Agosto 30, 2005
Um terreno de 60 mil metros quadrados na esquina da Av. Miguel Yunes com a Av. Interlagos, zona sul da cidade de São Paulo, que pertence à INB (Indústrias Nucleares do Brasil, empresa ligada ao Ministério de Ciência e Tecnologia) guarda quase uma tonelada de resíduos -em forma de substância cristalizada- de processamento de material radioativo produzidos pela usina Santo Amaro (USAN) da extinta Nuclemon, que foi desativada em 1995. Como esse material foi parara lá? Há perigo para a comunidade? Esses assuntos foram abordados segunda-feira (29) na reunião do Conselho Comunitário de Segurança de Campo Grande.
Qual a origem desse material?
Robson Spinelli, gerente de qualidade ambiental da IBN, explicou que no processo de descomissionamento da unidade Santo Amaro, as máquinas foram transferidas para uma unidade da mesma natureza -em termos de matéria prima- na cidade de Campos (RJ). A matéria prima foi transferida para a unidade na cidade de Caldas (MG), onde havia uma mina de urânio, desativada em 1995. Mas no final do processo de descomissionamento, quando Itamar Franco, então governador de Minas Gerais, soube do transporte de "lixo radioativo" de São Paulo para Minas, baixou um decreto proibindo o transporte de lixo radioativo de outro estado para o estado de Minas. A atitude do governador Itamar Franco inviabilizou a remoção do material que ainda restava na unidade de Santo Amaro para a unidade de Caldas. Onde armazenar esse material? Essa foi o problema enfrentado na época.
Como esse material foi parar lá?
Na unidade Interlagos (USIN), de 1989 a 1992, aproximadamente, foi executado um processo de extração de minerais pesados, utilizando solventes, a partir de areias monazíticas. Um desses minerais, a monazita, tem na sua composição dois elementos radioativos naturais: tório e urânio. Mas Spinelli ressaltou: "Não estamos falando do urânio elemento combustível para um reator nuclear; estamos falando de urânio natural, que a crosta terrestre de nosso planeta tem 99% de concentração desse material". O resíduo desse processo está armazenado lá até hoje, junto com o material da USAN.
Há perigo de contaminação?
Spinelli garantiu que o material está armazenado adequadamente em bombonas plásticas, que encontram-se estocadas em um galpão lacrado, cujo acesso é restrito. Esse material, é radioativo? "É", segundo Spinelli. Qual tipo de radiação emitida? O urânio, particularmente, é emissor de ondas gama e alfa. "A radiação alfa é blindada até por uma folha de papel", segundo Spinelli, e as próprias bombonas oferecem proteção apropriada. "A radiação gama", explicou Spinelli, "assim como qualquer radiação eletromagnética, tem uma característica: quanto mais distante da fonte, menor a radiação". Spinelli garantiu que a radiação gama emitida pelos resíduos armazenados no local não chega aos limites do terreno e quem transita pelas avenidas Miguel Yunes ou Interlagos não sofrerá qualquer exposição.
Spinelli também informou que atendendo uma exigência da CETESB foram efetuados diversos estudos em toda a extensão do terreno para ver se havia contaminação química do solo ou da água, e foram detectados níveis de radiação natural. a nenhuma contaminação. Spinelli garantiu: "Não há contaminação de nosso solo".
Nuclemon
O deputado Ítalo Cardoso (PT/SP), presente à reunião, relatou que em 1992, quando era dirigente do Sindicato dos Químicos, conseguiu demonstrar que a Nuclemon -empresa com a qual sempre teve uma relação "difícil e truculenta"- estava "matando seus trabalhadores de forma irresponsável": exames nos funcionários da empresa detectaram a presença de urânio e tório nas fezes de vários trabalhadores. A Justiça concedeu, então, o direito que os trabalhadores fossem monitorados durante vários anos após seu desligamento da empresa. "Muitos continuam sendo monitorados até hoje, mesmo depois de dez anos que essa empresa fechou suas portas aqui", disse.
(In)Tranqüilidade
Quanto à liberação do terreno da Nuclemon, na Av. Santo Amaro, para uso irrestrito, "para construir inclusive residência", Cardoso questionou: "por que, então, se era tão tranqüilo assim, fizeram a raspagem de cinqüenta centímetros das terras da USAN?. E adivinha para onde levaram? Para cá", referindo-se à usina Interlagos. Quanto aos moradores do condomínio sendo construído no local, Cardoso afirmou: "Também lá eles não tem segurança. Por que ninguém diz o que foi feito com as terras extraídas da escavação para a fundação dos prédios?". Cardoso finalizou: "Eu não teria tanta segurança de dizer que estou numa área tranqüila". Cardoso lembrou do caso da Shell, e de "tantas outras situações onde foi dito que poderiam ficar tranqüilos. Eu não fico tranqüilo", reafirmou.
Vazamento
Cardoso denunciou que já houve vazamento do material armazenado na USIN, devido à perfuração das bombonas provocada pela expansão dos gases gerados pela água injetada para cristalizar os resíduos, e questionou -apesar das afirmações de Robson Spinelli- a eventual contaminação da água do subsolo.
Refrigerantes contaminados?
Guilherme Frontini, representante da Distrital Santo Amaro da Associação Comercial de São Paulo, denunciou que durante vinte anos a Pepsi Cola ocupou um terreno anexo ao da Usina Interlagos, e captou água de poços artesianos para fabricação de refrigerantes.
A palavra da CETESB
Ronald Magalhães, representante da Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental CETESB, ligada à Secretaria do Meio Ambiente do governo de São Paulo, informou que somente a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEM) tem atribuições para lidar com a questão radioatividade nas instalações da empresa. Quanto à área externa, há dois aspectos: o monitoramento da questão radiológica em ambientes externos, e o estudo de passivo ambiental. Magalhães garantiu que foi feita uma "malha densa de amostragem", procurando dados de solo e água subterrânea na região de estudo, e "os dados preliminares indicam que não há contaminação da área". A CETESB está avaliando, atualmente, os procedimentos que levaram a tais conclusões, "o que é de praxe", explicou, para emitir um parecer definitivo quanto a essa área. Quanto à radioatividade, a CETESB apenas analisa os relatórios enviados pela INB, que se referem a coletas feitas pela própria empresa em poços, e não há indícios de contaminação por rádio 226 e rádio 228.
Remoção
Spinelli enfatizou que a INB tem interesse "em tirar esse material dali". Mas confessou que o principal problema é encontrar um destino apropriado para os resíduos armazenados na USIN. Barros Munhoz, subprefeito de Santo Amaro, comprometeu-se a falar com o prefeito Serra sobre o caso. Já Ítalo Cardoso convidou as autoridades e representes comunitários a comparecer à reunião que realizar-se-á com o Ministério Público na próxima quinta-feira para discutir o assunto. Pelo empenho demonstrado pelas autoridades em acabar com o depósito, parece provável que em pouco tempo a aventura nuclear seja nada mais uma página na história da zona sul.
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