10/10/2011
Antonio Maldonado Do Contas Abertas |
Desde
sexta-feira (7), o Portal da Transparência, administrado pela
Controladoria-Geral da União (CGU), disponibiliza a lista de
contemplados pelo Seguro-Defeso. Mais conhecido como Bolsa Pesca, o
benefício, no valor de um salário mínimo, é pago aos pescadores
artesanais que, nos meses da reprodução de peixes e outras espécies,
ficam impossibilitados de prover o seu sustento da mesma maneira que o
fazem durante o restante do ano, como prevêm os critérios estabelecidos
pela lei 10.779, de 25 de novembro de 2003.
A medida é conseqüência
direta da repercussão do artigo “O mistério da multiplicação dos
pescadores”, publicado pelo Secretário-Executivo da Associação Contas
Abertas, Gil Castello Branco. O artigo mostrou o crescimento exponencial
da quantidade de pescadores que exercem a atividade de forma artesanal,
individualmente ou em regime de economia familiar – critérios
necessários para a obtenção do benefício. Em 2003, quando o programa foi
criado, o seguro atendia 113.783 pescadores, atualmente, mais de 500
mil são beneficiários, equivalente a um crescimento de 300% em oito
anos.
Em
nota, a CGU afirmou que "diante do noticiário dos últimos dias, o
ministro-chefe da CGU, Jorge Hage, determinou a intensificação das
providências para disponibilizar os dados, mesmo sem estarem ainda no
formato ideal e mais amigável para o usuário". Segundo a nota, a
Controladoria já vinha processando a validação dos dados enviados pelos
ministérios da Pesca e do Trabalho. A intenção de Hage era divulgar as
informações a partir do dia 09 de dezembro, “quando se comemora o Dia
Internacional Contra a Corrupção e, tradicionalmente a CGU introduz
ampliações e aprimoramentos no Portal da Transparência”.
Os dados do Bolsa Pesca
podem ser visualizados por meio de um “banner” na página inicial do
Portal. Lá está a lista completa dos pescadores artesanais favorecidos,
tal como o CPF e dados pessoais, inclusive unidade da Federação e
município em que reside. Consta também a data, o valor do pagamento e
período em que o benefício está sendo pago.
Porém, os dados
referentes aos nomes e dados dos beneficiários foram disponibilizados em
forma de arquivos zipados e não em tabelas abertas no site como de
costume. “Tendo em vista a aceleração das providências, a nova página do
Portal deverá receber aprimoramentos ao longo dos próximos dias”,
esclarece a CGU.
A criação de um Grupo
Interministerial foi outra medida anunciada depois do noticiário envolta
do artigo. Com participação dos ministérios do Trabalho, da Pesca, do
Meio Ambiente, da Previdência e da própria CGU, o grupo vai estudar e
propor o aperfeiçoamento da inscrição no Registro Geral da Pesca, tal
como melhorias na fiscalização e o recadastramento dos pescadores. O
benefício vai consumir R$ 1,6 bilhão do orçamento da União previsto para
2012. Cerca de R$ 1,3 bilhão estão estimados para este ano.
A CGU já promoveu outras
investigações sobre o Seguro-Defeso. Nos últimos dois anos, foram
constatados 60,7 mil pagamentos irregulares, o que resultou no ônus de
R$ 91,8 milhões para os cofres públicos. Na lista de contemplados
estavam pessoas já mortas, donos de empresas, detentores de emprego fixo
e aposentados pelo INSS. Centenas de pessoas são investigadas pelo
Ministério Público Federal por fraude com o seguro.
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04/10/2011 Artigo O Globo: O mistério da multiplicação dos pescadores |
Equipe de Jornalismo Do Contas Abertas |
Confira
a íntegra do artigo de Gil Castello Branco, secretário-executivo da
Associação Contas Abertas, publicado hoje, no jornal O Globo.
O mistério da multiplicação dos pescadores
Por Gil Castello Branco
A Bíblia conta sobre a
multiplicação dos pães e dos peixes. Na Galileia, Jesus pregava para uma
multidão quando anoiteceu e aproximou-se o horário do jantar. Diante da
preocupação dos seus discípulos, Jesus chamou um menino que tinha à mão
um cesto com cinco pães e dois peixes e orientou seus apóstolos a
distribuir esses alimentos. O milagre permitiu que mais de 5 mil pessoas
fossem alimentadas.
No Brasil, a
multiplicação recente não é dos pães ou dos peixes, mas sim dos
pescadores. A Lei 8.287 criou o seguro-defeso, a chamada "bolsa
pescador". A intenção é correta. Para preservar espécies, o governo paga
um salário mínimo aos pescadores artesanais por tantos meses quanto
dure a reprodução, com base em portaria do Instituto Brasileiro do Meio
Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Normalmente, o
benefício é pago por 4 meses. Aos pescadores, basta comprovar o
exercício profissional da pesca e que não possuem outro emprego, bem
como qualquer outra fonte de renda.
Seja
pela consciência ambiental, seja pela garantida renda fixa e fácil, o
número de pescadores cresceu exponencialmente. Em 2003, eram 113.783
favorecidos. Em 2011, já são mais de meio milhão. Ou seja, exatamente
553.172 pessoas afirmam viver tão somente da pesca, individual ou em
regime de economia familiar, fato que lhes assegura o direito de receber
R$545/mês, durante um terço do ano.
Os gastos do governo,
obviamente, cresceram na mesma proporção. Em 2003, o Ministério do
Trabalho pagou R$81,5 milhões a título de seguro-desemprego aos pequenos
pescadores. Neste ano, a dotação do Orçamento Geral da União (OGU) é de
R$1,3 bilhão. Este montante corresponde a mais que o dobro do orçamento
do Ministério da Aquicultura e Pesca para 2011 (R$553,3 milhões). O
valor bilionário pago com recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador aos
que vivem da pesca artesanal é, também, quase 3 vezes maior do que as
exportações brasileiras de pescado mais crustáceos em 2009, que geraram
US$169,3 milhões (R$318,3 milhões, com o dólar a R$1,88). Os números são
tão estranhos que parecem "história de pescador".
É claro que tem boi na
linha e no anzol. O procurador da República em Tubarão, Celso Três,
afirma: "O pessoal que atua em outras atividades, que nunca viu um peixe
na vida, inscreve-se na colônia de pescadores, paga a anuidade, conta
como tempo de serviço e se aposenta. Existem o sindicato e a colônia,
quase em disputa para ver quem distribui mais atestados. Na prática,
basta não ter carteira assinada. Nós processamos aqui mais de 300
pessoas por fraudes, mas é como secar um oceano."
No Rio de Janeiro, por
exemplo, cerca de 1.500 pescadores receberam o benefício em 2011, a
maioria residente em Campos (319). Curiosamente, somados todos os
pescadores artesanais de Rio de Janeiro, Niterói, Búzios, Angra dos
Reis, Araruama, Rio das Ostras, Mangaratiba, Itaguaí e Arraial do Cabo,
não se chega à metade dos que moram em Campos.
Para agravar o mistério,
os nomes dos contemplados não são divulgados nos portais governamentais,
impossibilitando o controle social. Após diversas solicitações,
inclusive à Ouvidoria Geral da União, a Associação contas abertas obteve
a relação nominal dos segurados e dos municípios onde ocorre o defeso.
Até em Brasília existem favorecidos.
Como o que está ruim
sempre pode piorar, há dois projetos de lei no Congresso Nacional que
pretendem estender o seguro-defeso aos pescadores impedidos de exercer a
atividade por conta das condições climáticas e, ainda, a toda a cadeia
da pesca, incluindo os que transportam, comercializam, reparam
embarcações e costuram redes, dentre outras atividades correlatas.
Ao contrário da passagem
bíblica, fato que a religiosidade explica, é extremamente necessário que
a Controladoria Geral da União, o Tribunal de contas da União e o
Ministério Público investiguem - de imediato e com rigor - a
multiplicação dos pescadores, que afronta o bom-senso e exala má-fé.
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