Depois de ver as entrevistas de Dilma Rousseff na TV e as reportagens sobre a sua eleição, já não tenho mais a menor dúvida. Os que a escolheram foram mesmo enganados. Votaram, sei lá, na “muié do Lula” ou até na pessoa que lhes pareceu a mais competente e acabaram elegendo Madre Teresa de Calcutá. A petista não tem nem mesmo aqueles pequenos defeitos que tornam críveis as qualidades de qualquer pessoa. Nem a sua proverbial rispidez surge como um contraponto mínimo. Ao contrário: é uma estratégia de ação e evidencia seu zelo pela coisa pública. Desde que nomeou Erenice Guerra no Ministério das Minas e Energia, Dilma não aceita que nada dê errado!
“Est modus in rebus”, escreveu Horácio: “Há uma medida nas coisas!”. A arte, queria Aristóteles, como representação da realidade, não podia ser inverossímil, ainda que fosse falsa. Talvez o jornalismo devesse também seguir a máxima da mimesis aristotélica. Se a verdade anda difícil no jornalismo, que se opte pela representação comedida ao menos. Ouvi ontem até no Jornal da Globo, no geral muito correto, um repórter afirmar que “Dilma já fez história” porque é a primeira mulher a ser eleita presidente do Brasil. Digamos que seu governo seja péssimo: terá feito história porque foi a primeira mulher a fazer um péssimo governo? Est modus in rebus! Dilma não precisa ser protegida de si mesma. O Brasil elegeu uma presidente da República, não um mito.
Isso não é bom. Isso, na verdade, é péssimo! Terá sido FHC o último brasileiro comum a nos governar? Depois dele, seremos governados apenas por mitos ou por “categorias inaugurais”? “O primeiro operário”, “a primeira mulher”… Que “primeiro” TERÁ DE VIR depois? O “primeiro negro”, o “primeiro japonês (nascido no Brasil por exigência constitucional), o “primeiro “fenilcetonúrico”, o “primeiro alérgico a gergelim” (que é o meu grupo!)? Voltaremos, um dia, a ser governados por brasileiros natos, alfabetizados, com 35 anos ou mais? Isso é uma tolice! Se o país é governado por um “operário” ou por “uma mulher”, o mandatário ou mandatária tende a ser poupado de seus próprios erros porque não se pode ofender a “minoria sociológica” eleita. Quantas vezes Lula foi muito além da conta sem que ninguém lhe cobrasse nada porque, afinal, vocês sabem, não podemos cobrar certas coisas de um operário…
Até a sua biografia já começa a ser reescrita com zelo. Ontem, no Jornal Nacional, um companheiro de militância de Dilma assegurou que ela nunca pegou em armas, embora tenha feito parte de dois dos grupos terroristas mais violentos que praticaram atentados durante o regime militar. Não teve? E fazia lá o quê? Suas ações concorriam para que objetivo? Trata-se apenas de respeito pelos fatos. Uma coisa é Dilma não ter sido condenada por participação no episódio A ou B da luta armada; outra, muito diferente, é não ter participado de ações violentas. Quem organiza, planeja ou organiza as finanças de grupos assim “participa” ou não?
Nesse ponto, gostaria — é só retórica argumentativa, claro — de ter um petralhinha aqui do lado para me perguntar: “Mas que importância tem isso?” Ora, a importância que tem a verdade. Se o tema é desimportante, por que a mentira? Se a mentira pode ser enunciada e anunciada, por que não a verdade? E sobre qualquer assunto: luta armada, aborto, liberdade de imprensa, dossiês, Erenice, a lei da gravidade….
A tese vagabunda
A petralhada, claro, está pegando no meu pé. Em primeiro lugar, não se conformam porque não estou deprimido. Contavam, sei lá, que eu fosse ficar uns três dias escondido debaixo da cama. E não é que, confesso, a eleição de Madre Teresa de Sófia até despertou em mim um ânimo novo? Mais tentam preservá-la de si mesma, mais eu escrevo para devolvê-la a si mesma.
Em segundo lugar, sustentam que, ao escrever o que escrevo, estou desrespeitando a maioria dos eleitores, que é choro de derrotado etc. Bem, quanto ao “choro de derrotado”, dizer o quê? Se acreditam nisso, por que não me ignoram e somem daqui? Quanto ao respeito à maioria, afirmo: desrespeitosos foram os setores do petismo que pregaram “Fora Itamar” em 1992 e “Fora FHC em 1999″; desrespeitoso foi Tarso Genro ao cobrar a renúncia de FHC no 19º dia do seu segundo mandato. Eu não! Exerço o direito de crítica. Fosse assim, seus abestados, nas democracias, só os derrotados seriam contestados, já que o contrário seria “desrespeito à maioria”; fosse assim, suas bestas lógicas, o valor intrínseco da democracia seria a antidemocracia. Espero que tenham entendido porque não vou colocar as duas mãos no chão para explicar.
Ademais, vejam quem está falando! Lula construiu a sua fortuna crítica construindo um edifício de mentiras sobre FHC, eleito e reeleito no primeiro turno, escolhas legítimas do povo. Enquanto fez oposição, jamais lhe atribuiu um miserável mérito. O petista o fez por amor à verdade? Por respeito à maioria? Eu reconheço méritos no governo Lula, sim. Não lhe concedo é a licença para degradar o estado de direito, para aviltar as instituições, para se comportar de modo indecoroso. São coisas absolutamente distintas!
E para encerrar
Finalmente, há os que insistem na tese do “preconceito”. Contra quem ou o quê? Contra a mais poderosa máquina eleitoral criada no país, que não respeitou quaisquer limites da legalidade? Ontem escrevi um texto que considero bastante esclarecedor e preciso sobre como essa questão se articula com a dita “legitimidade”. Não preciso de preconceito nenhum para criticar o PT. Bastam os fatos. O que se pretende com essa conversa é usar a “mulher” Dilma Rousseff para blindar a “presidente Dilma Rousseff”, assim como o “operário Lula” blindou o “presidente Lula”. Engraçado é que o “intelectual FHC” sempre foi usado para atacar o “presidente FHC”!
Prometi na madrugada de domingo, não foi?, que o blog voltaria na segunda, pouco importava o eleito. E continuará na terça, na quarta, na quinta… Agora, então, que Dilma se converteu à liberdade de imprensa (ver abaixo), eu fico ainda mais animado. Quando ouvi a presidente eleita falar isso na entrevista a William Bonner, no Jornal Nacional, fiquei superanimado e, confesso, pensei em mim mesmo. E disse cá com meus botões:
“Liberdade pra quê? Ninguém precisa de liberdade pra dizer ’sim’. A gente precisa ser livre é pra dizer ‘não’. Afinal, nas ditaduras também é permitido concordar”.
Sou grato a Dilma. Sua eleição me fez ter ainda mais clareza sobre o que eu penso e sobre o que ela pensa.