O ator Rodrigo Santoro ao lado de um “batalhão” de outros dez profissionais dos mais diferentes países sentou-se diante dos jornalistas na manhã desta quinta-feira (22) para falar sobre o filme “Che”, de Steven Soderbergh, exibido pela primeira vez na noite desta quarta durante o Festival de Cannes. No longa, que é dividido em duas partes e narra a trajetória do médico e guerrilheiro argentino Ernesto Guevara desde a revolução cubana até sua morte na Bolívia, o brasileiro faz o papel de Raul Castro, irmão de Fidel e atual presidente de Cuba.
“Creio que o filme é o retrato de um ser humano. Não fiz a segunda parte [focada na imersão de Che na guerrilha boliviana], mas fiquei realmente tocado quando a vi ontem”, declarou Santoro. Estrelado pelo ator porto-riquenho Benicio del Toro (foto abaixo) no papel principal, o longa-metragem de cerca de quatro horas e meia de duração e falado em espanhol, teve sua montagem recém-concluída a tempo de passar em Cannes.
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“Meu interesse por Che é menos pelo fato da revolução cubana e mais porque ele é um grande material para um filme. É uma das mentes mais fascinantes do último século”, disse o norte-americano Soderbergh (que aparece na terceira foto). “Não sou da América Latina e não tenho nenhum interesse em levantar ou baixar a bola dele. O que me interessa é mostrar a força de vontade desse homem que por duas vezes largou tudo o que tinha na vida para tentar fazer algo por outras pessoas”, justificou o diretor.
Ascensão
A primeira das duas partes de “Che”, que serão lançadas respectivamente em outubro (”O argentino”) e novembro (”Guerrilha”) deste ano, cobre basicamente o período entre 1955 e 1959, desde quando Guevara, Fidel e Raul Castro se conheceram no México e planejaram a revolução em Cuba até a tomada de Havana. Intercalada por cenas de Guevara, já empossado como Ministro da Indústria em Cuba, falando na ONU em Nova York contra o embargo econômico à ilha, a primeira parte tem tom mais documental, com pouca ou nenhuma experimentação estética da parte de Soderbergh.
“Mesmo contra a vontade de Hollywood, tentamos evitar esses momentos mais dramáticos e ir para uma estética mais convencional. Queríamos chegar ao personagem de modo diferente”, explicou o roteirista Peter Buchman. “O primeiro filme funciona como uma revelação constante da personalidade de Che. Apesar de escritor e pensandor, é em suas ações que você acaba vendo todas as suas crenças.”
No quesito atuação, nesta primeira parte, o destaque é sem dúvida para Demián Bichir (última foto, à frente de Del Toro), ator que literalmente encarna o futuro presidente Fidel Castro. Não só na aparência mas na personalidade e nos trejeitos, a semelhança é marcante. “Foi estranho quando recebi a ligação me chamando para o papel”, lembrou o ator mexicano. “Eu não conseguia entender por que. Estava usando barba na época, me olhei no espelho e me perguntei por quê? Mas foi um processo fantástico. Tendo crescido no México, tive desde pequeno muita informação sobre Che, por estarmos tão perto daqueles eventos. Olhando hoje parece que foi um grande caminho desde que nos encontramos naquele acampamento”, contou.
O clima no set, com atores das mais diversas origens (Brasil, Colômbia, México, Porto Rico, Cuba, Alemanha…), foi destacado durante a entrevista coletiva nesta quinta. “Abraçar esse projeto, para mim, foi ótimo”, disse Santoro. “Acho que o fato de ter tantos atores latino-americanos trabalhando juntos era como o ver o próprio sonho de Che se realizando, de espalhar a sua revolução por todo lugar”, especulou o intérprete de Raul Castro. No papel do irmão de Fidel, Santoro cumpre o que lhe é pedido - sem jamais escorregar no espanhol -, mas em termos de exposição fica um pouco em segundo, ou mesmo terceiro plano em toda a história. Calibrar os diferentes sotaques de espanhol falados pelo elenco, no entanto, não foi tarefa das mais fáceis. “Eu deixei meu país aos 13 anos e ainda falo espanhol porto-riquenho. Mas Che era um intelectual que falava um ótimo espanhol. Não foi fácil, tentei o máximo não parecer tosco”, conta Benicio del Toro.
Queda
A segunda parte de “Che” é toda dedicada à ação do guerrilheiro na Bolívia. Começa em 1965, quando Che renuncia a seu cargo político em Cuba - e também a sua verdadeira identidade - e parte primeiro para a África e depois à Bolívia na tentativa de espalhar a revolução. Confrontado com um cenário bem mais adverso do que o encontrado em Cuba, especialmente quanto ao apoio dos camponeses à guerrilha, Guevara funciona ali mais como inspiração do que propriamente como o comandante que fora na revolução cubana.
“Inicialmente, a idéia era fazer um filme sobre a atuação de Che na Bolívia, que é um lado de sua vida que pouco conhecemos. Mas se não mostrasse o que houve em Cuba, não haveria contexto. Por isso fomos para a versão atual [ de quatro horas e meia]: era preciso explicar por que ele acharia que poderia vencer na Bolívia”, disse Soderbergh, que também reconhece a importância do filme “Diários de motocicleta”, dirigido por Walter Salles e com foco na juventude do guerrilheiro argentino, para a construção de sua história. “Aquilo é o ato I para nós. Agora podemos dizer efetivamente que se trata de uma trilogia”, defendeu.
Mas neste último ato do longa de Soderbergh, os rebeldes bolivianos se desentendem com freqüencia, voluntários e jornalistas ameaçam colocar a identidade do guerrilheiro em perigo e, ao mesmo tempo, o governo militar boliviano (apoiado pelos EUA) já se mostra mais preparado para enfrentar a guerrilha comunista. É nesta parte que, como aconteceu em outubro de 1967, Che será capturado e executado pelos soldados bolivianos.
Com uma intensidade dramática maior do que na primeira metade do filme, o diretor consegue traduzir na tela ao longo destas últimas duas horas a derrocada gradual de Guevara, tanto fisicamente - graças às crises de asma que vão se tornando mais e mais constantes - quanto politicamente - com a recusa de diversos camponeses de colaborar com os rebeldes.
Apesar de pouco ousado no plano estético, “Che” pode estar no páreo pela Palma de Ouro neste domingo graças à sua forte mensagem política “anti-imperialista”, que deve agradar ao engajado Sean Penn, presidente do júri, e também pela ótima atuação de Benicio del Toro. Mesmo fisicamente menos parecido com Guevara do que Bichir é de Fidel, por exemplo, o ator porto-riquenho consegue incorporar a aura do personagem, duro e disciplinador, mas ao mesmo tempo doce e carismático.
“Cresci em Porto Rico e me lembro que só o que sabia de Che quando criança é que ele era um cara mau. Mais tarde, na Cidade do México, lembro de ir à uma livraria e de ver várias fotos de Che, e ele tinha um sorriso muito doce. Parecia haver algo errado naquela loja. Mais tarde é que passei a ler e saber mais dele, e descobri que muitas pessoas o amavam”, afirmou Del Toro que, além de perder peso e deixar o cabelo crescer, teve também de “sacrificar” alguns banhos em nome da fidelidade à experiência da guerrilha. “Ainda tenho um pouco de terra embaixo das unhas”, brincou.
Diego Assis, do G1, em Cannes
Fotos: AFP
Este post foi publicado em Festival de Cannes 2008, Pop & Arte, Quinta-feira, (22/05/2008), às 09h17. Deixe seu comentário ou envie o trackback do seu site no formulário abaixo. Você pode acompanhar as atualizações deste post através do feed RSS do blog.