In Voga
Advogado, Mestre e Doutor em Direito, e Professor de Direito Penal da Universidade de São Paulo (USP).
ANÁLISE JURÍDICA DA PRISÃO PREVENTIVA DE ALEXANDRE NARDONI E ANA CAROLINA JATOBÁ
ILEGALIDADE DA PRISÃO
Segundo o sistema constitucional e processual brasileiro, o juiz e o promotor podem responder criminalmente por haverem decretado a prisão preventiva de Alexandre Nardoni e Ana Carolina Jatobá.
A responsabilidade criminal em tese já surgira em 2 de abril, quando ilegalmente houve a prisão temporária do casal, revogada em 10 do mesmo mês por liminar do Desembargador Canguçu de Almeida, do Tribunal de Justiça de São Paulo. Irrelevante o arquivamento do habeas corpus em 6 de maio por perda de objeto. Se ilegal a prisão temporária, em tese houve a prática do crime de abuso de autoridade, pois promotor e juiz atentaram contra a liberdade de locomoção (art. 3º, a, Lei nº 4.898/65).
A prisão preventiva é a nova face do abuso de autoridade. Todos os operadores do direito sabem que a prisão preventiva não se justifica para punir quem comprovadamente cometeu um crime. Deve ficar preso durante inquérito policial e processo apenas quem, segundo prova dos autos,
continuará a praticar infrações criminais (ordem pública), constrangerá testemunhas, mexerá ou desaparecerá com provas (garantia da instrução criminal) ou fugirá, se acaso condenado (garantia da aplicação da lei penal).
Esse é o texto restritivo da lei e o espírito de nosso sistema jurídico. Para a Constituição, todos somos presumidos inocentes até que um tribunal isento definitivamente nos julgue culpados à luz da prova, e efetivados o contraditório e a ampla defesa.
A repugnância do crime e a consistência das provas são importantes para o julgamento final do processo, quando Nardoni e Jatobá receberão eventual pena de até 30 anos de reclusão em regime fechado.
Não se pode é condenar previamente e expor investigados e réus à prévia execração pública. O objetivo do Judiciário é oferecer prestação jurisdicional justa, depois do regular processo, do contraditório e da ampla defesa, e contestadas e refeitas as provas do inquérito policial. Deveria servir o Judiciário de filtro às emoções, aos impulsos de imediato linchamento do casal, filtro muito mais importante quando o crime é hediondo e repugnante a figura do criminoso. Em síntese, sentença penal que condena os réus manifesta justiça racional e justa. Imediato linchamento moral e decretação da prisão sob o fundamento do desejo de linchamento social são justiça irracional e injusta.
Clamor público não justifica a prisão. Ele pode resultar de exploração vesga dos fatos por um mal-intencionado meio de comunicação. O clamor público não revela a verdade nem os valores incidentes sobre o fato, mas o êxito em mover a consciência e a vontade dos membros da sociedade numa direção predeterminada.
Em segundo lugar, a missão de aplacar o clamor público é da pena ao final do processo, que deve dar resposta ao crime e à sociedade e assim reafirmar o ordenamento jurídico.
Por fim, não é raro o clamor público ser construído artificialmente pelo Ministério Público: antes de oferecer denúncia criminal, veicula-a na imprensa. Esta repercute a acusação. A repercussão faz o caminho de volta ao Judiciário, que encontra motivos para a decretação da prisão preventiva pelo suposto “clamor público”.
Credibilidade da Justiça também não justifica a prisão. É imenso o malserviço que a prisão temporária (revogada por liminar) e a prisão preventiva (provavelmente a ser revogada) causam às instituições democráticas: fazem descrer na Justiça.
A prisão decretada antecipadamente faz acreditar que todo o trabalho do promotor e do juiz foi correto e a “justiça foi feita” pela “punição dos culpados Nardoni e Jatobá”. Se essa prisão é revogada por faltarem os requisitos legais, a soltura do casal cria um anticlímax. O sentimento é: “a justiça nunca é feita mesmo”, “neste país não há Judiciário sério” e que melhor é a justiça sumária. Incentiva-se a privatização na solução dos conflitos.
Punir, sim, e sempre, com respeito à Constituição e às leis, atendidos o contraditório e a ampla defesa. Punir com rigor, sim, e sempre, porém, na medida da culpa do acusado e, assim, punir com justiça. Quem pune em desrespeito à Constituição e à lei, quem emprega injusto e ilegal rigor comete crime. Deve ser punido. Deve ir preso.