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segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

A multa municipal para o lirismo sentimental




Eça de Queiroz


No folhetim do Diário Popular de 24 de Junho lêem-se notáveis considerações de ordem moral. São em verso. O poeta dirige-se, na sua declamação solitária, a uma mulher.

Numa prosa anterior (prelúdio) escreve que a missão da arte é ensinar a amar (!) — e que na arte não entra realidade, justiça ou moral pública porque (acrescenta) a arte nada tem com os direitos civis. Colocado assim à larga, na anarquia da voluptuosidade e do lirismo, aí está o que o poeta expõe e ensina num jornal popular, com uma tiragem de 20.000 exemplares, que anda por cima das mesas e nos cestos de costura!

Começa por dizer:

— Que é bom amar no campo, à tarde e a sós!

Depois continua:

— Que prefere o campo, porque nas salas do mundo não lhe é dado beijar a mão dela às largas! Que o campo é livre e as sombras dão refúgio!....

Por fim acrescenta:

— Que queria que os raios cintilantes os cingissem a ele só com ela, erguidos em êxtase, longe de quanto é vil...

(Quanto é vil, na gíria da poesia lírica, é o mundo real, a família, o trabalho, as ocupações domésticas, etc.).

Dispensamo-nos de citar mais estrofes lascivas.

Aquelas bastam para legitimar as seguintes observações:

Nenhum jornal publicaria semelhantes teorias em prosa;

Nenhum homem que as escrevesse ousaria lê-las a sua filha, sem gaguejar, e sem comer palavras;

Nenhuma senhora que por acaso as tivesse lido ousaria citá-las.

Como se consente então a sua publicação em verso? A higiene não é só a regularização salutar das condições da vida física; nela devem também entrar os factos da moralidade. Se é proibido que um monturo imundo ou um cão morto corrompam o ar respirável das ruas — porque há-de ser permitido que um poeta, com as suas endechas podres, perturbe o pudor e a tranqüilidade virgem?

Há uma postura da Câmara que impõe uma multa a quem pronuncia palavras desonestas: porque não há-de ser igualmente proibido publicar idéias desonestas?

Um ébrio, um pobre homem a quem se não deu educação, a quem se não pode dar leitura, a quem quase se não dá trabalho, diz uma praga numa rua, ouvida apenas de três ou quatro pessoas, e vai para a cadeia ou paga uma multa de 3$000 réis. Um poeta lírico, esclarecido, aprovado nos seus exames, empregado nas secretarias, publica num jornal de cinqüenta mil leitores em letra impressa, permanente e indelével, uma série de desonestidades, e é apreciado, cumprimentado no Martinho, indigitado para uma candidatura!

Pedimos pois:

Ou que seja permitido livremente dizer na rua e no jornal pragas e desonestidades;

Ou que a multa da Câmara Municipal seja aplicada a todos — e que tanto o ébrio que não sabe o que diz à esquina de uma rua, como o poeta lírico que escreve, com reflexão e rascunho duma semana, ao canto dum jornal, paguem os 3$000 réis à Câmara, um pela sua praga, outro pela sua endecha.

Julho 1871


"E assim desses tempos ardentes me ficara a idéia duma campanha muito alegre, muito elevada, em que a ironia se punha rapidamente ao serviço da justiça. Todo êste livro é um riso que peleja."

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O Mandarim by José Maria Eça de Queirós

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Bibliographic Record Creator Queirós, José Maria Eça de, 1845-1900
Title O Mandarim
Credits Produced by Biblioteca Nacional Digital ( http://bnd.bn.pt ), Rita Farinha and the Online Distributed Proofreading Team at http://www.pgdp.net
Language Portuguese
LoC Class PQ: Language and Literatures: Romance literatures: French, Italian, Spanish, Portuguese
EText-No. 16384
Release Date 2005-07-29
Copyright Status Not copyrighted in the United States. If you live elsewhere check the laws of your country before downloading this ebook.
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Queirós, José Maria Eça de, 1845-1900
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A Cidade e as Serras (Portuguese)
A Cidade e as Serras (Portuguese)
El Mandarín (Spanish)
As Farpas: Chronica Mensal da Politica, das Letras e dos Costumes (1873-01/02) (Portuguese) (as Editor)
As Farpas: Chronica Mensal da Politica, das Letras e dos Costumes (1873-03/04) (Portuguese) (as Editor)
As Farpas: Chronica Mensal da Politica, das Letras e dos Costumes (1873-10/11) (Portuguese) (as Editor)
As Farpas: Chronica Mensal da Politica, das Letras e dos Costumes (1877-01/02) (Portuguese) (as Editor)
As Farpas: Chronica Mensal da Politica, das Letras e dos Costumes (1877-05/06) (Portuguese) (as Editor)
As Farpas: Chronica Mensal da Politica, das Letras e dos Costumes (1878-01) (Portuguese) (as Editor)
As Farpas: Chronica Mensal da Politica, das Letras e dos Costumes (1878-02/05) (Portuguese) (as Editor)
As Farpas: Chronica Mensal da Politica, das Letras e dos Costumes (1882-06/07) (Portuguese) (as Editor)
As Farpas: Chronica Mensal da Politica, das Letras e dos Costumes (1882-11/12) (Portuguese) (as Editor)
As Farpas: Chronica Mensal da Politica, das Letras e dos Costumes (1883-06) (Portuguese) (as Editor)
As Farpas: Chronica Mensal da Politica, das Letras e dos Costumes (1887-08/09) (Portuguese) (as Editor)
A Illustre Casa de Ramires (Portuguese)
O Mandarim (Portuguese)
As Minas de Salomão (Portuguese) (as Translator)
O Mysterio da Estrada de Cintra
Cartas ao Diário de Noticias (Portuguese)
A Relíquia (Portuguese)

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