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quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Sincero demais: o vapor não mente, revela sabor






O vapor não mente: revela sabor

É mais antigo que o próprio fogão. Dispensa a gordura. Basta um pouco de água fervente e ele já aparece. Faz legumes saudáveis e lagosta e bacalhau aromáticos. Mas cuidado. O velho e bom vapor é muito sincero

Luiz Henrique Ligabue - O Estado de S.Paulo


SÃO PAULO - Legumes no vapor para acompanhar? Se essa simples pergunta gerar em sua cabeça a imagem de um prato pobre em sabor, embora rico em cores, atenção: "O vapor é muito sincero, realça as características do produto - o sabor, a textura e o frescor. Se o produto não estiver fresco ou não for bom, ele vai acentuar os defeitos. É impiedoso, não mascara nada." A lição vem de um especialista no assunto, o chef e consultor Paulinho Martins, fã declarado da técnica.



O vapor é um método de cocção antigo. Alguns autores defendem a tese de que sua utilização no preparo de alimentos precede o domínio do fogo e remonta aos tempos em que se usavam pedras de fontes termais para conferir sabor extra às conquistas alimentares da humanidade.

Quando usado em sua forma tradicional - alimentos cozidos sobre uma panela com água fervente -, o vapor valoriza o produto e faz bem à saúde. "O cozimento é limpo, saudável, não necessita da adição de nenhum tipo de gordura e preserva o sabor do alimento", diz o chef e consultor Carlos Siffert. Os orientais, considerados os grandes mestres da técnica, usavam, desde tempos remotos, cestas de bambu sobre um líquido em ebulição para cozinhar pães, vegetais, peixes, carnes e aves, obtendo ótimos resultados - e uma comida famosa pelo frescor, leveza e contraste de sabores.

Com tantas vantagens e principalmente por preservar as características dos alimentos, o método se tornou uma das novas tendências no mundo gastronômico moderno. Se no princípio as cestas de bambu sobre água fervente - técnica que não está obsoleta - davam conta do recado, hoje os chefs usam técnicas e tecnologia que passam pelo moderno forno combinado - onde os parâmetros umidade, temperatura e circulação são extremamente controlados -, pelo papillote e pelo vapor em panela quente e seca. São métodos utilizados para os diversos fins - da simples cocção à aromatização de ingredientes.

Carlos Siffert lembra que os caldos, apesar de ajudarem a agregar perfume, por si só não conseguem definir o sabor do prato, que fica mesmo por conta do produto bruto. "Eles ajudam mais no olfato", diz.

AROMATIZAÇÃO

Vapores aromatizados são obtidos pela ebulição de uma infusão, um caldo ou mesmo vinho. Expostos aos vapores, os alimentos ficam frescos e perfumados.

O chef francês Pascal Valero, do Le Coq Hardy, utiliza outra variante para fazer seu robalo em vapor aromatizado. Valero monta uma estrutura de dois andares sobre a água fervente. No primeiro ficam as ervas e no segundo, o peixe, que recebe vapores extremamente aromatizados.

A nouvelle cuisine francesa, talvez a grande responsável pela difusão do método mundo afora, também deu uma contribuição para a escola do vapor: criou um manto de ervas para recobrir o alimento exposto ao vapor, opção que reforça o sabor dos temperos, aqui em contato direto com o alimento.

A terceira via é também bastante simples: basta aquecer uma panela (seca) no fogo e adicionar a infusão. Paulinho Martins, o entusiasta, faz lagosta no vapor de coco dessa maneira. "Quando alguém pede lagosta, um produto nobre, espera encontrar o gosto da própria lagosta. O vapor de coco mantém a textura, realça o sabor e dá um leve toque ao aroma do crustáceo." Mas, para ter um bom resultado, Paulinho lembra: "A lagosta deve estar superfresca, senão a sinceridade do vapor vai ressaltar o que não deve."

Em outro clássico, Paulinho usa o vapor de uma potente infusão de manjericão para dar vida a uma posta de bacalhau. Já em sua receita de camarões, estes repousam em uma marinada de caipirinha (sem açúcar, é claro) antes de serem cozidos no vapor. Para o chef radicado no calor da Bahia, essa é a cozinha do frescor: "Quando alguém pede um prato no vapor, espera comer algo com frescor." E um robalo no vapor de água de flor de laranjeira, então...

Já o chef Pier Paolo Picchi, do restaurante Picchi, utiliza um método parecido para finalizar e agregar sabor aos pratos. Os frutos do mar servidos pelo chef são previamente chapeados e, instantes antes de serem servidos, recebem vapor de conhaque ou limoncello. Pier Paolo gosta também de usar casca de limão e de laranja no fundo de uma panela seca para agregar um toque cítrico a alguns peixes.

Bel Coelho, que faz no Buddha Bar uma cozinha com sotaque asiático, lembra que é possível fazer vapor em fornos comuns. Basta embrulhar os alimentos em papel manteiga ou em folhas, a sua preferida é a de bananeira.

As boas idéias são geralmente as mais simples - sem segredo nem aparelhos hi-tech. Arme-se de panelas, peneiras, água, fogo, caldos e especiarias - e boa sorte. Paladar selecionou, aqui e no portal, receitas para os leitores praticarem a arte do vapor.

PIER PAOLO PICCHI
Frutos do mar no vapor de conhaque

4 porções
25 minutos



Ingredientes

4 camarões grandes limpos
200g de lulas limpas
4 vieiras
2 tentáculos de polvo
12 ervilhas-tortas
8 tomates-cereja
50 ml de conhaque
Água, pimenta-do-reino, sal, cebolette, salsa crespa e manjericão, quanto bastar

Preparo

Salpique pimenta-do-reino e sal sobre os frutos do mar, previamente limpos e secos. Em seguida, grelhe numa chapa ou frigideira bem quente. Reserve. Cozinhe as ervilhas por dois minutos em uma panela dupla, com um compartimento superior para cozimento a vapor. Reserve. Disponha todos os ingredientes na parte superior da panela dupla, ou em uma peneira. Leve a panela ao fogo (alto), seca e sem nada dentro, por cerca de 5 minutos. Coloque a parte superior (ou a peneira) com os frutos do mar, as ervilhas e os tomates cerejas sobre a panela. Despeje um pouquinho de água na panela no fogo e em seguida o conhaque. Após alguns segundos o vapor vai começar a subir.Tampe imediatamente a parte superior da panela, ou cubra a peneira, e espere acabar o vapor (cerca de 1 minuto depois). Disponha os ingredientes em um prato, regue com um fio de azeite de oliva extravirgem, ponha sal, pimenta-do-reino e as ervas frescas (cebolette, salsa crespa e manjericão).

PASCAL VALERO
Ovo cocotte

4 porções
15 minutos


Ingredientes

50 ml de vermute seco; 50 ml de vinho branco; 15g de cebola
100g de creme de leite; 20g manteiga; 4 ovos; 120g de cogumelos paris; 2 fatias de pão de fôrma; sal, pimenta, azeite de trufas brancas, flor de sal e ciboulette picada a gosto

Preparo

Molho: Sue a cebola picada com um pouco de manteiga e adicione o vinho e o vermute. Reduza a mistura, adicione o creme de leite e deixe reduzir novamente. Coe e bata o líquido com a manteiga. Ajuste o sal e a pimenta, reserve. Cogumelos: Corte-os e cozinhe por alguns minutos com um pouco do molho. Acerte sal e pimenta.

Ovos: Quebre os ovos um em cada pote de louça, sem romper as gemas. Cozinhe por três ou quatro minutos no vapor. Tempere com flor de sal e cubra com molho, ciboulette picada e um fio de azeite de trufas brancas. Sirva com tiras de pão de fôrma torrado.

PAULINHO MARTINS
Robalo no vapor cítrico

4 porção
20 minutos


Ingredientes

4 files altos de robalo
1 cenoura
1 abobrinha
100g de vagem
150g de ervilhas-tortas
200g de cogumelos paris
5 ml de água de flor de laranjeira
20 ml de cointreau
2 litros de suco de laranja
10g de pimenta sechuan
1 col. (sopa) de tomilho fresco
1 col. (chá) de raspa de limão
1 col. (chá) de raspa de laranja
200 ml de azeite extravirgem

Preparo

Marinada: Extraia o suco das laranjas e ferva em seguida por 5 minutos. Misture o cointreau, a água de flor de laranjeira, a pimenta sechuan e as raspas de limão e laranja. Mergulhe nesse líquido os legumes cortados em juliane e os filés de robalo. Deixe marinando por um mínimo de horas.

Cozimento: Escorra os vegetais e o peixe, salgue e apimente. Leve uma panela de vapor a seco ao fogo alto e quando a superfície da panela estiver bem quente - cerca de 200ºC - ponha o peixe e os legumes na peneira, regue com o líquido da marinada, que formará o vapor, e tampe a panela. Abaixe o fogo e deixe cozinhar por cerca de 8 minutos.
Azeite cítrico: Pegue o líquido que sobrou na panela e com a ajuda de um termomix, emulsione o azeite pouco a pouco em força média e a 60ºC. O termomix pode ser substituído por banho-maria.

Montagem: Sirva o filé de peixe sobre os legumes, com fios de azeite cítrico em volta.

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