Domingo, 16 de Agosto de 2009 | Versão Impressa
Gonçalo Vecina Neto: superintendente corporativo do Hospital sírio-libanês; Ele alerta que não se sabe a causa do agravamento da gripe nos mais novos; sobre remédio, diz que mau uso gera vírus resistente
Adriana Carranca
Para o Ministério da Saúde, porém, "o uso indiscriminado do remédio pode tornar o vírus mais resistente e abrir caminho para o surgimento de novas cepas" - posição reiterada pela pasta nas últimas semanas.
Em entrevista ao Estado, Vecina fala da doença e ressalta que a maior preocupação tem sido com gestantes e jovens. "Não sabemos qual a razão desse quadro respiratório agudo tão importante. E não estamos conseguindo lidar com ele adequadamente."
Suspender as aulas era inevitável?
A gripe veio para ficar. Fará seu curso no inverno, matará tantos quanto a gripe comum e a partir da primavera sua incidência vai diminuir. Então, para fazer sentido, as aulas tinham de ser suspensas até o fim do inverno. Duas semanas não adianta nada. A medida só se justifica do ponto de vista político porque, se morresse um aluno, a culpa toda iria recair exclusivamente sobre o governo. O que eu recomendo é o retorno das aulas e a proibição das crianças com sintomas de gripe de irem à escola (as aulas em São Paulo serão retomadas a partir de amanhã).
Mas o vírus não pode ser transmitido sem os sintomas?
No primeiro dia de transmissão, sim. Mas nós continuamos andando de ônibus e metrô, indo à igreja, frequentando locais fechados como os shoppings. Não faz sentido cancelar somente as aulas.
Se a letalidade do vírus A(H1N1) é igual à das gripes comuns, por que ela está sendo tratada de forma diferente?
Nós já estávamos preparados para a gripe aviária (H5N1), cuja letalidade é muito maior, mas transmitida do frango para o homem, e não de homem para homem. De repente, surge esse vírus e, quando os testes são feitos, descobre-se que se trata do H1N1, o mesmo das gripes asiática e espanhola, que mataram milhões de pessoas, embora em um momento diferente, muito mais delicado e de poucos recursos, após uma grande guerra e quando havia muita fome no mundo. Então, essa gripe foi muito mal vista. O México, no início, não tinha capacidade para fazer os testes para identificação do vírus. E na saúde pública e na medicina, a principal preocupação é não permitir que as coisas piorem. Então, a precaução é mais importante do que a disposição para curar.
No grupo de risco - grávidas, imunodeprimidos, pessoas com mais de 60 anos - a letalidade não é maior do que nas gripes comuns?
As grávidas têm dois fatores que as tornam mais vulneráveis: elas têm a imunidade e a capacidade pulmonar reduzidas, o que torna a sua defesa e condições respiratórias muito piores. Isso nos incomoda um pouco. Mas, até o momento, a letalidade entre elas é aparentemente a mesma das gripes comuns. No inverno de 2008, a gripe matou 17 pessoas por dia em São Paulo. A diferença é que 45% delas tinham mais de 80 anos. E, dessa vez, nos parece que os idosos estão sendo menos afetados. A suspeita é de que, como os idosos já passaram por duas epidemias do H1N1 - as gripes espanhola e aviária -, eles tenham adquirido maior resistência. Essa é uma boa notícia da gripe.
E a má notícia?
A má notícia é essa pneumonia que verificamos nos jovens infectados pelo H1N1. Isso está nos nocauteando. Não sabemos qual a razão desse quadro respiratório agudo tão importante. E não estamos conseguindo lidar com ele adequadamente. Se tivéssemos a causa para esse tipo de comportamento, estaríamos muito mais calmos.
Há uma recomendação especial aos jovens para evitar a doença?
As mesmas para todos, entre elas lavar bem as mãos muitas vezes ao dia. E quem está com gripe, ainda que não confirmado o H1N1, deve ficar em casa para evitar o contágio de outras pessoas. Por enquanto, é só.
O que o sr. achou da recomendação para que as grávidas sejam transferidas para funções administrativas?
Acho bom. Estamos fazendo o mesmo aqui no hospital. Deslocando as grávidas para outros setores, onde tenham menos contato com possíveis infectados. Também criamos uma "linha de frente" no atendimento com funcionários que já tiveram a gripe e estão imunes.
Mas, se a letalidade não é maior, por que tanta preocupação?
Porque aparentemente a capacidade de transmissão desse vírus é maior.
A atenção à nova gripe vem prejudicando outros atendimentos?
Os hospitais estão equipados e preparados para atender a uma epidemia. Mas, é lógico que, se realmente tivermos uma situação catastrófica, eu vou ter de deixar de atender outras doenças. As cirurgias eletivas, por exemplo, vão sofrer. Ninguém, hoje em dia, tem vagas ociosas porque manter um hospital custa muito caro. Meu hospital tem de estar com 80% da sua capacidade ocupada para não dar prejuízo. Então, é preciso se reorganizar.
Mas existe a possibilidade de uma "situação catastrófica"?
Por enquanto, não sabemos. Hoje, o que se pode afirmar sobre o H1H1 é que é transmitido como uma doença respiratória com índice de mortalidade dentro dos padrões de uma gripe comum. A única faixa que foge desse padrão e nos preocupa é a de jovens, entre 15 e 30 anos.
A distribuição em massa do Tamiflu (fosfato de oseltamivir) não pode criar uma cepa do vírus H1N1 resistente ao antiviral?
A resistência não se dá pelo uso do remédio, mas pelo mau uso. Se administrado da forma adequada e por tempo certo, o Tamiflu não cria cepas resistentes. Frente ao quadro viral, deve-se prescrever o remédio.
A quantidade do remédio disponibilizada pelo Ministério da Saúde é suficiente para isso?
Aparentemente, sim. O problema é que não temos como saber qual é o tamanho da epidemia antes que ela se instale. Só podemos prever e, de acordo com as previsões, a quantidade será, sim, suficiente. Não há ainda indícios de estarmos caminhando para uma catástrofe.
Não haver dose adequada para crianças não é uma preocupação?
A dose para adultos é adequada para crianças. Até agora, só não temos a dose adequada para os bebês, com menos de 1 ano. Mas, ela deve ser feita.
Quem é:
Gonçalo Vecina Neto
É superintendente corporativo do Hospital Sírio-Libanês
Foi diretor-presidente da Anvisa e secretário da Saúde do município de São Paulo na gestão de Marta Suplicy (PT)
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