A empresária conta que o trauma sofrido na infância a tornou obesa e diz o que fez para recuperar sua autoestima
Claudia Jordão
PLÁSTICA
Lucilia lamenta que as mulheres não revelem o que deu errado nas cirurgias
Na última década, Lucilia Diniz, 54 anos, se tornou exemplo de superação e alegria. No início dos anos 2000, desceu dos 120 para os 60 quilos e virou sinônimo de qualidade de vida, alimentação saudável e festas de arromba, regadas de celebridades do calibre de Hebe Camargo. Nesse período, a caçula de sete filhos de Floripes e Valentim, fundadores do Grupo Pão de Açúcar, e irmã de Abilio, controlador da empresa, também se tornou escritora e uma empresária de sucesso. É dona da linha de produtos alimentícios Good Light, à venda nos principais supermercados do País, e está prestes a lançar seu nono livro, “Comer Light”. Nesta entrevista, Lucilia revela, pela primeira vez, uma passagem forte de sua biografia, envolvendo um tema tão espinhoso quanto presente: o abuso infantil. Lucilia afirma ter sido abusada sexualmente aos 7 anos de idade, diz que foi obrigada a conviver com o seu agressor e que o trauma teria contribuído para sua obesidade. Três casamentos, três filhos e três netos depois – o terceiro nasceu na semana passada –, Lucilia se diz aberta a um novo casamento. “Não há nada melhor do que um homem e uma mulher vivendo na mesma sintonia. Duro é sincronizar as estações”, diz, com o bom humor habitual.
"A minha gordura foi construída como a armadura de uma
personagem que teve de aprender a se defender desde criança"
ISTOÉ – O maior drama da mulher moderna é querer manter-se jovem e bonita. Envelhecer tira o seu sono?
Lucilia Diniz – De maneira alguma. Mulher que perde o sono porque está envelhecendo, na verdade, também está emburrecendo. No meu caso, quanto mais amadureço, mais jovem me sinto.
ISTOÉ – Quantas plásticas já fez?
Lucilia – Fiz várias plásticas por conta do meu emagrecimento. Quem sai dos 120 quilos e chega aos 60 fica com muita pele sobrando. As outras acabaram sendo consequência das primeiras. Nunca me arrependi de uma plástica, mas já me arrependi do cirurgião. Há muito tabu em torno da escolha do médico. As mulheres escolhem um nome conhecido, têm problemas no pós-operatório, mas não contam a ninguém! E quando você escolhe o mesmo cirurgião e acontece com você, aquela amiga vem e diz: “Comigo também aconteceu.” “Ora, e por que você não me contou antes?”, dá vontade de perguntar.
ISTOÉ – Plásticas são essenciais para a autoestima?
Lucilia – Acredito no contrário: que a autoestima é essencial para fazer plástica. Quem não gosta de si mesma tem que se resolver na terapia, e não na plástica! Plástica para mim serviu para consagrar um sentimento de bem-estar e autoestima que já estava em mim. Quem faz plástica achando que vai parecer mais nova já começa mal. A única maneira de combater os efeitos da idade biológica é de dentro para fora, com exercícios físicos e boa dieta. A plástica é apenas a cereja do bolo.
ISTOÉ – Teme engordar de novo?
Lucilia – Não. A maior de todas as lições é que tudo nesta vida exige conhecimento, coragem – especialmente para trazer seus fantasmas à consciência –, reflexão – sobre seus problemas para poder entendê-los – e determinação na procura de um novo caminho. Esse aprendizado é um caminho sem volta, é como aprender uma língua estrangeira. A obesidade é totalmente mental!
ISTOÉ – Sofreu discriminação quando estava muito acima do peso?
Lucilia – Claro que fui discriminada! Em ambientes frios, cruéis e que privilegiam as aparências – no qual eu fui criada –, ninguém gosta de ter gordo por perto. “Gordo é feio, ocupa espaço! Ah, não dá”, as pessoas pensam! Na escola, a gorda costuma conquistar sua aceitação apostando no estereótipo da amiga fofinha, engraçada, assexuada, confidente, que dá bons presentes e que não reclama quando fazem piada de seu corpo. Só que há momentos em que é muito triste desempenhar esse papel. Agora, o pior é ter sido obesa dentro de uma família machista, onde nem esse estereótipo funcionava. Aí, sim, é saber na pele o que é ser literalmente descartada.
ISTOÉ – Sentia-se menos desejada como mulher?
Lucilia – Se eu não me gostava, como poderia querer que alguém me desejasse? Aliás, não me sentia desejada nem como mulher nem como ser humano. Falo tudo isso sem querer generalizar. Estou dizendo como me sentia, não querendo dizer que toda gorda se sente assim. Afinal, têm muita gordinha de bem com a vida. Já a minha gordura foi construída como a armadura de uma personagem que teve que aprender a se defender desde criança. Uma personagem que foi abusada aos 7 anos de idade e obrigada a conviver com seu agressor... Se hoje falo isso é porque tenho certeza que comida não engorda. O que engorda é o sentido que damos a ela e também com quem fazemos nossas refeições.
ISTOÉ – Como foi essa história de abuso? Como isso ocorreu, quem foi?
Lucilia – Espero que você compreenda, mas não gostaria de me alongar sobre esse assunto.
ISTOÉ – Que tipo de mãe você é?
Lucilia – Acho que sou do tipo que até tenta ser durona, mas acaba se derretendo como uma manteiga. Tenho paixão pelos meus três filhos, apesar das discussões que rolam entre nós de tempos em tempos. Filhos são grandes “produtores de conteúdo” na nossa história de vida. Desde pequenos dão sustos. Quanto à educação, acredito muito no “falar menos e mostrar mais”. Uma coisa que eu faço, e que meu pai não fazia, é compartilhar minhas experiências e meu aprendizado. Mostrar que o essencial da vida é ser útil e produtivo.
ISTOÉ – Você conta que seu pai valorizava apenas os bem-sucedidos e que você chegou lá. Pensa da mesma forma em relação aos seus filhos?
Lucilia – Claro que não! Quero vê-los bem. Por outro lado, toda mãe quer ver seus filhos envolvidos em bons projetos.
ISTOÉ – Como é a sua relação com o seu irmão Abílio?
Lucilia – O Abílio é como meu pai: um homem que veio ao planeta com o propósito de cumprir uma missão grandiosa, de entrar para a história. Só que esse movimento pode ser muito doloroso para quem está ao seu lado. Entre buscar elaborar os conflitos e histórias que acompanham nossa família e se jogar no trabalho, ele optou por esse último caminho, com grandes visões e estratégias. Não há ninguém como ele. É um “ganhador de dinheiro”. E sou grata por isso.
ISTOÉ – Você dá grandes festas em sua casa. Precisou se livrar dos maridos para assumir o seu lado festeiro?
Lucilia – Dos maridos e de alguns namorados! Na verdade, hoje eu penso que tudo que não é alegre deve servir pelo menos para te ensinar algo. Se nem para isso serve, deve ser encarado como algo que está de passagem na sua vida e que precisa ser cortado. Sempre gostei de ser festeira! Papai tinha um salão de festas. Há algo em dar festas que me traz um enorme prazer. Adoro cuidar de cada detalhe pensando nos convidados. Mas esta é uma longa história que eu ainda estou decifrando.
ISTOÉ – Você é muito amiga de Hebe Camargo. Como foi vê-la superar o câncer?
Lucilia – A Hebe foi a pessoa com quem mais compartilhei coisas boas e ruins, alegrias e tristezas. Estar ao seu lado é gratificante, além de ser um grande aprendizado. Vivemos juntas vários momentos inesquecíveis, de Dubai à Disney. Em Nova York, aprendi com ela o quanto é importante ter a nossa individualidade. Entrávamos em uma loja, começávamos a ver algo e, dali a pouco, eu a procurava e descobria que ela já estava a duas quadras de distância, sempre rindo, como uma criança fazendo arte. A Hebe, tal como meu pai, não admitia falar em mal-estar ou doença. Pelo menos, comigo era assim. Se eu dissesse que estava resfriada, ela dizia, toda marota, que não sabia o que era aquilo! Tanto que quando os jornais começaram a noticiar seu quadro clínico e me ligavam perguntando como ela estava, eu decidi não falar nada enquanto não estivesse pessoalmente com ela. Sentia que a Hebe poderia ficar profundamente irritada com a quantidade de pessoas especulando sobre sua saúde. Quanto fui vê-la no hospital, não pude entrar.
ISTOÉ – Por quê?
Lucilia – Achei que ela não quisesse me ver, agindo como meu pai, que também não quis ver ninguém no hospital. Isso foi muito duro e me fez fantasiar um monte de coisas! Meus filhos viram meu sofrimento. Mas tudo na vida é aprendizado. Julgar jamais! Hoje nos falamos, mas não posso dizer que a ajudei naquele momento importante de sua vida. Ela superou tudo aquilo sozinha, como fazem as pessoas fortes e admiráveis. E continuo com meu eterno sentimento de gratidão pelo carinho enorme que ela sempre teve por mim, especialmente nos momentos que mais precisei.
ISTOÉ – Você e o cantor Latino já namoraram?
Lucilia – Ahhh! Isso já se falou tanto! O Latino é simplesmente um grande amigo, do tipo que te faz rir e que também te ajuda a fazer rir. Temos em comum o bom humor e o talento para a diversão!
ISTOÉ – Se casaria com um homem com menos dinheiro que você?
Lucilia – Casaria, sim, claro! Por outro lado, é evidente que eu preferiria um Eike Batista ao meu lado! Assim, viveria à custa dele e deixaria meu dinheirinho rendendo na poupança, bancando apenas os meus projetos!
ISTOÉ – Qual a melhor coisa que o dinheiro pode proporcionar?
Lucilia – Escolhas! E também a nossa liberdade.
ISTOÉ – Muitas mulheres associam a plenitude da vida sexual à maturidade. Acredita que a vida sexual melhora com o tempo?
Lucilia – Não posso falar por todas as mulheres. Penso que tudo está relacionado ao nosso relógio biológico. E é por conta disso que estou sempre dando corda no meu.
ISTOÉ – Acredita que sirva de inspiração para pessoas obesas que querem emagrecer e viver melhor?
Lucilia – Penso que tudo pode ser motivo de inspiração. Da mesma maneira que inspiro leitoras, também sou inspirada por elas. Tudo na vida é troca. Todo mundo que emagrece fica bem. Mas os desafios não param por aí. Afinal, emagrecer é só o começo. O difícil é manter-se saudável! E é sempre bom buscar exemplos de superação. Eu por exemplo, depois de tudo que havia vivido e de ter me acostumado a uma rotina de exercícios, fui diagnosticada com uma hérnia na cervical, o que me obrigou a usar uma pescoceira. Claro que bate uma revolta, você começa a se perguntar: “Pôxa, logo agora? Por que comigo?” Até começar a ouvir relatos de superação parecidos com os seus.
"O Abilio é como meu pai: veio ao planeta com a missão de entrar para a
história. Só que isso pode ser muito doloroso para quem está ao seu lado"
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