Diplomacia
Battisti: Brasil tem poucas chances de escapar de Haia
Após negar extradição do terrorista, acordo com governo italiano é improvável e decisão caberá ao Tribunal Internacional de Justiça
Palácio da Paz, sede do Tribunal de Haia: governo italiano quer rever decisão do Brasil (Divulgação)
Não há empecilho jurídico ou diplomático para que a Itália processe o Brasil no Tribunal Internacional de Justiça, a Corte de Haia, na Holanda, depois que o governo brasileiro se recusou a extraditar o terrorista Cesare Battisti - condenado à prisão perpétua pela justiça italiana pela morte de quatro pessoas na década de 70.
A possibilidade de um acordo entre os dois países em uma comissão de conciliação é improvável, opinam especialistas ouvidos pelo site de VEJA. A comissão deve ser criada nesta semana. Mas não há sinais de que algum lado esteja disposto a ceder após o impasse criado em torno da questão. A abertura da ação em Haia - o mais importante órgão judiciário da Organização das Nações Unidas (ONU) - torna-se, portanto, cada vez mais próxima.
“O Brasil irá insistir no respeito à sua jurisdição interna e à Itália só interessa a extradição do Battisti”, diz o professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Leonardo Nemer Caldeira Brant, ex-jurista da Corte de Haia. “Não há nenhum meio termo, um denominador comum ou uma margem de negociação nesse caso”.
Jurisprudência - Inédito, o julgamento será um marco na trajetória de Haia e servirá de jurisprudência para casos semelhantes. Em pauta, o questionamento suscitado pela Itália: o governo brasileiro violou o tratado bilateral de extradição quando decidiu não enviar o terrorista de volta?
Desde que o Supremo Tribunal Federal (STF) manteve a decisão do ex-presidente Lula de não extraditar Battisti, ganhou força no meio jurídico uma hipótese: o Brasil poderia se recusar a ser processado, o que inviabilizaria a abertura do processo. “O tratado assinado pelos países abre espaço para que as controvérsias sejam resolvidas no tribunal”, explica o professor de direito internacional da Universidade de São Paulo (USP) André de Carvalho Ramos.
É nesse item que o governo italiano se ampara. Em 1954, Brasil e Itália assinaram a Convenção sobre Conciliação e Solução Judiciária. Ainda em vigor, ela prevê que os casos de controvérsia entre os dois países devem ser submetidos a uma comissão conciliatória com integrantes das duas partes. A comissão nunca chegou a sair do papel.
Nesta sexta-feira, a Itália formalizou o pedido para que os três integrantes do grupo sejam indicados e comecem a analisar o caso. De acordo com a assessoria de imprensa do Ministério das Relações Exteriores do Brasil, o governo brasileiro reconhece o tratado e deverá respeitá-lo. O texto da convenção deixa claro que se os países não chegarem a um acordo em quatro meses terão de se submeter a Haia.
Redução de pena - O advogado Nabor Bulhões, que representa o governo italiano, destaca que o país tem muito clara sua intenção. “A Itália quer que o tratado de extradição com o Brasil seja cumprido e concorda em reduzir a pena de Battisti para 30 anos e deduzir dela o tempo que ele já ficou preso, como prevê o tratado”, informa.
Segundo Bulhões, o governo italiano quer exercer o direito de ter a decisão brasileira revista, já que acusa o Brasil de ter desrespeitado o tratado de extradição. Quando Lula decidiu manter Battisti em território nacional, a Advocacia-Geral da União (AGU) argumentou que o terrorista poderia sofrer “atos de perseguição e discriminação” caso voltasse a seu país. Os italianos alegam que a justificativa brasileira fere sua imagem democrática. E que os crimes praticados pelo terrorista foram comuns, sem conotação política.
Como a Corte de Haia nunca julgou um caso que envolvesse extradição, o resultado abrirá um precedente. “Há uma probabilidade grande de o Brasil perder. A Itália pode alegar que se subordina permanentemente ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos, que já garantiu não ter havido problemas no julgamento de Battisti”, ressalta o professor André de Carvalho Ramos.
Battisti, o homicida - Seis ministros do Supremo fazem do Brasil, a partir de hoje, o Cafofo do Osama
Acompanhei ontem a sessão do Supremo Tribunal Federal que acabou resultando na liberdade do homicida Cesare Battisti. Condenado à prisão perpétua pelo assassinato de quatro pessoas, em circunstâncias que evidenciam, ademais, asquerosa covardia, o facinoroso é agora hóspede de nossa generosidade, de nosso bundalelê jurídico. Escrevi vários posts a respeito.
Cumpre lembrar rapidamente: então ministro da Justiça, contrariando parecer do Conare (Comitê Nacional para os Refugiados), Tarso Genro concedeu refúgio a Battisti, condenado por crime comum na Itália. Tarso apelou a algumas falácias para tomar a sua decisão: como se fosse corte revisora da Justiça italiana, apontou vícios nos processos que resultaram na condenação — que se provaram falsos! — e acusou a Itália de viver, à época, um período de exceção. Também é mentira. Tratava-se, como se trata, de um estado democrático. Alegou ainda que, se devolvido à Itália, Battisti correria o risco de sofrer represálias.
A República italiana apelou ao Supremo, e o tribunal entendeu que a concessão do refúgio era ilegal. Numa votação confusa, ficou decidido que caberia ao presidente decidir pela extradição de Battisti “nos termos do tratado” existente entre os dois países. Lula decidiu manter Battisti no Brasil CONTRA O TRATADO e contra decisão do próprio Supremo.
Seis ministros — Luiz Fux, Carmen Lúcia, Joaquim Barbosa, Ricardo Lewandowski, Ayres Britto e Marco Aurélio de Mello — entenderam que o presidente da República decide soberanamente se concede ou não refúgio. A ser assim, como bem lembrou Cezar Peluso, STF para quê? Para atuar como mero “parecerista” do Executivo, sendo, ainda assim, ignorado por ele? É uma piada!
Gilmar Mendes leu o seu brilhante voto ao longo de duas horas. Todas as teses levantadas contra a extradição foram desmontadas com rigor e método, mas foi inútil. Àquela altura, uma decisão de natureza política já tinha sido tomada. Tanto é assim que, na linha do procurador-geral da República, Roberto Gurgel, os ministros que soltaram Battisti também entenderam que era inadmissível o recurso do estado da Itália contra a decisão de Lula. Ora, o governo da Itália só recorreu ao Supremo porque, afinal, há um tratado entre os dois países.
Mas quê! Luiz Fux, que parece estar decidido a se comportar como “Luiz Lux”, resolveu iluminar as mentes com um nacionalismo de tal sorte exacerbado que quase levanto da cadeira e começo a cantar o Hino Nacional. Entendi que, quando um governo estrangeiro, com base em um tratado celebrado com o Brasil, recorre à nossa Suprema Corte, está cometendo uma grave agressão à nossa soberania, uma verdadeira ofensa! Se não me engano, e eu não me engano, o governo brasileiro recorreu à Justiça de Mônaco para extraditar Salvatore Cacciola para o Brasil. Tarso Genro foi pessoalmente àquele principado. No Brasil, a Itália apenas contratou um advogado. O governo brasileiro faz questão que alguém que tenha cometido crime financeiro cumpra pena no país, mas acha uma violência e uma agressão que a Itália queira que um cidadão daquele país, condenado por quatro homicídios, cumpra pena em solo italiano.
Eu discordo frontalmente da opinião dos seis ministros, mas ressalvo que, ao menos, Marco Aurélio de Mello e Carmen Lúcia limitaram-se a argüir a discricionariedade do presidente da República para extraditar ou não. Acho a tese insustentável, mas entendo seus motivos. Os outros quatro… Definitivamente, enfiaram o pé na jaca! Joaquim Barbosa chegou a chamar a Itália de “potência estrangeira”; em colaboração com Ayres Britto, as autoridades italianas foram tachadas de “algozes”, pessoas que “perseguem” o pobre Battisti. Britto evocou os tais direitos humanos, o que obrigou Mendes a questionar se o que caracteriza um homicida não é, afinal de contas, matar… humanos!!!
Mas quê… Marcando o ritmo de seu discurso com o indicador atuando como um martelinho a escandir sílabas, Fux dizia que também cabia ao Supremo zelar pela soberania do país, que estaria sendo agredida, imaginem vocês, pela “potência estrangeira”, como diria Barbosa, que ganhou o troféu do pior argumento do dia duas vezes! Não contente em fazer uma analogia absolutamente descabida, ele a repetiu com um exemplo ainda pior.
Dada a atual maioria do Supremo, o presidente concede refúgio ou extradita quem bem entender, inclusive criminosos comuns — Battisti foi condenado por crime comum. Basta que, para tanto, o governo brasileiro chame seu ato de “político” e alegue haver “perseguição”. Como bem lembrou Gilmar Mendes, o país que ambiciona um lugar permanente no Conselho de Segurança da ONU diz ao mundo: “Por aqui, tratados bilaterais não valem nada”.
A partir desta quinta-feira, o Brasil se tornou um bom refúgio para larápios de amplo espectro, como se já não bastassem os nativos. Ratko Mladic, o carniceiro sérvio, deveria ter escolhido as nossas praias. O mesmo deveria ter feito Osama Bin Laden. O pessoal do Casseta & Planeta, se antecipando ao Supremo, fez a piada primeiro.
A partir de hoje, o Brasil é o Cafofo do Osama.
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