Ahmadinejad é sequência da Revolução Iraniana de 1979, que pôs fim ao regime monárquico do Xá Mohamed Reza Pahlevi, acusado de corrupto e violador de direitos humanos, tanto quanto os seus sucessores revolucionários. Durante a Segunda Guerra, o país foi invadido pelo Reino Unido e pela União Soviética, que visavam a controlar seu petróleo.
Reza Pahlevi ascendeu ao poder, apoiado pelos britânicos e americanos, em 1953, e se tornou algoz dos xiitas (futuros revolucionários de 1979) e dos democratas e socialistas de todos os viéses.
Em 1979, o Xá – como já mencionado – cai, com a chegada ao país, depois de longo exílio parisiense, do Aiatolá Khomeini, que fundou um Estado islâmico, teocrático, conservador, baseado na Lei do Talião.
As relações entre Irã e Estados Unidos se deterioram com a própria Revolução, uma vez que este último apoiava o Xá, e, logo em seguida, se agravaram, ainda mais em 1979, quando estudantes fizeram funcionários da Embaixada americana em Teerã reféns.
A primeira eleição de Ahmadinejad, em 2005, por si só, sem qualquer acusação de fraude na contagem dos votos como na de 2009, exacerbou as relações entre estes países em virtude da aceleração do programa nuclear iraniano. O ministro Celso Amorim, em visita a Teerã, há um ano, afirmava que o programa de Ahmadinejad se revestia de fins pacíficos – o que caiu por terra com a descoberta, agora, de uma segunda usina para produção de armamentos atômicos.
O Irã possui cerca de 70 milhões de habitantes. Integra a OPEP (Organização dos Países Exportadores do Petróleo), criada em 1960. Seus membros, entre eles a Venezuela, controlam 75% das reservas do mundo. Tendem, historicamente, a perder força com as energias limpas.
O ministro Amorim defende equidistância e pragmatismo nas relações internacionais e, por isso, o Brasil recebe Ahmadinejad – o que de plano provocará aumento de tensões nas relações com os Estados Unidos e com Israel. Ahmadinejad adiou sua vinda: ela deveria ter ocorrido em maio deste ano.
À visita do presidente iraniano seguir-se-á, em dezembro, a de uma delegação comercial, para tratar do aumento do comércio entre os dois países, especificamente do comércio petroquímico, que domina as exportações do Irã ao Brasil; por seu turno, os empresários brasileiros pretendem exportar etanol, aviões e crédito (dinheiro), ante as sanções econômicas impostas pelos Estados Unidos ao país dos Aiatolás. No momento, as empresas brasileiras vendem alimentos e máquinas ao Irã. As negociações entre os dois países oscilam em torno de dois bilhões de reais por ano, numa balança que favorece o Brasil.
Resta agora avaliar os custos e benefícios dessa visita para a imagem e as relações comerciais do Brasil no mundo. Há aqueles que veem na Doutrina Bush – centrada na Guerra contra o terror – um afastamento inevitável dos Estados Unidos da Doutrina Monroe, de 1823, formulada um ano após a independência brasileira, que pregava que "as Américas são dos americanos" e implicava alinhamento automático, espontâneo e/ou mediante intervenção militar aos Estados Unidos, que destituíram cerca de 40 governos na América Latina no século 20. As relações entre Irã e Cuba são antigas e sólidas. A relação entre Venezuela e Irã é inerente, haja vista a OPEP.
A ação externa iraniana deu uma guinada com Ahmadinejad em 2005: ele intenta se aproximar de toda a América Latina, para atenuar o isolamento político e econômico imposto ao seu país pelos americanos e europeus e pelo cerco que lhe impõe Israel. Hugo Chávez abriu as portas para Ahamadinejad na Bolívia, Equador, Paraguai e Nicarágua. Mesmo "independente" a ação do governo brasileiro tende a ser lida, do ponto de vista internacional, nesse contexto chavista.
Venezuela, de Chávez, e Irã, de Ahamadinejad, são países antissemitas e antiamericanos. Na verdade, existe relativamente pouco comércio entre os países latino-americanos com a antiga Pérsia, na casa 35 bilhões de reais. O que há é uma articulação política por meio da economia – com base ainda em estilemas da Guerra Fria e marcada, sobretudo, pela Guerra contra o terror. O Hezbollah é milícia paramilitar libanesa islâmica. Aflorou com a invasão israelense ao Líbano em 1982.
Ele – considerado terrorista pela ONU – atua livremente no Paraguai de Fernando Lugo e de seu ministro Alrejandro Hamed Franco, um de seus captadores de recursos. A Argentina se exclui desse panorama "bolivariano" em razão dos atentados terroristas antissemitas em Buenos Aires em 1994 no centro judaico AMIA; as investigações apontaram a presença de agentes iranianos nele.
Com a eleição de Barack Obama (apoiado, de modo aberto, ainda em campanha por Luiz Inácio Lula da Silva) faz ainda menos sentido a presença de Ahmadinejad oficialmente em Brasília. O comércio entre os países dar-se-ia sem a presença desse presidente, que – segundo a comunidade internacional – fraudou sua reeleição e se valeu de todos os mecanismos de repressão para calar os seguidores de Hossein Mousavi – o candidato "derrotado".
O Irã é um país de jovens de menos de 30 anos. É improvável que – com a internet – a Revolução de 1979 permaceça por mais muito tempo no poder. O Hezbollah – apoiado pelo Irã – possui bases na Venezuela. O Brasil protesta contra as bases americanas na Colômbia, com razão, mas, sem qualquer coerência, cala-se ante as bases do Hezbollah. Haja pragmatismo.
Em novembro de 2008, o Brasil solicitou ao Conselho de Segurança da ONU o arquivamento do dossiê sobre armas nucleares do Irã, pleiteando igualmente que ele permitisse o enriquecimento de urânio por Teerã. Imagino que queira garantir a bomba atômica para Hugo Chávez (que se encontrou sete vezes com Ahamadinejad em 2008) e, assim, criar pânico generalizado. O Palácio do Planalto apoia o programa nuclear iraniano, em termos oficiais. De acordo com a imprensa mundial, os membros do Hezbollah são poderosos comerciantes de DVDs e CDs piratas em toda a América do Sul – são contrabandistas mormente baseados na Tríplice Fronteira Brasil-Paraguai-Argentina.
A visita de Ahmadinejad acentua a linha de trabalho Sul-Sul – teoricamente correta – adotada pelo Brasil. Mas Ahmadinejad negou a existência do Holocausto, asseverando que ele foi utilizado como pretexto para "constranger a Alemanha". Ele ataca o Holocausto em virtude da existência do Estado de Israel, concluindo: "os judeus do mundo inteiro foram encorajados a emigrar para os territórios palestinos". Quer o fim do Estado de Israel e retroalimenta os judeus ortodoxos – bastante equivocados também, perpetuando o conflito israelo-palestino.
A Queda do Muro de Berlim foi inspirada na paz perpétua de Emmanuel Kant. Ahmadinejad executa homosexuais, frauda eleições, tortura opositores políticos, sustenta economicamente países falidos como Cuba e Nicarágua, para transformá-los em massa de manobra geopolítica. Com a retirada do projeto de escudo antimísseis da Polônia por parte dos Estados Unidos, a Rússia deixou de ser aliada automática de Ahmadinejad. Condenou à época oficialmente sua negação do Holocausto. A China é a maior credora dos Estados Unidos em profunda depressão econômica – as duas maiores economias do mundo estão interligadas umbilicalmente.
Por isso, não se compreende bem a insistência do governo brasileiro em receber um ditador, o que, inclusive, viola o compromisso do país com a Carta de Direitos Humanos da ONU e degrada sua positiva intervenção em Honduras. A única hipótese que legitima essa visita é a de o Brasil tentar engajar o Irã em negociações internacionais que, por um lado, interrompam seu programa de armas nucleares, seu antissemitismo, sua tirania, e que por outro – concomitantemente – façam suspender as sanções norte-americanas e impeça Israel de "produzir" mais colônias e ódios. Caso contrário, vai parecer aos olhos da comunidade internacional que, neste ponto, o Brasil tornou-se massa de manobra de Chávez.
Prefiro Omar Kaiyyam (1048-1131) – o grande poeta persa – que escreveu o seu transmilenar Rubaiyat em farsi: “Que vale mais? / Exame de consciência / sentado na taverna?,/ ou prostrar-se submisso numa mesquita? / Pouco me importa / O Senhor / e o destino que me reserva”.