Autor(es): Gustavo Ioschpe |
Veja - 10/10/2011 |
Há uns dois meses, quis descobrir o
total de funcionários do setor da educação no Brasil. O número de
professores é bem conhecido dos pesquisadores, pois está na casa dos 2
milhões há alguns anos, mas não sabia quantos seriam os funcionários do
setor que não são docentes.
Tenho um verdadeiro arsenal de dados
estatísticos sobre a educação brasileira e internacional. Procurei em
todos, inclusive em algumas sinopses estatísticas da educação básica,
que são arquivos com mais de 200 planilhas, que informam até quantas
turmas do ensino fundamental com menos de 4 horas/aula por dia há no
Acre. Mas o número de funcionários não aparece em nem um único
documento. Não está disponível para consulta em lugar algum. Fiz então
uma consulta direta ao Inep, órgão do MEC responsável por avaliações e
estatísticas. A resposta solícita veio no mesmo dia: incluindo
professores, são mais de 5 milhões de funcionários na área da educação
no Brasil, pouco mais de 4 milhões deles na rede pública.
Fiquei embasbacado com esse dado. Não
apenas pelo gigantismo do número total – seus 5 milhões de membros fazem
com que essa seja a quarta maior categoria profissional do Brasil,
atrás apenas dos agricultores, vendedores e domésticas –, mas
especialmente pelo fato de termos 3 milhões de funcionários longe da
sala de aula, um número 50% maior do que o de professores.
Imaginei que essa relação entre
funcionários e professores seria menor em países com sistemas de
educação mais eficientes. Dito e feito, até em um nível maior do que eu
imaginara. Segundo os dados mais recentes do Education at a Glance,
levantamento feito pela OCDE (disponível em twitter.com/gioschpe), a
relação entre funcionários e professores em seus países-membros é de
0,43. No Brasil, falando apenas do setor público, essa relação é de
1,48. Ou seja, enquanto lá há um funcionário para cada dois professores,
aqui a relação é quase três vezes e meia maior. Isso significa que, se o
Brasil tivesse a mesma relação professor/funcionário dos países
desenvolvidos, haveria 706000 funcionários públicos no setor, em vez dos
2,4 milhões que temos. Como é difícil imaginar que precisemos de mais
funcionários que as bem-sucedidas escolas dos países desenvolvidos, isso
faz com que tenhamos 1,7 milhão de pessoas excedentes no sistema
educacional, recebendo todo mês salários que vêm do nosso bolso. Se
presumirmos que os funcionários recebem o mesmo salário médio que os
professores (infelizmente não há dados oficiais a respeito do país todo,
mas a conversa com alguns secretários da Educação me sugere que essa é
uma hipótese válida), isso significa um desperdício de inacreditáveis 46
bilhões de reais, ou 1,3% do PIB, todo ano, o que certamente é mais do
que todos os escândalos de corrupção da última década somados. É simples
chegar a esse número: basta saber quanto o Brasil investe em educação
por ano e que porcentagem disso é investida em folha salarial. Ambos os
dados estão disponíveis no Education at a Glance, e o cálculo completo
está disponível no meu Twitter.
A importância desse dado, porém, vai
muito além da simples montanha de recursos que são desperdiçados. Ele
ajuda a explicar algo ainda mais importante para o futuro do Brasil: a
razão pela qual nossa educação vai tão mal.
O primeiro fator impactado por essa
gastança é o salário do professor. Esse dado explica como o Brasil pode,
ao mesmo tempo, investir tanto em educação e ter professores tão
insatisfeitos com o seu rendimento. (A propósito, cruzando os dados da
OCDE com o PIB brasileiro, o salário médio mensal do professor na rede
pública é de 2262 reais. Cuidado com os discursos do pessoal que fala do
"salário de fome".) Se se demitissem os funcionários excedentes e o
salário deles fosse transferido aos professores, a remuneração destes
aumentaria 73%, para 3906 reais mensais.
O segundo impacto é o poder político
desse grupo. Se já seria difícil a algum político ir contra a vontade
dos 2 milhões de professores, o que dizer então de um grupo que, na
verdade, tem 5 milhões de membros, a grande maioria sindicalizada e
politizada? Não é de espantar que os políticos dispostos a encarar a
briga com a categoria tenham sido invariavelmente derrotados. Não é de
espantar, também, que a categoria consiga fazer greves tão volumosas e
barulhentas.
A terceira realidade claramente
descortinada por esses dados é a utilização política do setor de
educação. Não é possível chegar a esse nível sem que haja um esforço
deliberado de contratações desnecessárias. Contratações que só ocorrem
porque os profissionais da educação são frequentemente utilizados como
instrumento político de seus padrinhos. Muitos viram simples massa de
manobra e fonte de votos, outros – especialmente nos cargos de direção e
supervisão regional – acabam se tornando verdadeiros cabos eleitorais
de lideranças regionais.
A quarta conclusão é ainda mais séria.
Ela diz respeito à relação entre gastos com educação e a qualidade do
ensino ministrado. A maioria dos estudos sobre o tema demonstra não
haver relação significativa entre o volume de recursos gastos em
educação e a qualidade do ensino. No Brasil, onde a maior parte do gasto
é canalizada para aumentar o número de profissionais na rede e dar
melhor remuneração àqueles que já estão nela, não é de surpreender que o
constante aumento de gastos no setor nos últimos dez anos tenha sido
acompanhado de estagnação. Os resultados do Sistema de Avaliação da
Educação Básica (Saeb) foram piores em 2007, último ano disponível, do
que em 1997. Se já é difícil promover melhorias nos países em que o
recurso é bem aplicado, imagine no Brasil, onde o dinheiro financia um
gigantesco cabide de empregos. O mais desalentador é que, em meio a tão
contundentes evidências de que o aumento dos investimentos não tem
trazido resultados na melhoria do aprendizado dos alunos, testemunhamos a
todo momento a patética pregação para aumentar o valor investido em
educação dos atuais 5% do PIB para 7% (o que já seria um fenomenal
aumento de 40%, ou 73 bilhões de reais por ano, em valores de 2010). Não
ocorre a ninguém que custa pouco o que realmente melhora o ensino:
reformular os cursos universitários de formação de professores,
profissionalizar a gestão das escolas, adotar um currículo nacional,
permitir a criação de novas modalidades no ensino médio, melhorar o
material didático e cobrar a utilização de práticas de sala de aula
comprovadamente eficazes. É preciso disposição para encarar as tarefas
que exigem trabalho e coragem para enfrentar as resistências
corporativas. Mas sobre isso os bravos gastadores de plantão não querem
nem ouvir falar. Não dá voto. Não sei exatamente como se sentiram os
passageiros do Titanic que ouviam a orquestra a tocar enquanto o navio
fazia água, mas suspeito que a minha estupefação e desalento sejam
parecidos com o sentimento deles. Com a agravante de que, cada vez que
compro algo ou pago impostos, estou financiando o iceberg.
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quinta-feira, 13 de outubro de 2011
O rombo da educação é o cabide de empregos de 46 bilhões de reais
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