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quinta-feira, 18 de março de 2010

Lula atira no inimigo e acerta no ídolo do companheiro Morales











Entre um soco nas regras diplomáticas, um pontapé na sensatez política e outra pancada na verdade histórica, o presidente Lula abriu espaço na discurseira sobre o Oriente Médio para ampliar, em Israel, a coletânea de absurdos inspirados na América Latina. Nesta segunda-feira, convidado a justificar o tratamento especialmente fraternal dispensado a Evo Morales, o viajante mais loquaz de todos os tempos só precisou de 23 palavras para mais uma incursão desastrosa pela Bolívia.

“Índio votar em índio é normal. É uma anormalidade uma pessoa loira de olhos azuis, que quase não fala espanhol, governar a Bolívia”, decretou. Escorado em meia dúzia de bobagens transmitidas por assessores levianos, ele resolvera declarar inelegível o ex-presidente Gonzalo Sánchez de Lozada, que tem sotaque de turista americano, cabelos louros e olhos verdes (para o presidente, toda iris clara que não é castanha é azul). Deveria ter identificado com nitidez o inimigo, que governou o país em dois períodos (1993-1997 e 2002-2003). Ao esconder o nome do alvo, conseguiu erguer com duas frases outro monumento à ignorância.

Primeiro, fundou a ramificação daltônica da Ku Klux Klan. Sabe-se agora que, para Lula, discriminações baseadas em critérios étnicos não têm nada a ver com racismo se endereçadas a gente com cabelos e olhos claros. Em seguida, o exterminador do plural decidiu que falar com sotaque é muito mais grave que assassinar o idioma de meia em meia hora. Conjugadas, as frases escancararam mais uma vez a ignorância do declarante.

Lula não sabe que o ódio devotado por Evo Morales a Sánchez de Lozada é tão intenso quando o apreço do vizinho por Gualberto Villarroel, presidente entre dezembro de 1943 e julho de 1946. Em dois anos e meio no poder, legalizou os sindicatos, instituiu um sistema de aposentadoria e convocou a primeira assembléia indígena da história da América Latina.

Assassinado no palácio pela multidão de anônimos durante uma rebelião popular, Villarroel está para Morales como Simón Bolívar para Hugo Chávez ─ foi o único antecessor citado no discurso de posse do companheiro índio. ”Não sou inimigo dos ricos, mas mais amigo dos pobres”, repetiu Morales a profissão de fé enunciada por Villarroel (e declamada por Lula, em infinitas variações, em todos os comícios). Em seguida, recitou o mantra que ainda hipnotiza os órfãos do Muro de Berlim: ”Os povos do mundo devem ficar sempre de pé, nunca de joelhos frente ao capitalismo”.

O ídolo de Morales, cujo nome batiza a maior refinaria da Bolívia, não falava com sotaque. Mas tinha cabelos louros, como Sánchez de Lozada, e os olhos verdes eram mais claros. Lula não sabe disso. Nunca ouviu falar em Villarroel. Tampouco sabe quem é Sanchez de Lozada. Lula não sabe de quase nada. A área do cérebro reservada à acumulação de conhecimentos é um terreno baldio. Mas continua a discursar sobre tudo.


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