Copa do Mundo 2014
Em nome da celeridade para pôr de pé construções da Copa, governo tenta restringir poder do TCU para barrar projetos com suspeita de irregularidades
As obras no gigante de concreto: Maracanã vai receber a final da Copa de 2014 (Fernanda Almeida/Divulgação)
“Serei rígida na defesa do interesse público. Não haverá compromisso com o erro, o desvio e o malfeito. A corrupção será combatida permanentemente e os órgãos de controle e investigação terão todo o meu respaldo para atuarem com firmeza e autonomia.” As frases acima, proferidas pela presidente Dilma Rousseff, foram extraídas de seu discurso de posse no plenário da Câmara dos Deputados, no primeiro dia de 2011. Confira a íntegra.
Do discurso à prática - Apenas três meses após a fala da petista, que enaltece o papel de órgãos de controle para frear a corrupção, o Palácio do Planalto traça rumo oposto. No projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2012, tenta diminuir o poder fiscalizador do Tribunal de Contas da União (TCU). E quer incluir em uma medida provisória (MP) regime especial de licitações, com regras mais flexíveis para tocar projetos da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas de 2016.
Como em um movimento ensaiado, as iniciativas vieram à tona após a divulgação de relatório do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) – frise-se, órgão vinculado à Presidência da República - que alerta para a possibilidade de o Brasil passar vergonha na Copa. Diz o estudo que dez dos treze aeroportos em obras para os jogos “não apresentam condições de conclusão até 2014”.
Não bastasse a preocupação com um possível caos aéreo, o gargalo da mobilidade urbana também foi suscitado em falas oficiais. O ministro das Cidades, Mário Negromonte, admitiu que há atrasos em seis das doze cidades-sede. Era o ingrediente que faltava para completar o discurso de que é preciso arrumar a casa logo. O risco é de uma ação açodada, que abra a torneira para o desperdício de dinheiro público em projetos mal feitos. E o pior: para a corrupção.
O deputado ACM Neto: proposta imoral
Apesar de em posição minoritária no Congresso, a oposição tenta se articular e ameaça obstruir as votações como forma de protesto. “Essa é uma proposta imoral, que vai prestigiar a corrupção e que não pode ser tolerada. O governo esquece de dizer que teve o tempo necessário para tocar as obras”, diz o líder do DEM na Câmara, deputado ACM Neto (BA).
Pressão - É o TCU, órgão auxiliar do Poder Legislativo, que encaminha anualmente ao Congresso a lista de obras com indícios de irregularidades graves e que podem ser paralisadas por ordem da Comissão de Orçamento. Hoje, a atuação do órgão funciona assim: identificados os problemas, o Congresso é avisado no início da obra. Isso faz com que gestores de órgãos públicos e empresas arregacem as mangas.
Em 2010, segundo levantamento da União dos Auditores Federais de Controle Externo (Auditar), foi o que ocorreu em 15 dos 32 projetos com indícios de irregularidades. “Isso só aconteceu porque a sistemática atual pressiona os gestores e empresas. Se não houver pressão não haverá pressa para corrigir as irregularidades”, diz Bruna Mara Couto, presidente da entidade.
O texto da LDO engessa a prerrogativa do TCU para pedir a paralisação de obras – será preciso o carimbo de um ministro e não um relatório técnico, como é feito hoje. Outra mudança prevista é que o tribunal se manifeste somente depois de ouvir empresas e gestores. Em obras de grande porte pode haver mais de uma dezena de empresas envolvidas.
Os auditores consideram que a proposta significa um retrocesso à fase anterior às obras do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo (TRT-SP) - em que o superfaturamento foi descoberto tardiamente. “Fala-se muito em agilizar a análise das obras públicas, mas isso não vai agilizar nada. Não adianta fragilizar o controle e a obra não ser paralisada logo no início. As obras vão parar por falta de dinheiro: vão gastar tudo em projetos com problemas”, afirma Bruna.
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Confissão - O Sindicato Nacional da Arquitetura e Engenharia Civil (Sinaenco) considera que se o governo tivesse investido em infraestrutura – e houve tempo para isso -, não seria necessário discutir agora regras mais frouxas de licitação. “A flexibilização só demonstra que estamos atrasados. É uma confissão”, diz o presidente do sindicato, João Alberto Viol, ouvido em audiência pública na Câmara.
Na ponta do lápis, a diferença entre os preparativos para as Olimpíadas de 2012, em Londres, e a Copa de 2014, no Brasil, é monumental. Segundo o sindicato, três anos após o anúncio de que Londres seria sede dos jogos, o governo concluiu todos os projetos, incluindo escavações em áreas deterioradas por rejeitos da Segunda Guerra Mundial, com solo contaminado, onde ficavam galpões de velhas indústrias e em que grande parte da população é de imigrantes.
O planejamento incluiu a integração com a comunidade e a montagem de um parque, em 2013, que se tornará uma área turística e terá equipamentos esportivos. Em 2009, quatro anos após a escolha, as obras foram iniciadas. Serão concluídas no segundo semestre de 2011 – um ano antes dos jogos. E quatro anos após a escolha do Brasil para a sede da Copa 2014? “Ainda estamos discutindo as doze arenas, se os aeroportos vão suportar a demanda, se a questão da mobilidade urbana vai ser solucionada”, compara Viol.
Apesar do prazo apertado para concluir os doze estádios da Copa – estamos a 38 meses dos jogos e são necessários 36 para isso, segundo a entidade -, ele afirma que a questão dos aeroportos e da mobilidade urbana é que preocupa mais. “Há normas de que não podemos abrir mão. Contratar uma obra pública sem projeto básico, por exemplo, é inadmissível”, diz Viol. Ele lembra que, em projetos bem acabados, com acompanhamento eficaz, é mais fácil coibir desvios.
O desafio, lembra, é aproveitar o embalo de 2014 para promover melhorias em infraestrutura e na qualidade de vida da população para que o Brasil vire uma vitrine. Disse a presidente Dilma em outro trecho do discurso citado no início desse texto: “Os investimentos previstos para a Copa do Mundo e para as Olimpíadas serão concebidos de maneira a dar ganhos permanentes de qualidade de vida, em todas as regiões envolvidas”. É esperar para ver qual será o legado da Copa: as boas práticas ou o mau uso do dinheiro público.
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