Uma barreira eletrônica em estrada federal e o advogado Almeida Castro, o Kakay, dono de 7,5% da Data Traffic
Nas grandes cidades brasileiras, o motorista pisa no freio diante da possibilidade de ser multado por um radar eletrônico. Para evitar prejuízos, alguns memorizam a localização das engenhocas e outros, mais equipados, usam computadores de bordo que apitam quando o carro se aproxima do medidor de velocidade. Nas estradas federais a situação é diferente. Há tão poucos instrumentos de fiscalização que os motoristas se sentem à vontade para acelerar, circunstância que contribui para o aumento do número de mortos e feridos em acidentes de trânsito. No ano passado, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) resolveu mudar essa situação e dotar as estradas federais de milhares de lombadas eletrônicas, radares fixos e máquinas que identificam quando os carros avançam o sinal. A licitação gigantesca atingiu o valor de R$ 1,4 bilhão e foi dividida em 12 lotes. O desempenho da empresa goiana Data Traffic, líder do consórcio Maxivias, surpreendeu o setor. Nas disputas pelos contratos, o consórcio abocanhou quatro lotes e garantiu cerca de R$ 190 milhões em contratos. Até então, ele conseguira, em sete anos, pouco mais de R$ 30 milhões em recursos do Dnit.
Não fosse por uma decisão da Justiça, que viu o risco de dinheiro público ser jogado fora, a Data Traffic teria fisgado um quinto contrato, ainda mais gordo. A empresa fez uma oferta de R$ 120 milhões para fornecer equipamentos eletrônicos que seriam insta-lados em rodovias federais que cruzam o Distrito Federal e vizinhanças. Outro consórcio, representado por uma empresa paranaen-se, deu um lance de R$ 89 milhões para prestar o mesmíssimo serviço. Apesar da economia que faria com a contratação da empresa paranaense, mais de R$ 30 milhões, o Dnit optou pelo preço mais alto. Desclassificou as propostas mais baratas ao afirmar que as empresas deixaram de cumprir regras básicas da licitação. Inconformada com a posição do Dnit, a empresa paranaense recorreu da decisão na Justiça e foi reintegrada à disputa. O Dnit e a Data Traffic contestaram. Na semana passada, com base em decisão do Tribunal Regional Federal da Primeira Região, proferida no final de maio, o Dnit foi obrigado a assinar contrato com a empresa do Paraná. Mas o caso não está encerrado. A Data Traffic brigará pelo contrato em outras esferas da Justiça.
No rol de sócios da empresa há especialistas em disputas judiciais. O mais famoso é o advogado e empresário Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay. Fazem parte de sua clientela o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), o senador Romero Jucá (PMDB-RR), o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu e o dono do Pão de Açúcar, Abílio Diniz. Kakay, também dono de um dos restaurantes mais frequentados pelos políticos em Brasília, detém 7,5% do capital da Data Traffic, parcela estimada em R$ 2,5 mi-lhões. Apesar do aporte considerável de recursos, Kakay afirma não conhecer a rotina da empresa, não ter ideia dos contratos fir-mados pela Data Traffic nem conhecer a sede da empresa, localizada na cidade de Aparecida de Goiânia. “Enxerguei uma boa o-portunidade de investimento. Voltei a ser acionista da empresa em setembro de 2010 e recebi, desde então, dividendos de R$ 7.410”, afirma. Irmão de Kakay e suplente do senador Gim Argello (PTB-DF), Marcos de Almeida Castro (PMDB-DF) tem outros 7,5% de participação na Data Traffic. Com os novos contratos, os dividendos dos irmãos Almeida Castro estão prestes a multipli-car.
O sucesso recente da Data Traffic pode estar atrelado às ligações com dirigentes do PR, partido que controla boa parte do Minis-tério dos Transportes e do Dnit como um feudo desde 2003. Principal acionista da empresa, Victor Hugo Serednicki foi a única pessoa física a doar recursos para o diretório nacional do PR em 2009. No dia 17 de março daquele ano, depositou R$ 30 mil na conta-corrente do PR. Victor Hugo mostrou-se surpreso com a pergunta relacionada à doação. “Partido da República?”, afirmou, aparentando desconhecer a doação. Foi seu pai, um dos fundadores da Data Traffic, o empresário Victor Leopoldo Serednicki, quem confirmou a ÉPOCA que o filho transferira o dinheiro. “Foi um pedido para a campanha de presidente da Câmara dos Depu-tados. Alguém pediu. Não lembro quem foi”, disse Leopoldo. Um mês antes do registro da doação, o então presidente da Câmara, o atual vice-presidente da República, Michel Temer, fora reconduzido para o cargo numa eleição em que não enfrentara nenhum representante do PR. A doação ao PR parece embutir interesses não republicanos, mas Victor Hugo diz que não se trata disso. “Não quisemos esconder. Foi tudo corretamente registrado.” Sobre outra doação, de R$ 20 mil, para o senador José Sarney, Victor Hugo tem uma resposta política: “Foi por ideologia”.
A Data Traffic e seus sócios não conseguem ficar distantes das polêmicas do Dnit e do PR. No ano passado, o diretor-geral do Dnit, Luiz Antônio Pagot, dispensou licitação e contratou, em caráter emergencial, a empresa goiana para operar radares no anel viário de Belo Horizonte. O Dnit afirma ter contratado a Data Traffic depois de uma orientação do Ministério Público Federal. Preocupado com o número excessivo de acidentes naquela região, o MP determinou que o Dnit providenciasse o religamento de radares que haviam sido desativados com o fim do contrato. Como a Data Traffic vinha realizando o serviço, segundo o Dnit, teve preferência. Pelos servi-ços, sem licitação, a empresa recebeu R$ 1,1 milhão.
Há três meses, o deputado federal Pauderney Avelino (DEM-AM) cobra a instalação de uma CPI para investigar contratos do gover-no com empresas de radares e lombadas eletrônicas. Avelino afirma ter colhido assinaturas suficientes para criar a comissão. Mas a base governista não quer investigar o assunto. “A articulação para abafar o caso parte da liderança do PR na Câmara”, afirma Avelino. A CPI poderia servir como um radar para detectar irregularidades e impedir barbeiragens com os recursos públicos.
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