Os pecadores que saem do ministério caem fora do noticiário e ficam longe do perigo
Aiuri Rebello e Bruno Abbud
Erenice Guerra teve de deixar a chefia da Casa Civil há apenas dez meses, uma semana depois da publicação da reportagem de VEJA que comprovou o escândalo: a melhor amiga de Dilma Rousseff chefiava simultaneamente uma quadrilha de parentes e agregados que enriquecia cobrando propinas de empresários interessados em fechar negócios com o governo. Antonio Palocci teve de abandonar a casa assombrada há menos de dois meses, 23 dias depois da publicação da reportagem da Folha que denunciou o escândalo: em quatro anos, fantasiado de consultor econômico e financeiro, o mais poderoso ministro de Dilma Rousseff havia multiplicado por 20 o patrimônio declarado em 2006. Os episódios são recentíssimos. Seus protagonistas estão fora do noticiário jornalístico há muito tempo.
Fora do noticiário e fora de perigo, informa a tranquilidade com que Palocci e Erenice desfrutam do direito de ir e vir. No dia em que a matriarca da Casa Civil perdeu o empregão, foi aberta uma sindicância interna para investigar a participação nas bandalheiras do seu filho Israel Guerra e dos funcionários Vinicius Castro e Stevan Knezevic. Knezevic e a mãe de Vinicius Castro – usada como laranja no esquema – eram sócios de Israel na Capital Assessoria e Consultoria, empresa que promovia encontros suspeitíssimos com empresários. Erenice foi poupada das apurações porque, conforme explicações da Casa Civil, os encarregados de conduzi-las “não tinham poderes para investigar a ministra”. Em 2 de janeiro deste ano, passados quatro meses, os sherloques domésticos concluíram que não havia motivos para punir ninguém e deram o trabalho por encerrado.
Também avança preguiçosamente o inquérito aberto pela Polícia Federal em 14 de setembro de 2010, quando o então ministro da Justiça, Luiz Paulo Barreto, determinou a apuração das denúncias de tráfico de influência. A Controladoria-Geral da União comprometeu-se a colaborar com a busca de provas, evidências ou indícios. O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, avisou que o Ministério Público Federal acompanharia tudo de perto. O inquérito 1352/10, conduzido pela Polícia Federal, caminha em segredo de Justiça e não tem prazo para terminar. Até agora, 60 pessoas foram ouvidas, computadores foram periciados, documentos foram analisados, dados foram cruzados. No momento, o papelório jaz numa pilha de bom tamanho sobre a mesa do delegado Roberval Re Vicalvi, da Coordenação Geral de Polícia Fazendária.
Assim que as bandidagens foram descobertas, Erenice Guerra e Israel saíram de circulação. A mãe reapareceu na festa de posse de Dilma Rousseff e submergiu outra vez. Sabe-se que continua vivendo em Brasília e trabalha como advogada, mas os dois colegas contratados para defendê-la ─ Sebastião Tojal e Mário de Oliveira Filho ─ recusam-se a revelar tanto os novos endereços residencial e profissional da ex-ministra quanto a lista de clientes. Ambos se limitam a recitar que não falam com Erenice “há pelo menos duas semanas”.
Regime alimentar
Também Antonio Palocci não tem motivos para perder o sono, embora seja alvo de três investigações paralelas. O número seria maior se a oposição parlamentar não tivesse desistido da ideia de instaurar uma CPI. Ou se o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, não tivesse engavetado na véspera da demissão do ministro (“por falta de provas”) denúncias encaminhadas por três partidos ─ PPS, DEM e PSDB ─ intrigados com o milagre da multiplicação do patrimônio. Menos misericordioso que o chefe, o procurador Paulo José Rocha Júnior, do Ministério Público Federal do Distrito Federal, abriu um inquérito destinado a enquadrar Palocci por improbidade administrativa e enriquecimento ilícito. Em 9 de junho, a Receita Federal enviou a Rocha Júnior informações sobre Palocci e sua empresa, a Projeto. O inquérito também caminha em segredo de Justiça.
Em 16 de junho, os deputados Antonio Carlos Magalhães Neto, do DEM da Bahia, e Onix Lorenzoni, do DEM do Rio Grande do Sul, protocolaram um pedido de investigação no Ministério Público Federal de São Paulo. Os promotores ainda analisam o pedido. Cinco dias depois, o deputado estadual Pedro Tobias, presidente do PSDB paulista, de São Paulo, endereçou a mesma solicitação ao Ministério Público Estadual. No requerimento, Tobias fechou a lente no apartamento alugado por Palocci em Moema, zona sul de São Paulo, registrado em nome de laranjas filiados ao PT ─ conforme revelou a edição de VEJA de 4 de junho. Segundo a assessoria de imprensa do Ministério Público Estadual de São Paulo, “os pedidos estão em análise e não há previsão para que sejam transformados ou não em inquérito”.
No condomínio Don Arthur, onde o ex-ministro mora em São Paulo, a empregada doméstica informou que a família viajou para algum lugar que ignora e não tem data para voltar. O apartamento na região dos Jardins comprado por R$ 6,6 milhões continua vazio. Desde que Palocci virou caso de polícia, ninguém aparece no escritório da consultoria Projeto, também nos Jardins. Segundo funcionários do prédio, pouquíssimas pessoas costumavam frequentar o endereço, pelo qual Palocci pagou quase R$ 1 milhão. Segundo a Folha, o ex-chefe da Casa Civil pretende retomar a carreira de consultor “depois de um período de quarentena”. Até lá, vai fazer o que fez em 2006, quando teve de abandonar o Ministério da Fazenda por ter encomendado o estupro do sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa: um regime alimentar. Há cinco anos, emagreceu 15 quilos.
Consultoria milagrosa
Fundada por Antonio Palocci em 2006 e transformada em administradora de imóveis no fim de 2010, a Projeto é um raríssimo caso de sucesso no mercado brasileiro de consultorias. Graças à espantosa expansão dos lucros, o dono comprou o escritório de R$ 882 mil e o apartamento de R$ 6,6 milhões em 2010. Nesse ano, a consultoria faturou impressionantes R$ 20 milhões. O superconsultor ainda não contou quem são os clientes que lhe garantiram a prosperidade. E ninguém sabe exatamente quantos funcionários a Projeto teve ou tem. Se é que tem.
O economista Mailson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda, é um dos sócios da consultoria Tendências. Há 15 anos no mercado, a empresa mobiliza 70 funcionários, alguns dos quais altamente qualificados. O faturamento em 2010 passou de R$ 15 milhões, mas ainda está longe dos R$ 20 milhões do concorrente. “Levou muitos anos para chegarmos tanto a este faturamento quanto ao número de funcionários”, ressalva Mailson. “Não há milagre, e sim muito trabalho duro”.
Em 2006, interessado em estrear no ramo, Palocci procurou a consultoria Tendências para saber como eram as coisas por lá. “Nós mostramos como funcionava a Tendências”, conta Nóbrega. “Chegamos a levá-lo para duas ou três palestras”. Palocci ganhou cerca de R$ 10 mil por palestra. Depois disso, Nóbrega não voltou a encontrar-se com o ex-chefe da Casa Civil. Só soube o que andou fazendo pelo noticiário político-policial.
Sphere: Related Content
Nenhum comentário:
Postar um comentário