CPI da Assembleia Legislativa do Rio mostra que
adminstradores passaram anos com investimento zero em habitação e
contenção de encostas. Em Teresópolis, moradores voltam para casas
marcadas para demolição
Cecília Ritto e João Marcello Erthal
Edson Silva, morador do bairro Campo Grande, na casa
marcada em vermelho para demolição: população volta para as áreas de
risco
(André Oliveira)
“A tragédia, infelizmente, evidenciou, em todos os municípios
atingidos, a intensidade de construções irregulares nas áreas marginais
dos rios - consideradas, somente em tese, pelas normas estaduais e
municipais, como áreas ‘non aedificandi’ - para as quais é prevista a
inundação em ocasiões de cheias intensas”
A força descomunal da tempestade que castigou a serra fluminense em
janeiro deste ano é indiscutível. É também a parte mais fácil de
entender da tragédia que deixou 909 mortos, 241 desaparecidos e afetou,
na zona rural, cerca de 17 mil famílias. O relatório da CPI da
Assembleia Legislativa do Rio, aberta para investigar as circunstâncias
do desastre, joga luz sobre uma calamidade anterior à tormenta,
construída à custa de negligência, incompetência e populismo barato dos
gestores públicos – e nenhum dos níveis de governo consegue escapar da
lama.
“Ficou claro que os governos foram imprevidentes e omissos em cumprir e
fazer cumprir ou formular as normas e leis que regulam o uso do solo de
forma a evitar as flagrantes construções irregulares situadas em áreas
de risco, tais como encostas passíveis de desestabilização e margens de
rios, onde se pôde constatar terem ocorrido os mais graves e mais
numerosos acidentes”, diz um trecho do relatório, publicado esta semana
no Diário Oficial do Legislativo estadual do Rio. Por enquanto, não há
razão para crer que as áreas atingidas estejam, no fim de 2011 e início
de 2012, mais preparadas que na última temporada de chuva.
Algumas das conclusões da CPI, que teve como relator o deputado Luiz
Paulo Corrêa da Rocha (PSDB), confirmam o óbvio: o Rio, como todo o
Brasil, não tem de fato um sistema de defesa civil, e a ocupação de
áreas de risco ainda é um padrão. “Não temos no país um sistema de
defesa civil. União, estados e municípios não trabalham
sistematicamente. Não há prevenção, plano de contingência e sistema de
alerta. O que existe é o socorro às vitimas, mas não um sistema
preventivo”, afirma Luiz Paulo, que acrescenta: “Os gastos em defesa
civil são ridículos”.
O maior mérito do documento está na constatação de como os
investimentos previstos em prevenção – eles vão desde política
habitacional até contenção de encostas e mapeamento de áreas de risco –
simplesmente deixaram de ser feitos. Em alguns municípios, os gastos
nesses setores é zero. Vale repetir: não se trata de uma força de
expressão, mas de um vazio de fato nos investimentos nessas áreas.
Os deputados reuniram os dados dos últimos seis anos dos orçamentos
municipais. Alguns exemplos: de 2005 a 2010, Teresópolis, Areal e São
José do Vale do Rio Preto não realizaram qualquer investimento em defesa
civil ou em habitação. A cidade de Nova Friburgo também tem zero como
total de investimentos em política habitacional nesse período.
Petrópolis investiu, em valores atuais, 92.856,39 em 2008 – e, nos
outros anos, nada. Areal chegou a registrar a destinação de recursos
para essa finalidade: aplicou, no ano de 2006, 244 reais na contenção de
encostas e, em 2008, 602,22 reais em habitação.
O relatório conclui: “A tragédia, infelizmente, evidenciou, em todos os
municípios atingidos, a intensidade de construções irregulares nas
áreas marginais dos rios - consideradas, somente em tese, pelas normas
estaduais e municipais, como áreas ‘non aedificandi’ - para as quais é
prevista a inundação em ocasiões de cheias intensas”.
A enchente provocou 770 deslizamentos de encostas, atingiu 25 escolas,
deixou 23.118 desalojados e 8.908 desabrigados. O preço da falta de
investimento foi pago pela população local. E os números que constam nas
262 páginas do relatório são claros neste sentido: as perdas na
agricultura chegam a 269 milhões de reais; no setor do comércio, 84% dos
empresários foram afetados, com prejuízos de cerca de 469,29 milhões de
reais; na indústria, das 278 empresas do sistema Firjan, 68% foram
prejudicadas e 153 milhões foram levados do setor junto com a enxurrada.
Os governos federal e estadual investiram mais de 800 milhões de reais
na região serrana. A última leva a ser depositada nos cofres do Rio será
da ordem de 320 milhões oriundos da União para a drenagem dos rios e
contenção de encostas. No entanto, a corrupção e a forma desastrosa como
os recursos são administrados ainda não foram capazes de garantir que
mais gente venha a morrer nas próximas chuvas. Para quem visita os
municípios, a sensação é de que a verba escorreu pelo ralo antes mesmo
de a lama secar.
Teresópolis – A cidade de Teresópolis foi atingida por duas tragédias em sequência. A primeira, a chuva. Em seguida, veio a
catástrofe da corrupção.
Irregularidades nas obras contratadas pela prefeitura levaram a
Controladoria Geral da União (CGU) a determinar a devolução de 7 milhões
de reais destinados à reconstrução da cidade. O que se descobriu foi
que empresários e autoridades municipais combinaram um esquema de
propina para aproveitar a chegada dos recursos e as facilidades para
fechar contratos emergenciais. O prefeito Jorge Mário foi afastado do
cargo.
André Oliveira
Eliane e Adão em frente à casa construída por eles, com autorização do
município e, agora, condenada: família voltou a morar em local onde
pode ocorrer nova tragédia
A crise política em que mergulhou a cidade prejudicou ainda mais o
pouco que estava sendo feito para evitar uma nova tragédia. E, por
enquanto, há poucos indícios de que a cidade seja capaz de resistir a
outra tormenta como a de janeiro. Nas áreas com casas condenadas, há
moradores que reocuparam imóveis marcados para demolição. Como alerta a
promotora Anaísa Marlhardes, a dificuldade de encontrar imóveis na
cidade faz com que, para algumas famílias, os imóveis condenados sejam o
único abrigo disponível.
“Teresópolis tem hoje um déficit de cerca de 13 mil moradias”, explica
Anaísa, considerando as cerca de 3.400 casas destruídas ou condenadas
pelo temporal e outras 11 mil que, em um estudo de 2006, foram
consideradas inadequadas, pela forma de construção e pela localização em
encostas e leitos de rios. “O ex-prefeito esvaziou os abrigos em dois
meses. Mas para onde foram essas pessoas? Não tenho provas, mas sabemos
na cidade que muita gente voltou para as áreas de risco”, adverte.
O motorista Adão Gutemberg, 37 anos, está atualmente em uma casa
marcada para demolição no bairro Campo Grande. Moram com ele a mulher,
Eliane Martins, e um filho de 10 anos. O imóvel não sofreu abalos
aparentes com os deslizamentos, mas está na chamada zona vermelha – como
são classificadas as áreas onde os imóveis não podem mais ser ocupados e
serão demolidos. A residência da família foi erguida junto ao leito de
um pequeno córrego que, nas cheias, transforma-se em rio. E, em uma
enxurrada como a de janeiro, revela-se uma corredeira.
“Nós mudamos e moramos por quase quatro meses de aluguel do bairro do
Rosário. Mas o lugar era pequeno. Resolvemos voltar para nossa casa, que
demoramos 20 anos para construir. A casa tem escritura, pagamos os
impostos e é nosso lar. Antes de qualquer demolição, eles tem que vir
aqui e nos dar uma garantia de outra casa, de indenização, seja lá o que
for”, comenta Adão. Como ele, Teresópolis tem milhares de moradores que
construíram legalmente em áreas que, tecnicamente, não podem ter
qualquer tipo de ocupação.
Adão e Eliane resistem, mas o perigo do local que atualmente ocupam é
indiscutível. Os muros de uma pequena construção que havia na frente do
imóvel, uma espécie de ‘lan house’ improvisada, foram derrubados pela
enxurrada. E, atualmente, não há quem oriente os moradores que ocupam as
encostas condenadas. “Eles vieram aqui e interditaram, mas não deram
qualquer satisfação. Ficamos sabendo do perigo através de vizinhos”,
conta Elaine.
O mecânico Edson Silva, 30 anos, também recebe o aluguel social. Mas
voltou a viver na mesma casa de dois andares onde morava antes da
tragédia. A casa parece intacta, mas está na área demarcada para
demolição, onde um novo deslizamento de terra é questão de tempo. Os
três irmãos com quem dividia o imóvel não quiseram voltar. “Eu recebo
aluguel social, mas vivo aqui para proteger minha casa, meu patrimônio.
Meus irmãos ainda não conseguiram o benefíci”, conta. O medo é de que a
casa construída por ele seja demolida. “Não acredito que todos serão
indenizados. É muita gente. Prefiro ficar aqui tomando conta do que é
meu”.
(Com reportagem de André Oliveira)
A
DANÇA DA IMPUNIDADE
Na semana passada,
depois que seu colega petista João Magno escapou da cassação, a deputada
Angela Guadagnin (PT) de S. J. dos Campos , SP ) ensaiou uma dança comemorativa no plenário da Câmara.
Magno recebeu mais de 400 000 reais do valerioduto. O escândalo que foi
sua absolvição deveria ser recebido em silêncio, mas Angela achou por
bem festejar. Foi um retrato grotesco do cinismo na política.