Depois da abertura com um filme de caráter mais comercial - "Ensaio sobre a Cegueira", de Fernando Meirelles -, o Festival de Cannes começa a exibir fortes filmes de autor, que possuem mais o perfil da competição.
O argentino Pablo Trapero - de "Família Rodante" e "El Bonaerense" - estréia na disputa com "Leonera", no qual oferece ao brasileiro Rodrigo Santoro um papel de poucas cenas e muita carga dramática. Com planos bem cuidados, uma forte atuação da protagonista e um despojamento completo do melodrama, é um dos filmes mais bem resolvidos do jovem cineasta.
"Leonera" conta a história de Júlia (Martina Gusman, mulher do diretor), uma mulher presa pela morte do namorado que esta grávida e dá à luz o filho na prisão. O filme explora um traço particular da legislação penitenciária argentina: as presas podem cuidar de seus filhos na cadeia até que eles completem quatro anos de idade.
O título do filme faz referencia à mãe-leoa, que cuida obstinadamente de seu filho, e também a um espaço de transição onde ficam as presas ao sair das celas, como o trâmite por que passa a personagem ao longo de quatro anos.
Júlia não se lembra das circunstâncias do crime e culpa o amante do marido, Ramiro (Santoro), com quem também acabou se envolvendo. Apesar de Ramiro aparecer em poucas cenas, em visitas à protagonista na cadeia, pelos diálogos e conflitos entende-se a relação complicada e o amor que um sentia pelo outro dentro de um triângulo amoroso.
"Foi um grande desafio desenvolver esse personagem tão intenso, que mantinha uma relação com um homem e com uma mulher e fica balançado ao saber que aquele menino que vive na cadeia pode ser seu filho", disse Santoro na coletiva.
ENTREVISTA-Santoro mergulha em Cuba para viver Raúl Castro
Por Fernanda Ezabella
SÃO PAULO (Reuters) - Os olhos de Rodrigo Santoro e um certo atrevimento podem ter garantido ao ator um de seus papéis mais polêmicos. O brasileiro será o cubano revolucionário Raúl Castro no filme "Che", de Steven Soderbergh, que o levará nos próximos dias ao Festival de Cinema de Cannes.
O filme, que conta com o apoio do Centro Che Guevara, em Havana, faz uma adaptação dos diários de Che durante a revolução que começou em Cuba, ao lado de Fidel Castro e seu irmão, Raúl, nos anos 1950. "Che" tem mais de quatro horas de duração -- na verdade são dois filmes, "O Argentino" e "Guerrilha" -- e será exibido em duas partes no festival.
Esta será a segunda vez de Santoro em Cannes, após sua ida com "Carandiru" cinco anos atrás. Ele também estará no festival com o argentino "Leonera", que assim como "Che" é falado em espanhol e está na competição do festival. O evento abre na quarta-feira.
"Sabia que era um personagem delicado e muito polêmico", disse Santoro à Reuters sobre o papel de Raúl Castro, hoje presidente de Cuba. "Como ator, o que eu tenho que fazer é tentar incorporar um ser humano. Não vou fazer uma análise política, eu não posso julgá-lo", disse.
"Eu estou fazendo não o Raúl Castro. Eu estou fazendo o Raúl, o ser humano, o camarada que viveu aquela revolução."
Para fugir dos "estereótipos" que afirmou ter encontrado na Internet, Santoro embarcou em uma longa viagem a Cuba, durante quase dois meses. Visitou Sierra Maestra, de onde Fidel comandou a revolução, e a casa onde os irmãos nasceram.
"Adorei a ilha, passei dias maravilhosos, adorei as pessoas, a energia", disse Santoro por telefone. "Naturalmente é um mundo paralelo ... nem dá pra ficar descrevendo", disse.
"Mas ficou totalmente guardado no meu coração. Eu me sinto um pouco cubano. Foi muito forte a experiência."
OS OLHOS DE SANTORO
Antes de toda essa emoção, no entanto, Santoro teve que batalhar muito para conseguir qualquer papel no filme, um projeto que vinha se arrastando havia cinco anos. O ator disse que pediu a seus agentes para conseguir uma conversa com os produtores de "Che", já que havia perdido o casting de atores.
"Conversando com a produtora, ela me falou que havia mexicanos, argentinos, venezuelanos no filme", disse. "E me ocorreu uma coisa e eu disse para ela 'mas não tem nenhum brasileiro, e o sonho do Che era fazer a revolução no América Latina inteira, e está faltando um brasileiro"', disse, rindo da própria ousadia.
"Ficou uma coisa assim meio cômica, mas acho que funcionou."
Uma foto de Raúl Castro jovem, na época do ataque ao quartel de Moncada, em 1953, também ajudou. "Ele tinha os olhos puxados. E acho que eles (os produtores) viram isso e pensaram 'tem um olhar aqui, uma semelhança física grande"', disse.
O filme, que tem Benício Del Toro como Che, foi rodado em diversos países, mas Santoro só participou das filmagens em Porto Rico e México. Por não ter visto o filme ainda pronto, Santoro diz estar bastante ansioso com a ida a Cannes.
"Essa coisa de quantas cenas, quantas falas, toda essa história, eu realmente não posso te dizer porque o filme passou por um processo de edição muito longo, são dois filmes, tem muita coisa, muitos personagens", disse.
DE VOLTA À PRISÃO
Em Cannes, Santoro estará também com a equipe de "Leonera", do argentino Pablo Trapero. Ele faz uma participação como Ramiro, um estrangeiro que vive há muito tempo em Buenos Aires e se envolve numa trama de mistério e assassinato.
Assim como em "Carandiru", onde fez o travesti Lady Di, as cenas de "Leonera" foram rodadas em presídios de verdade, como o de Olmos, maior penitenciária de segurança máxima do país.
"O ambiente de confinamento produz um cheiro, uma energia, uma coisa muito específica, pesada", disse. "E isso ajudou porque o Ramiro é meio que um estranho no ninho. Ele é jogado ali, e o ambiente ajuda (na interpretação)."
Deixando de lado papéis tão pesados, Santoro está no momento em Nova Orleans, rodando "I Love you Phillip Morris", ao lado de Jim Carrey e Ewan McGregor.
O filme, que deve estrear em fevereiro de 2009, é baseado em uma história real, uma espécie de drama contado com humor. Santoro é Jimmy, por quem o personagem de Carrey se apaixona antes de ir preso por estelionato.
Os três atores fazem personagens gays e chegaram a frequentar boates gays de Miami para entrar no clima.
"Foi um laboratório, para estudar mesmo. A gente deu uma saída para pesquisar (...) para conversar sobre o trabalho, sobre o que íamos fazer", disse Santoro, fotografado de camisa aberta e braços dados com Carrey, em uma cena do filme divulgada recentemente.
Em Cannes, Rodrigo Santoro defende o cinema brasileiro
Ator responde à crítica de jornalista sobre 'internacionalização' indicando filme de Matheus Nachtergaele
Flávia Guerra, enviada especial a Cannes
CANNES, França - "Estou muito feliz de estar aqui com dois filmes. É um momento muito especial para o cinema brasileiro e latino-americano. E saiba você que o cinema brasileiro não é todo feito para ser globalizado e internacional. Há muitos filmes que não são feitos pensando no mercado. Um deles, que recomendo a você, é
A Festa da Menina Morta, de um grande ator chamado
Matheus Nachtergaele. Ele concorre aqui e passa no dia 21 na sessão do
Certain Regard. Não perca", disse
Rodrigo Santoro nesta quinta-feira, 15, em Cannes.
O ator respondia a um jornalista que, na coletiva de imprensa de seu mais novo filme, Leonera (do argentino Pablo Trapero, diretor de filmes como de Familia Rodante, que concorre a Palma de Ouro), comentou: "Parabéns ao cinema argentino. Diferentemente do cinema mexicano e brasileiro, ainda consegue fazer bons filmes locais e não se render "à internacionalização".
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'Blindness', de Meirelles, não é fácil, mas intrigante
Fernando Meirelles abre Festival de Cannes em grande estilo
Em Leonera, Rodrigo faz o papel de Ramiro, um rapaz apaixonado por Julia (Martina Gusman) que, por amor, acaba cometendo um crime. Ramiro e Julia vão para a prisão. E Julia acaba dando a luz a um menino. "Foi uma preparação interessante. Porque tenho poucas, mas significativas, cenas no filme. Estabelecer a relação entre Ramiro, Julia e um filho menino que nasce em uma prisão em tão pouco tempo na tela foi um desafio muito bom", comentou o ator.
Como explicou Rodrigo, é sobre os primeiros anos de vida do filho que Julia tem na prisão, e de como criar uma criança no ambiente hostil de uma cadeia, que Leonera fala com delicadeza e sem apelar para a pieguice. "Depois que eu tive meu filho, passei a prestar mais atenção a este universo. E quis também falar desta relação, esta ligação única, que só as mulheres têm. A relação entre pai e filho é muito diferente da entre mãe e filho", declarou o diretor argentino, um dos nove realizadores do país que estão exibindo seus filmes em Cannes. "Fico também muito feliz com a boa fase do cinema argentino, latino-americano, e também do brasileiro. É importante ter esta janela para o mundo."
Rodrigo, que também vive Raul (o irmão de Fidel Castro) em Che, super produção de Steven Soderbergh (que será exibido no dia 21), contou que ainda não viu este novo filme, mas que está ansioso. "Ouvi coisas ótimas a respeito. Mas Steven ainda não mostrou para a gente. Vou ver com todos, na sessão para o público", contou o ator, que na quarta-feira à noite prestigiou a festa de Blindness, de Fernando Meirelles.
Após a sessão de gala, que rendeu mais de cinco minutos de aplauso ao filme de abertura do festival, Meirelles e equipe jantaram no Hotel Carlton e receberam os convidados em uma festa na praia. O espaço da Plage do Carlton contou com a presença de Julianne Moore, Alice Braga, Danny Glover, Gael Garcia Bernal e outros. E o filme saiu com gosto de, como observou o jornalista chileno, "cozinha internacional", mas de altíssima qualidade.