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quarta-feira, 24 de março de 2010

Os paradoxos de Cembranelli


O promotor Francisco Cembranelli, 47 anos, está acostumado a lidar com paradoxos. Filho do meio entre três irmãos, era quieto e tão tímido que sempre se sentava no fundo da sala de aula. Só encarava a lousa quando não conseguia ludibriar a professora encolhendo-se atrás de um colega. De certa forma, ao esconder-se, protegia-se da atenção que ainda hoje o seu olho esquerdo desperta.

Era domingo de carnaval de 1963. Com 2 anos, Cembranelli correu atrás de um cãozinho num terreno ao lado da casa da família, em Leme, Interior do Estado. No caminho, caiu num tanque com uma mistura de cal e água. Perdeu a visão por três meses, ficou com seqüelas e, coincidência ou não, segundo a mãe, Ana, jamais gostou de carnaval.

Foi contra a timidez o primeiro embate de Cembranelli . Ao assumir seu posto no Ministério Público, cobriu férias de um colega do Tribunal do Júri, onde são julgados os crimes contra a vida. Uma função que exige domínio de palco, habilidade para manter a atenção e para persuadir 7 pessoas que definirão o destino de um homem e, em certa medida, o de um promotor. Nada fácil para um tímido. Estudou o processo, pediu ajuda a colegas e pensou no que diriam de seu desempenho. Para quem carrega timidez, abraçar um fracasso na estréia seria um embaraço insuportável. Decidiu pedir transferência se fracassasse.

A profissão é a mesma do pai, Sylvio Glauco Taddei, que costumava trabalhar madrugada adentro acompanhado de um café e de uma máquina de escrever. Uma das lembranças que traz da infância é o som das teclas da velha Remington ecoando pela casa enquanto a família dormia. Se seguiu o pai - morto em 2006 vítima do mal de Alzheimer - no trabalho, venceu-o na escolha do time de futebol. Palmeirense, Taddei queria o filho como companheiro de paixão. Mas a época era de Pelé. Cembranelli persuadiu o pai a aceitá-lo santista e ainda levá-lo a assistir a um jogo na Vila Belmiro. O Peixe perdeu para o América por 3 x 1, mas foi Pelé quem fez o gol. Ir ao estádio com o pai virou um hábito, independentemente de quem jogava. E foi numa partida entre Guarani e América que o futuro promotor encontrou pela primeira vez o então juiz da cidade (Barretos) Caio Canguçu de Almeida, amigo de Taddei. Seus destinos cruzaram-se novamente semanas atrás. Hoje desembargador do Tribunal de Justiça (TJ), coube a Canguçu julgar os dois pedidos de habeas-corpus impetrados pela defesa de Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá, pai e madrasta de Isabella. O primeiro, que liberaria o casal da prisão temporária, foi aceito. O segundo, relativo à preventiva, negado.

Ao caso de estréia, em que o júri condenou o réu por 5 votos a 2, seguiram-se outros 60 só no primeiro mês de trabalho. Um treino intensivo para espantar a timidez. Prestes a completar 20 anos de carreira e 900 júris depois, Cembranelli imposta voz diante dos jurados, regula o volume, usa braços e mãos para compor um jogral de falas e gestos. O caso Isabella é o de maior repercussão que já caiu em suas mãos, mas ele não é novato em processos polêmicos. Em 1998, atuou no julgamento que condenou o piloto de helicóptero que tentou matar a ex-mulher. No dia do aniversário da moça, o réu enviou flores e um estojo azul que, ao ser aberto, explodiu. Era uma bomba. Em 2004, atuou no processo que levou a júri três policiais que executaram o dentista Flávio Sant'Ana, então com 24 anos, por supostamente terem confundido o rapaz, que era negro, com um assaltante. Os réus ganharam penas de até 17 anos.

Para quem venceu a timidez, convenceu o pai a deixá-lo escolher o próprio time, atuou em casos que levaram policiais militares à prisão, não é surpresa que no amor também enfrentasse conflitos. O promotor apaixonou-se por uma defensora pública! Ele tentando levar réus à condenação, ela defendendo, pelo Estado, acusados sem condições financeiras. Conheceram-se no tribunal e logo travaram dois 'combates'. No primeiro, Daniela Sollberger levou a melhor. No segundo, recebeu o troco. Não houve um terceiro. Apaixonada pelo promotor, que no primeiro encontro levou-a para tomar uma água-de-coco e não ao jantar romântico com o qual ela contava depois do cineminha, pediu transferência. Três anos mais tarde, em 21 de setembro de 1996, Daniela virou Sollberger Cembranelli. Até hoje, ao passar em frente à banquinha de frutas da Rua Cardoso de Almeida, lembra com bom humor que o marido, alegando muito trabalho no dia seguinte, levou-a para a barraca de cocos no primeiro encontro. Apreciador de vinho e da boa gastronomia, ele vem procurando compensar a falha nos últimos 12 anos.

A vida desse promotor, que tem agora em mãos um caso que comoveu o Brasil e repercutiu internacionalmente, é tão marcada pelo paradoxo que até seus filhos, de 7 e 8 anos, perceberam. 'Por que o pai (no trabalho) pede para prender e a mamãe pede para soltar?', perguntam os meninos. Tarefa mais difícil que explicar isso aos filhos talvez seja encerrar o caso Isabella.





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