O projeto de reforma do estádio Mané Garrincha, em Brasília – o mais caro entre as 12 cidades-sede da Copa do Mundo de 2014 –, ainda não saiu do papel, assim como na maioria das outras sedes do país. No caso da capital federal, porém, há ainda uma polêmica: por que Brasília, com pouca tradição no futebol, terá uma arena com capacidade para 71 mil pessoas? Nesta semana, o governador do Distrito Federal, Rogério Rosso, afirmou que não diminuirá a capacidade do estádio, como sugeriu o ministro do Esporte, Orlando Silva, e que já há recursos previstos para da início às obras neste ano. O valor do empreendimento, estimado em R$ 702 milhões, é 13 vezes superior, por exemplo, ao orçamento total da Secretaria de Esportes do GDF em 2010. A quantia prevista para ser aplicada até dezembro de 2012, prazo final dado pela Fifa para conclusão das arenas, é semelhante ao montante que a Secretaria de Obras do governo do Distrito Federal tem para usar neste ano, R$ 850 milhões. As obras no Mané Garrincha serão financiadas pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), R$ 400 milhões, e pelo GDF, que já desembolsou R$ 5,3 milhões com a elaboração dos projetos básico e executivo e vai pagar outros R$ 340 milhões na execução das obras. Representantes da entidade máxima do futebol estão no Brasil para visitar estádios e devem ir a Brasília no próximo dia 11. Segundo o governador, a cidade estará pronta para receber os jogos em 2014. “Reiteramos com o ministro [do Esporte] de que Brasília tem condições de ser a sede dos jogos. E mais, de trazer o jogo de abertura e ser sede do centro de mídia internacional”, afirmou Rogério Rosso. Ele afirmou que a licitação da reforma do estádio foi revista pelo Tribunal de Contas do DF e deverá ser realizada nos próximos dias. O governador falou ao Contas Abertas que não há um plano B para executar as obras do estádio devido aos prazos estabelecidos pela Fifa. Ele evitou falar em culpados pelo atraso nas obras no passado. Segundo ele, o dimensionamento do Mané Garrincha foi vislumbrado não apenas para a cidade sediar os jogos, mas sim também para abrir a Copa. “Com essa dimensão de estádio, Brasília pode, além de sediar a inauguração da Copa, trabalhar para ser o centro de mídia internacional, em virtude da proximidade do estádio com o centro de convenções. A Copa é um evento único”, afirma. Rosso acredita que essa proximidade agrega valor ao estádio. “É muito difícil um estádio desse tamanho não ser abertura de Copa. Além da abertura, nós também deveríamos ser o centro de mídia, até pela facilidade de deslocamento do centro de convenções ao estádio, pela proximidade com o setor de hotéis e pela facilidade de acesso ao aeroporto”, diz. Segundo cálculos feitos GDF, um estrangeiro gasta em média 500 dólares por dia em viagem à capital federal. Como serão 15 mil jornalistas para cobrir o evento durante aproximadamente 60 dias, considerando também um mês antes do evento, Rosso acredita que cerca de 1 bilhão de dólares serão injetados em Brasília. “Iremos movimentar 52 segmentos da economia. Boa parte do custo do Mané Garrincha será paga se abrirmos a Copa”, diz. O governador afirmou ainda que o projeto do estádio prevê espaço para abrigar restaurantes, lojas, espaços culturais e espaços culturais. De acordo com Rosso, a primeira fase das obras será realizada com recursos da Novacap (Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil) – responsável pela licitação das obras: R$ 80 milhões para este ano. “Além do BNDES, a Terracap (Companhia Imobiliária de Brasília) também será uma das financiadoras. O DF deve assegurar os recursos, porque são pagamento em longo prazo que não comprometem o caixa do GDF. A empresa que ganhar a licitação deverá entregar o estádio pronto até o prazo dado pela Fifa”, afirma. Elefante branco Para Paulo Henrique Azevêdo, especialista em gestão e marketing do esporte, um estádio para mais de 70 mil espectadores em Brasília apenas será usado efetivamente em jogos de seleção brasileira ou de times como Flamengo e Corinthians. Segundo ele, justificaria a construção de uma arena desse porte, por exemplo, na Bahia, onde a população torce, primeiramente, pelos times locais. “Brasília não tem essa capacidade. Aliás, poucas cidades no país têm. Por isso, é preciso pensar qual é a estratégia mercadológica para Brasília ter um estádio nessa dimensão?”, questiona. De acordo com o especialista, que também é líder de um grupo de pesquisa, gestão e marketing da educação física, saúde, esporte e lazer certificado pela Universidade de Brasília, o projeto de reforma do Mané Garrincha foi feito para “encher os olhos” da Fifa. “Tem de se pensar nos benefícios sociais e no legado que uma construção dessa deixará. Até agora, pelo que se sabe, não haverá nada disso”, diz. Azevêdo lembra que estádios com custo estimado em cerca de US$ 400 milhões são arenas de primeiro mundo na Europa e na Ásia, que ainda concentram centro de convenções, shoppings, espaços culturais e hotel. “Em Brasília, até hoje nós não sabemos como a obra vai ficar depois de pronta. Até hoje não tivemos acesso ao projeto. Não há transparência quanto a isso. Será que teremos mais um elefante branco? Será que agora, com as obras já atrasadas, não poderemos provocar mais superfaturamentos, como observamos nos jogos Pan Americanos do Rio de Janeiro em 2007?”, indaga. De acordo com o especialista, Brasília precisa urgentemente de uma política pública de esporte, o que, segundo ele, nunca existiu exceto no período de ditadura militar. “Historicamente, nunca se investiu nisso. O incrível é que o Distrito Federal é um dos locais do mundo com maior número de estádios por metro quadrado. Só que estão em situação precária por falta de manutenção. Mal tem banheiro para o espectador que o frequenta (foto ao lado, banheiro do Mané Garrincha)”, afirma. Vaidade política Para o cientista político Octaciano Nogueira, querer trazer o jogo de abertura da Copa do Mundo para Brasília é uma questão de vaidade da classe política local. “Brasília não tem tradição nenhuma de futebol. As obras do Mané Garrincha não irão mudar em nada a vida da população. Atualmente, pela televisão, é possível ver qualquer jogo do mundo com melhor conforto. Isso é uma exibição de vaidade”, acredita. Segundo ele, a capacidade do estádio poderia ser reduzida e o valor da “sobra” poderia ser aplicado em outras áreas, como saúde, educação e segurança. “O futebol é o esporte mais amado pelos brasileiros. Porém, o governo não deve se meter com esporte, se não viraremos um daqueles países autoritários como a União Soviética e atualmente a China. Esporte é da sociedade, dos profissionais e dos amadores. Já estamos fazendo um papelão diante da Fifa”, critica. Além da reforma do Mané Garrincha, estão previstos R$ 364 milhões para custear obras de mobilidade urbana em Brasília. |