Nuclemon: História de Doenças, Abandono e Morte

Por: - 28/04/2008

Sem segurança e sem proteção muitos trabalhadores adoeceram e morreram vitimas das condições insalubres de trabalho. Passados mais de 20 anos, há trabalhadores que ainda sofrem as consequências

	Eduardo Oliveira Ex-funcionários da Nuclemon entraram na justiça para garantir s eus direitos

A Nuclemon, foi a primeira empresa nuclear brasileira. Sua operação em Santo Amaro, zona sul da Capital, por mais de 50 anos deixou um legado de contaminação crônica de trabalhadores e também no meio ambiente. Empresa de economia mista, isto financiada com dinheiro público e privado.

Os problemas começaram a ser descobertos em 1987, após a morte de um funcionário, vítima de contaminação e em meados de 1989, através de exames feitos pela Fundacentro e o Centro de Referência do Trabalhador de Santo Amaro. À partir desses exames a fiscalização se tornou mais rigorosa, obrigando a tomada de medidas e providências para o controle.

Ao entrar na Nuclemon os funcionários eram conquistados através de benefícios como: gás (um botijão por mês), leite em pó (quatro latas de leite em pó por mês para cada filho menor de dez anos) e só depois iam ver que tais benefícios eram utilizados para camuflar as péssimas condições de trabalho e o baixo salário que os funcionários teriam que enfrentar, (os benefícios duraram até 1973).

Condições de Trabalho
A empresa não oferecia condições para o trabalho, como por exemplo, equipamentos que facilitariam o mesmo, todo o trabalho era braçal, não havia empilhadeiras para a carga e descarga das carretas que chegavam para trazer ou buscar materiais.

Os trabalhadores descarregavam as carretas. Muitos trabalhadores, após o expediente faziam hora extra para ajudar a carregar ou descarregar as carretas.
As horas extras eram registradas não eram registradas no cartão de ponto, eram anotadas num papel “vale de hora extra”.

Ainda em relação às horas extras. As máquinas funcionavam 24 horas, três operadores se revezavam a cada 8 horas, quando um operador ou ajudante entrava em férias, os outros dois faziam turnos de 12 horas para manter a máquina funcionando sem parar.

Segurança e Proteção
Além da ausência de equipamentos de trabalho, não havia equipamentos para garantir a segurança do trabalhador.

Os funcionários manuseavam máquinas sem nenhuma segurança e nem proteção. Não haviam máscaras adequadas, não haviam protetores de ouvido, pois, as máquinas eram extremamente barulhentas. Não havia um programa de prevenção de acidentes ou doenças relativas ao trabalho. Os trabalhadores não tinham acesso aos resultados dos exames periódicos, só a empresa tinha acesso a tais resultados.

Em alguns setores existiam fornos com temperaturas extremamente altas e onde o serviço também era feito de maneira braçal. O trabalhador era obrigado a arrastar as brasas com uma enxada de ferro com um peso superior a vinte quilos.

Presença do Sindicato
Os problemas enfrentados pelos trabalhadores começaram a mudar a partir da presença do Sindicato que passou a acompanhar a situação e a pressionar a empresa para mudar seu comportamento. Uma das exigências atendidas: as horas extras passaram a ser marcadas no cartão de ponto.

A entrada do Sindicato garantiu alguns benefícios como vale-refeição, entre outros, mas as condições de trabalho continuavam precárias.

O Sindicato acompanhou de perto a situação da empresa e fez pressão para o fechamento da mesma por conta dos graves riscos à saúde dos trabalhadores e aos moradores do entorno da fábrica.

Em relação à situação dos funcionários a entidade garantiu toda assistência e acompanhamento da defesa dos seus interesses.

A comissão de trabalhadores demitidos até o momento se reúne na subsede Santo Amaro onde planeja suas ações.

Trabalhadores expostos a radiação química

Sem informações e formação de como lidar com produtos radioativos e, sem saber dos riscos à saúde, os funcionários trabalhavam expostos a radiação química

Ainda os trabalhadores ficavam expostos a produtos químicos e radioativos sem a menor conscientização dos riscos que corriam.
No setor conhecido como Amassador, ocorria a mistura do ácido sulfúrico com o pó de pedra de abrigonita para que ocorresse a obtenção do fosfato de lítio, do bicarbonato de lítio, sulfato de lítio, aluminato de lítio, cloreto de lítio e hidróxido de lítio.

Devida à fumaça altamente tóxica resultante da reação dos produtos os trabalhadores passavam pelo setor correndo. Quem por ali passava não conseguia respirar.

Na seção que trabalhava com vários tipos de areia (monazita, zigonita, rutilho, amenita, entre outras), só era possível trabalhar com a areia seca, mesmo que ela chegasse molhada, passaria por um forno no qual seria eliminada a umidade, e por esse motivo ocorria uma excessiva liberação de poeira, o que ocasionava a silicose.
Essas areias passavam por outros tipos de maquinários, separador magnético para purificação para depois ser moída no moinho com pedra de aço e se transformava em um pó tão fino que subia facilmente, impregnando o local.

Morte, o princípio de tudo
Só depois que o funcionário José Benedito Bonifácio morreu devido a silicose, é que os trabalhadores começaram a descobrir que a doença era mais grave que o imaginado. No caso da monazita, o pó era pesado e encaminhado para outro o setor, que após as pressões da fiscalização, em 1989-90, ficou como área controlada, em que para sair devia-se tomar um banho e trocar de roupa.

Nesse setor o pó da monazita passava por uma máquina alto-clave, onde era descarregado numa tina (tanque), depois passava por um filtro-prensa, onde era extraído o fosfato e a massa, que era chamada torta um. A torta um era encaminhada para a extração do cloreto terras-raras, resultando na torta dois, que era altamente radioativa. O cloreto era então encaminhado para um outro processo de purificação no filtro-prensa e o resultado era o mesotório, ainda mais radioativo que a torta dois.

Mais doenças e mais mortes
Como resultado disso pudemos observar vários funcionários com gravíssimos problemas de saúde, como a silicose e outros problemas respiratórios, além de problemas de coluna, auditivos, câncer, reumatismos, entre outros.

Saindo da empresa com esses problemas de saúde, alguns ainda conseguiram se aposentar, mas com seus salários não conseguem nem comprar os remédios, outros estão aposentados por invalidez com condições sub-humanas, outros que não conseguiram se aposentar estão sofrendo por causa também das doenças adquiridas no trabalho e por causa da ausência de um aparato que auxilie o trabalhador doente.

Demissões e Abandono
A empresa começou o processo de demissão em 1991. Com essa situação os delegados da representação dos trabalhadores, Francisco Guedes e José Pereira, entraram em contato com o Sindicato, representado pelos diretores Claudemir e Isabel, para que tivessem um apoio na negociação das demissões junto à empresa.

Em 1991 foram demitidos aproximadamente 150 funcionários, entre os quais alguns aderiram ao processo de demissão voluntária proposto pela empresa.

Em 1992 começou o processo de fechamento da empresa e mais de 130 pessoas, entraram na lista de demissões. Os então delegados da representação dos funcionários, José Venâncio Alves e Francisco Guedes, intervieram junto à empresa, como apoio do Sindicato, para que as pessoas portadoras de doenças relacionadas ao trabalho não entrassem nessa leva de demitidos.

Após diversas reuniões entre os representantes dos funcionários, do Sindicato e da empresa, ficou acordado que todos os funcionários a serem demitidos realizassem um exame de corpo inteiro para detectar algum eventual problema de saúde.

Alguns desses exames foram realizados no IPEM em São Paulo e outros no órgão correspondente na cidade do Rio de Janeiro. Os funcionários nos quais foi detectado algum problema de saúde retornaram à atividade na empresa.

Em março de 1993 os representantes dos funcionários foram avisados de que todos os funcionários seriam demitidos, inclusive os que tinham problemas de saúde, com exceção daqueles que aceitassem a transferência para a filial no estado do Rio de Janeiro com contrato de l ano. No dia 31 de março do mesmo ano foi realizado o processo final, com a assinatura do aviso prévio ou do contrato de transferência, não havendo mais espaço então para negociação.

O processo de fechamento de Nuclemon foi assim concretizado, resultando na atual situação de seus funcionários.

A empresa, atual INB, mesmo com esses relatos de trabalhadores doentes, se nega a se responsabilizar por tais trabalhadores, que agora se vêem em situação difícil de abandono e desamparo.

Vitimas fatais da Nuclemon

Houve várias mortes de trabalhadores por doenças relacionadas ao trabalho

Com suspeita de câncer:
Nelson Gonçalves - 1984
José Miguel de Oliveira - 1988
António Bermute - 1990
António Torres - 1998
Francisco Careca - 1986
Reginaldo Baiano - 2002
Akiko - 2004
Araquitan - 2004

Com suspeita de silicose:
José Benedito Bonifácio - 1987
Luiz Nunes - 1998
Luiz Sena - 1991
Waldemar Gomes Bezerra - 2001
António Gonçalves - 2003
José Martins V. Queirós - 2004
Paulo Marins - 1998
Laurindo Nunes - 1987

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