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segunda-feira, 19 de abril de 2010

No Rio a favela desaba e a Vila do Pan afunda


9 01 2009

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Não se limita ao leitor, como bons autores costumam atribuir, a escassez de memória. Curta é também a da imprensa, apesar dos Dedocs ao alcance de um comando no computador. Debitar a conta do desabamento de um prédio de sete andares na favela Rio das Pedras exclusivamente à fragilidade da construção e à ganância dos incorporadores é deixar barato demais.
Claro que tudo ali é frágil e quem na área constrói para vender ou alugar há muito mandou os escrúpulos às favas. Mas desde que foi plantado o primeiro barraco no lado da favela que margeia a lagoa da Tijuca ficou-se sabendo como se comportam os sólidos sobre o que a geologia chama de “solo turfoso”. É isso, leitor, turfa, uma espécie de argila escura composta basicamente por matéria orgânica. Dela é composto o solo naquele pedaço bagunçado do Rio de Janeiro.

Assim, somando-se a precariedade das construções com a instabilidade do solo, o espantoso é que não desabe um prédio por semana naquela área de Rio das Pedras. Claro que hoje o solo está muito mais firme. Resultado de milhares de caminhões de entulho que foram despejados na área em incontáveis noites nas administrações Conde e Cesar Maia.

Nos anos 1980, quando era um jornal, o Jornal do Brasil publicou a reportagem “A favela que afunda”. Revelava que todas as construções nesse trecho de Rio das Pedras (aberto à favelização no governo Brizola) eram gradativamente tragadas pelo solo. Um sujeito erguia um barraco de alvenaria e, perto de um ano depois, precisava curvar-se para entrar em casa porque o chão já estava na altura da janela. Como era o que lhe restava, criava um andar sobre a construção original. Mais um ano e o novo barraco, ao qual só chegava por escada, já estava nivelado ao solo.
Parece loucura, mas há hoje em Rio das Pedras barracos com quatro, cinco andares enfiados no subsolo. Esse foi um dos motivos por que a administração Conde não conseguiu promover algumas centenas de desapropriações na favela. O dono do barraco não admitia ser indenizado apenas pelo espaço em que vivia. Queria de volta todo o dinheiro enfiado chão adentro. Não havia grana que chegasse para pagar a festa.

A instabilidade da turfa foi empurrada para baixo, mas não desapareceu completamente. Como dois sólidos não ocupam o mesmo lugar, uma parte dessa lama fez levantar o leito da lagoa vizinha. A outra está lá, no subsolo. Dependendo do peso, o que for depositado na superfície dança.
O fenômeno é idêntico ao que ocorre neste momento na Vila do Pan, festejado condomínio plantado entre a lagoa do camorim e o rio do Anil.
Custou ouro em pó aos moradores, mas as fundações dos prédios aparentemente não foram suficientes para isolá-los da mobilidade do tal solo turfoso. De qualquer maneira, tanto no caso dos abonados da Vila do Pan quanto no da especulação imobiliária em Rio das Pedras o que se está fingindo que ninguém vê é a participação do poder público no crime.

Nos apartamentos do Pan, a prefeitura foi inepta ao licenciar construção inspirada em projeto incompetente. Os compradores estão chegando à Justiça contra os incorporadores e isso é briga para uma boa década. No desabamento da favela, a prefeitura tolerou a ocupação ilegal, o crime ambiental contra a lagoa e as margens e a construção irregular.
Nas administrações Luiz Paulo Conde e Cesar Maia as filas de caminhões de entulho atravessavam as madrugadas. Construíram-se milhares de terrenos na frágil margem da lagoa. O resultado é um dos maiores desastres urbanos do Rio. Na informalidade com que tudo foi feito, quem perdeu o que tinha no desabamento terá de queixar-se ao bispo. E não há garantia de que os prédios vizinhos não terão o mesmo destino.
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(Xico Vargas)



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