Perdidos no meio dos incontáveis defeitos de fabricação e vícios adquiridos, é possível enxergar em Valdemar Costa Neto, vulgo Boy, vestígios da prudência que falta a 999 entre 1.000 delinquentes da classe executiva: antes que a polícia apareça, o deputado que ficou multimilionário com a exploração de partidos de aluguel trata de afastar-se do local do crime, para gastar em segurança parte do que acumulou. Agora, foi a descoberta dos quadrilheiros do PR em ação no Ministério dos Transportes que o aconselhou a sair de cena e reprisar a tática do sumiço provisório, inaugurada com sucesso no escândalo do mensalão.
Enquanto o ex-ministro Alfredo Nascimento garantia que não é lixo, enquanto o senador Blairo Maggi tentava barganhar a mágoa provocada pela demissão do afilhado por alguns alqueires de soja na Amazônia (ou nos Andes), Boy já aproveitava a vida em praias estrangeiras. Entre todos os figurões colhidos na formidável safra de bandalheiras que Dilma plantou em parceria com Lula, Boy é o único foragido do noticiário político-policial. Só depois que a poeira baixar o dono do PR voltará a rondar cofres desprotegidos ou usinas de licitações fraudadas.
Foi o que fez em meados de 2005, depois do depoimento da ex-mulher Maria Christina Mendes Caldeira no Conselho de Ética da Câmara. Desde junho, Valdemar Costa Neto respirava soterrado pela montanha de provas e evidências que identificavam um dos fundadores do esquema do mensalão (e um dos maiores beneficiários da roubalheira). E continuava negando que a organização criminosa começou a ser parida em 2002, na reunião em que vendeu ao PT, por R$ 10 milhões o apoio do PL à candidatura de Lula e o passe do vice José Alencar.
Caprichou na pose de vítima dos ressentimentos do deputado Roberto Jefferson até que Maria Christina resolveu falar. Confiram os dois vídeos publicados na seção História em Imagens. A depoente revelou que a quantia combinada com José Dirceu foi apenas a primeira de muitas parcelas, que o deputado protagonizou falcatruas até em Taiwan, que o dinheiro viajava a bordo de malas ou descansava “num cofrão”, fora o resto. Boy achou melhor pedir para sair. Renunciou ao mandato antes que a cassação dos direitos políticos o impedisse de voltar ao Congresso na eleição seguinte. Em 2006, recuperou as imunidades parlamentares e o direito de tungar sem sobressaltos o Ministério dos Transportes.
O depoimento de Maria Christina desenhou o tipo de parceiro que Lula escolheu para “garantir a governabilidade” ─ expressão da novilíngua companheira que quer dizer “transformar a ladroagem generalizada em plataforma política”. Em pouco tempo, antigos companheiros ficaram muito parecidos com novos aliados. O PMDB é um PR com obesidade mórbida. O PT é um PMDB com menos tintura no cabelo.
Foi com essa gente que o padrinho simulou a construção do Brasil Maravilha. Foi com essa gente que a afilhada conviveu quando ministra e trocou beijos, abraços e elogios quando candidata. É com essa gente que divide o poder há mais de sete meses. E vai continuar dividindo, avisa a discurseira na solenidade que oficializou a permanência de Roberto Gurgel no cargo de procurador-geral da República.
“Tenho o dever de afirmar que farei tudo o que estiver ao meu alcance para coibir abusos, excessos e afrontas à dignidade de qualquer cidadão que venha a ser investigado”, recitou a presidente, ainda inconformada com as algemas e as fotos de topless que tanto constrangeram os Boys do Ministério do Turismo. “O meu governo quer uma Justiça eficaz, célere, mas sóbria e democrática, senhora da razão”, fantasiou.
Se a Justiça fosse célere e eficaz, Dilma já estaria visitando a melhor amiga Erenice Guerra só aos domingos. A conversa fiada sobre tais “excessos, abusos e afrontas” é uma tentativa de inibir o Ministério Público e a Polícia Federal. Zelar pela imagem da gatunagem vip num Brasil reduzido a paraíso dos impunes é outro tapa na cara do país que presta. A faxina acabou antes de começar.
Neste domingo, todos os quadrilheiros estavam livres. É provável que Valdemar Costa Neto tenha voltado da viagem para desfrutar em casa do Dia dos Pais. Acha que já está fora de perigoAugusto Nunes
CGU conclui que Erenice Guerra cometeu diversas irregularidades graves
Luciana Lima
Repórter da Agência Brasil
Brasília - A Controladoria-Geral da União (CGU) concluiu que a ex-ministra da Casa Civil Erenice Guerra cometeu irregularidades graves quando esteve à frente da pasta, no ano passado. Erenice é acusada de tráfico de influência e de beneficiar parentes em contratações de serviços aéreos para os Correios, estudos para projetos de mobilidade urbana e outorgas de concessão de serviço móvel especializado. O relatório da CGU foi enviado hoje (23) à Polícia Federal, ao Ministério Público e à Comissão de Ética Pública da Presidência da República. O relatório vai servir como subsídio às investigações de natureza criminal e ética contra a ex-ministra.
As investigações referem-se ao conjunto de denúncias veiculadas na imprensa no segundo semestre do ano passado envolvendo Erenice Guerra e parentes dela. Erenice assumiu a Casa Civil quando Dilma Rousseff saiu da pasta para disputar as eleições presidenciais. Ela era considerada braço direito da presidenta Dilma Rousseff quando esta era ministra de Minas e Energia e, em seguida, chefe da Casa Civil do governo de Luiz Inácio Lula da Silva.
O foco das apurações da CGU foram as irregularidades administrativas e financeiras. Somente em referência aos contratos firmados entre os Correios e a empresa MTA para a prestação de serviços de transporte de carga por meio da Rede Postal Aérea Noturna, a CGU analisou quatro contratos celebrados em 2010, alguns decorrentes de pregões eletrônicos e outros dispensados de licitação, com valor total de R$ 59,8 milhões. A MTA está no centro do episódio que envolve um dos filhos de Erenice, Israel, em tráfico de influência e cobrança de propina para ajudar a empresa dentro do governo. A investigação apontou que os Correios mantinham um contrato com a MTA para transporte de carga postal aérea de São Paulo para Manaus, ao preço unitário de R$ 1,99 por quilograma transportado. Em seguida, a ECT celebrou outro contrato com a mesma empresa, para o trecho Brasília-Manaus, ao preço de R$ 3,70 por quilo.
As inspeções feitas pela CGU nos depósitos e terminais da estatal nos aeroportos revelaram que os Correios estavam enviando, de caminhão, grandes quantidades de carga de São Paulo para Brasília, de onde eram embarcadas, nos aviões da MTA, para Manaus. “A ECT passou a desembolsar R$1,71 a mais por quilo transportado de Brasília, do que pagaria por essa mesma carga se a embarcasse de São Paulo; isso sem contar o que gastava com o transporte por caminhão de SP para Brasília”, apontou a CGU.
“Diante das constatações, a CGU recomendou à ECT [Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos], entre outras medidas, a instauração de procedimentos apuratórios para identificar os causadores dos danos, promover as respectivas responsabilizações e quantificar valores das multas a serem aplicadas, bem como valores pagos a mais pela ECT à MTA, para efeito de cobrança de ressarcimento ao Erário”, diz o relatório.
Outra irregularidade considerada grave de Erenice foi constatada na outorga do Serviço Móvel Especializado (SME), na subfaixa de 411 MHZ, concedida à empresa Unicel pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). A Unicel tinha como funcionário o marido da ex-ministra, José Roberto Camargo. As apurações feitas pela controladoria concluíram que Erenice atuou para beneficiar a Unicel. De acordo com a CGU, o chamamento público feito em janeiro de 2004 e no qual se baseou a agência para outorgar, sem licitação, o SME à Unicel “não pode ser considerado válido para fins de aferição do eventual interesse de outras de empresas na exploração do serviço na subfaixa de 411 MHz”.
No edital de chamamento não havia prévia destinação da faixa para esse serviço, nem regulamentação da canalização e uso da faixa. Diante disso, a CGU não aceitou o argumento da Anatel de que a regulamentação, a posteriori, da subfaixa de 411 MHz convalidaria o chamamento público. “Não poderia convalidá-lo, pois, sem a prévia destinação do serviço à faixa, o certame não permitiu aos interessados saber apropriadamente o que estava em disputa”, diz o relatório.
A CGU também não aceitou os argumentos apresentados pelo presidente da Anatel, Elifas Chaves Gurgel do Amaral, no sentido de que a regulamentação da faixa é condição apenas para a expedição do termo de autorização, e não para o chamamento público. A auditoria da CGU ressalta ainda que o chamamento público ocorreu em janeiro de 2004, vários anos antes da concessão da outorga. “Em um setor que passa por intensa modificação tecnológica, parece bastante inapropriado assumir que as condições de exploração e os interesses de mercado se mantêm os mesmos”, avalia a CGU em seu relatório.
No relatório a CGU recomendou a imediata anulação da outorga, além da apuração de responsabilidades pela decisão de dispensar a licitação.
Quanto às apurações sobre um acordo firmado entre o Ministério das Cidades e a Fundação Universidade de Brasília (FUB) para a elaboração de estudos de planos diretores integrados de mobilidade urbana, a CGU também constatou graves irregularidades, como o pagamento de R$ 2,1 milhões por um produto que não atendeu à demanda previamente estabelecida pelo ministério. De acordo com o relatório, houve falta de critérios na escolha da instituição para a realização dos serviços; inexistência de formalização do procedimento de dispensa de licitação; prestação de contas com documentação incompleta; ausência de instauração de tomada de contas especial; subcontratação de entidade privada sem qualquer vínculo aparente com o tema mobilidade urbana; e, por fim, o não alcançamento do objetivo pretendido com a contratação.
O acordo entre o Ministério das Cidades e a FUB foi firmado em 2007, com valor de R$ 10,5 milhões. A FUB recebeu o valor integral e contratou, por R$ 2,1 milhões, a execução de serviços de coleta e organização de informações, mas a prestação de contas sobre a aplicação desse montante não explicava a utilização do dinheiro nem evidenciava o cumprimento das ações previstas.
Segundo o relatório, o Ministério das Cidades cobrou reiteradamente a devolução do dinheiro, o que não ocorreu, assim como não foi instaurado procedimento especial de tomada de contas, igualmente recomendado. A FUB só devolveu ao ministério os restantes R$ 8,4 milhões.
Outra irregularidade apontada no relatório da CGU foi a subcontratação, pela FUB, da Fundação Universitária de Brasília (Fubra), sem licitação, para a execução dos serviços de coleta e organização de informações. O Ministério das Cidades havia justificado a contratação da FUB com o argumento de que a instituição tinha expertise no desenvolvimento desse tipo de trabalho, elevado conceito nacional e internacional, dispondo de quadro técnico altamente especializado no assunto, além de trabalhos científicos publicados na área de mobilidade urbana. O relatório concluiu que, se isso era verdade, a FUB pnão recisaria subcontratar a Fubra e, esta, subcontratar uma instituição privada, o Ibesp, que tem como objeto social a promoção do bem-estar de servidores públicos, para ser o principal agente no processo.
Ao final, o Ibesp recebeu cerca de R$ 1,8 milhão, que correspondem a mais de 85% dos recursos despendidos. O relatório aponta que a CGU não encontrou quaisquer informações acerca dos trabalhos realizados pelo Ibesp ou qualquer tipo de comprovação dos pagamentos realizados, como notas fiscais e recibos.
Edição: Vinicius Doria
Erenice Guerra recebe censura ética por suposto tráfico de influência
21 de março de 2011 • 18h03 • atualizado às 18h20
Erenice Guerra foi afastada do governo Lula no auge da campanha presidencial do ano passado por suspeitas de tráfico de influência
Foto: /Bandnews
A Comissão de Ética da Presidência da República decidiu nesta segunda-feira aplicar a sanção de censura ética à ex-ministra da Casa Civil Erenice Guerra, afastada do governo Lula no auge da campanha presidencial do ano passado por suspeitas de que praticaria tráfico de influência para favorecer empresas privadas junto ao governo.
A conduta da ex-funcionária, apontada como braço direito da atual presidente Dilma Rousseff (PT), na época da Casa Civil, foi reprovada por unanimidade pelos seis integrantes do colegiado. "A sanção significa a não-aceitação pelo Estado brasileiro de determinada conduta de determinado funcionário. Não é compatível com o que se espera de um funcionário. A ética tem um sentido pedagógico", disse o relator do caso no Comissão, Fábio Coutinho.
Como não integra mais os quadros do governo federal, Erenice Guerra, que assumiu a Casa Civil após a então ministra Dilma Rousseff deixar o governo para ingressar na corrida presidencial, pode receber apenas a censura ética como sanção. A decisão de repudiar a prática antiética da ex-funcionária é uma forma de condenação de sua conduta, mas não acarreta consequências mais concretas, como uma eventual sugestão para que ela não mais pudesse integrar o rol de funcionários da administração pública.
Erenice pode pedir reconsideração da aplicação de censura ética. Em setembro do ano passado, um dia após ser obrigada a pedir demissão da Casa Civil, ela havia recebido uma outra censura ética da Comissão por não ter apresentado documentos com informações sobre a sua evolução patrimonial e sobre relação de parentes ocupando cargos públicos.
A chamada Declaração Confidencial de Informação (DCI) é exigida de todas as autoridades que assumem cargo na alta administração pública federal. No início do ano, a Casa Civil informou que encerrara, sem a indicação de nenhum culpado, a sindicância aberta dentro do governo para apurar supostas irregularidades e denúncias de tráfico de influência envolvendo a pasta então sob comando da ex-ministra Erenice.
Os dois alvos da investigação, Vinicius Castro e Stevan Knezevic, não foram apontados como culpados nas denúncias de tráfico de influência, ainda que houvesse a suspeita, denunciada por órgãos de imprensa, de que Castro teria recebido R$ 200 mil em propina e de que Stevan tivesse feito tráfico de influência para viabilizar contratos nos Correios e no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). A ex-ministra Erenice Guerra não havia sido alvo daquela sindicância.
Como é doce ser corrupto no Brasil
CELSO ARNALDO ARAÚJO
A corrupção no Brasil é o melhor negócio do mundo. Muito mais lucrativo do que tráfico de drogas, jogo, contrabando — e com uma pequena fração do risco inerente a esses delitos. Não precisa da sombra, do subterrâneo, da clandestinidade, como todos esses. O negócio da corrupção é idealizado e patrocinado por agentes legítimos do governo e coonestado por políticos eleitos pelo povo — ou vice-versa. E malversa um dinheiro que está devidamente contabilizado e destinado a esse fim.
Lá bem para trás, esse dinheiro foi aliviado de nosso bolso na forma de taxas e impostos — mas já nos habituamos à mão leve do estado e perdemos a noção desta cadeia alimentar: os corruptos se fartam com o dinheiro que recolhemos compulsoriamente aos cofres públicos, fruto de nosso trabalho.
Claro que um esquema de corrupção sempre pode ser desbaratado, mas não por falhas intrínsecas do sistema, que é perfeito — o único flanco é o vazamento interno, como deve ter ocorrido agora no desmantelamento da quadrilha que não perdia viagem no Ministério do Turismo.
A implosão de um modelo de roubalheira pode dar algum constrangimento inicial aos envolvidos, às vezes um par de algemas um tanto apertadas, mas cadeia de verdade não dá – podendo-se também manter o produto do desvio quando a onda passar. Basta desenvolver um modus operandi bem fechadinho – mesmo que bem tosco.
A criação de uma ONG fantasma no Amapá para treinar pessoas a dobrar guardanapos parecia mais segura do que fazer xixi, sem ser pego pela polícia ambiental islandesa, na borda do vulcão Eyjafjallajokull. Há oito anos, o PT municia com verbas vultosas um número incalculável de onguinhas camaradas ligadas ao Ministério do Turismo e às outras pastas – mais uma, menos uma, não faria diferença nem chamaria a atenção. E se chamasse, sempre haveria Sarney, que aluga o estado e é tido como bom inquilino, pagando sempre em dia – apesar dos 80 anos, ainda é dono de uma técnica insuperável de limpeza de cenários de crimes, como o personagerm de Harvey Keitel em “Pulp Fiction”.
A transferência de know-how é completa. A pequena mise-en-scène necessária à prática fluente do delito amapaense foi dirigida pelo próprio secretário executivo do Ministério, Frederico Silva Costa, que, numa daquelas piadas prontas que fazem o dia do José Simão, se encarregou de transmitir a instrução básica ao assecla fundador da ONG ladra:
“O importante é a fachada”, disparou ele, em gravação autorizada pela Justiça.
Não foi uma recomendação metafórica, alegórica – mas real. A fachada – no caso, a frente física da sede da ONG milionária incapaz de capacitar alguém a servir um copo de água –, é uma questão muito importante, como diria a presidente Dilma. Algo deu errado e a fachada caiu. Bom para nós. Mas e o dinheiro?
O governo Lula criou a mulher e, justiça seja feita, não criou a corrupção. Apenas aperfeiçoou-a, com a decisiva contribuição dos profissionais dos partidos aliados. Em governos anteriores — e aqui mesmo em São Paulo há toda uma malha viária construída dentro desse parâmetro – partia-se de um projeto já definido, uma nova avenida, por exemplo, e a ele se agregava a corrupção, na forma clássica do superfaturamento de custos. Isto é, o projeto real sempre precedia o furto – e, bem ou mal, era concretizado, na forma de um viaduto, uma ponte, um recapeamento, um lote de merendas escolares. Hoje, ainda se desviam bilhões com esse modus roubandi clássico, em todos os ministérios.
Mas o lulopetismo aperfeiçoou, no negócio da corrupção, uma modalidade extraordinariamente mais fácil, ainda mais lucrativa e muito mais cínica e perversa. Hoje, a ideia do roubo preexiste à concepcção do projeto – e este nem precisa se materializar, como no caso da ONG do Amapá que capacitou servidores públicos para o roubo de cofres públicos.
Ou seja: é a corrupção ectoplasmática. Rouba-se o que não existe – além de dinheiro. E de Pedro Novais.
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