho com o mesmo problema. Seu namorado também adolescente, Paulo, o suposto pai da criança não compareceu à consulta. Coletamos sangue de todos para confirmar o diagnóstico e saber se ela corria o risco de ter uma criança com a afecção dos irmãos. Entretanto, antes de ir embora a assistente social pediu para conversar comigo em particular. Contou-me que havia um rumor na cidade segundo o qual o pai do bebê que Lucia estava gerando não era o Paulo, seu namorado, mas o seu próprio pai biológico. Se fosse verdade esse seria ao mesmo tempo o pai e o avô do futuro bebê de Lucia. Isso, se a gravidez fosse a termo. Perguntou-nos se poderíamos confirmar isto por meio do exame de DNA.
Do ponto de vista genético era uma informação muito importante
Se fosse confirmado que o feto era fruto de uma relação incestuosa, além do alto risco de ter a doença dos irmãos havia também uma probabilidade adicional, estimada em 50% , de Lucia vir a ter uma criança com um problema genético decorrente da consanguinidade (relação pai-filha). Entretanto é impossível nesses casos fazer um exame que permita diagnosticar todas as doenças.
Seria verdade a suspeita da assistente-social?
Ou simplesmente uma “fofoca” sem fundamentos? Chamei a adolescente para uma conversa particular e ela acabou confessando que realmente o pai vinha “visitá-la” na cama e ela não sabia quem era o pai biológico da criança que estava gerando. Só não queria, de maneira nenhuma, que a mãe soubesse. Infelizmente, a suspeita da assistente social era procedente.
Tínhamos coletado amostras de Lucia e de seus pais
Poderíamos fazer o exame genético, mas antes de decidir se iríamos realizá-lo tínhamos várias questões: será que isso seria de nossa responsabilidade já que a família havia nos procurado por outro motivo? Qual seria o benefício para os envolvidos em fazê-lo? O que poderia ser feito a respeito?
Veja
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