No seu último documentário , Oliver Stone diz que vários líderes latino-americanos dão aos pobres a oportunidade que nunca tiveram.
Realizador do documentário "South of the Border " (Ao Sul da Fronteira ), estreado em 2009, Oliver Stone ("Platoon", "Wall Street" e "JFK") diz que pela primeira vez na História moderna, a maior parte da América Latina não é controlada pelos EUA.
"Ao Sul da Fronteira" mostra que a diplomacia dos EUA reagiu com hostilidade ao aumento do poder dos pobres e dos nativos na Venezuela, Bolívia, Equador, Paraguai e Brasil. Porquê?
Isso tem origem no velho impulso imperialista dos EUA relativamente à América Latina, que vem da doutrina Monroe, de Teddy Roosevelt, da proteção dos interesses das empresas americanas e do apoio a ditadores militares durante a Guerra Fria. Os EUA continuam a ser hostis a qualquer pessoa de esquerda que chegue ao poder no seu 'pátio das traseiras' e que pense que os recursos de um país pertencem ao seu povo. Como sublinha no filme a Presidente argentina, Cristina Kirchner, pela primeira vez desde a conquista espanhola, os líderes da América Latina parecem-se com as pessoas que governam. Hugo Chávez, da Venezuela, foi criado na pobreza. Evo Morales, da Bolívia, é índio e sindicalista. Lula era um dirigente sindical, sem grandes estudos. Os três foram detidos várias vezes. Pela primeira vez na História moderna, a maior parte da América Latina não é controlada pelos EUA, com exceção da Colômbia que, sob a liderança de Álvaro Uribe, permitiu a instalação de sete bases. Escapa também à influência do FMI, dominado pelos EUA. Em 2003, o FMI tinha empréstimos por saldar a países latino-americanos de 20 mil milhões de dólares (15 mil milhões de euros); hoje, o valor é de cerca de mil milhões de dólares (770 milhões de euros). No filme, Lula conta como resistiu à tentativa do FMI de o levar a renegociar os empréstimos. Queria pôr termo à dependência.
O ex-ministro dos Negócios Estrangeiros do México, Jorge Castaneda, divide a América Latina em esquerda "irresponsável" (Venezuela, Bolívia e Argentina) e esquerda "sensata" (Brasil e Chile). As políticas antiglobalização e populistas da esquerda "irresponsável" podem conduzir a América Latina a um ciclo de inflação, estagnação, poder personalista autoritário e corrupção?
A inflação atual atinge sobretudo a classe média. Mas vejamos: a inflação na Venezuela era de mais de 100%, em 1996, dois anos antes de Chávez ser eleito. Com Chávez, a inflação atinge menos os pobres, porque agora estes têm habitação, educação e cuidados de saúde subsidiados. No filme, o antigo Presidente argentino Nestor Kirchner levanta a questão do poder autoritário de Chávez, na senda de Juan Perón, e diz: "Gosto de Hugo como amigo, mas disse-lhe que ele devia ter 20 Hugos para lhe sucederem, em vez de se agarrar ao cargo". Se perguntarmos a Hugo, ele dirá: "Gostava de ser Presidente até 2020. Um terceiro mandato para consolidar as minhas mudanças". Ele quer mais um mandato - agora possível, após um referendo -, porque a Venezuela precisa de atenção contínua para deixar de ser um país em tão mau estado. Também me disse que, depois disso, quer sair. "Recebo a minha pensão e volto para a minha aldeia, para levar uma vida descansada". Hugo Chávez não é um homem rico. Não ganhou um tostão por estar no poder. Não foi corrompido. É verdade que alguns membros do movimento chavista estiveram envolvidos em casos de corrupção, à medida que entravam no sistema. Por vezes, os chavistas zelosos são os seus maiores inimigos. Fazem coisas estúpidas, porque são absolutamente paranoicos no que se refere à oposição. Garanto que, se ele perder, vai-se embora. Mas o ponto dominante do meu documentário é que Chávez e os outros dirigentes da América Latina que destaquei estão a dar aos pobres uma oportunidade que estes nunca tiveram. Não sou só eu a dizê-lo. Segundo o Banco Mundial e a ONU, a pobreza extrema na Venezuela diminuiu 70% sob o regime de Chávez. Essa é que é a questão de fundo.
Texto publicado na edição do Expresso de 18 de setembro de 2010
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