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quinta-feira, 18 de setembro de 2008

A tristeza e a dor que as estatísticas do trânsito escondem


Tragédias se encontram na sala de espera do IML, enquanto maioria dos paulistanos só vê o congestionamento

Naiana Oscar, do Jornal da Tarde


SÃO PAULO - Depois de amanhã, Dilza e Dulceleia iriam de blusa florida ao Baile da Primavera. Na semana que vem, Guilherme ia melhorar de emprego para, finalmente, conseguir pagar a faculdade de Direito. Uilson fazia planos de viajar de moto até Laranjeira, na Bahia, onde nasceu. Na última segunda-feira, as duas irmãs, o estudante e o motoboy entraram para as estatísticas da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) e confirmaram a média: 4,3 pessoas morrem por dia no trânsito da capital.

Há um ano, as irmãs Dilza e Dulceleia Damasceno, de 54 e 56 anos, costumavam encontrar as amigas num bar da Avenida Santo Amaro, nos fins de semana, para enganar a depressão. O local fica a dez minutos de onde moravam. Podiam ir a pé. As mineiras de Eloi Mendes pediam bauru, com uma cervejinha.

Na madrugada de segunda, elas saíram do bar às 2h30, mas voltaram porque tinham deixado uma chave em cima da mesa. No caminho de casa, atravessaram a Avenida Santo Amaro, na esquina com a Helio Pellegrino. Chegaram ao canteiro central, mas voltaram à calçada. Uma blusa havia caído. De mãos dadas, fora atingidas por um veículo em alta velocidade, que fugiu sem prestar socorro. A morte foi imediata. Os corpos foram arremessados a 30 metros de distância.

No mesmo momento em que a família, em Minas, ficou sabendo do acidente, o estudante Guilherme Augusto Pereira, de 19 anos, deixava uma festa com dois colegas de trabalho. Ele vendia roupas num shopping da zona sul.

Até maio, Guilherme vivia com a mãe, na casa da família onde ela trabalhava como empregada doméstica. Chamava os "patrões" de tios e os dois filhos deles, de irmãos. No domingo, a mãe de Guilherme viajou para o Rio e ele aproveitou para emendar o trabalho com a balada. Na segunda, estaria de folga. Depois do expediente, os rapazes compraram cerveja. Beberam até a meia-noite e seguiram de ônibus para a casa de um deles.

Às 4 horas, já de carro, os amigos pararam no McDonald’s da Avenida Faria Lima. Fizeram um lanche e saíram enlouquecidos. Guilherme estava no banco do carona. No Largo da Batata, o automóvel, um Palio Weekend vermelho, subiu numa calçada e chamou a atenção de uma viatura da Polícia Militar.

A PM seguiu o veículo para tentar contê-lo, mas o perdeu de vista. Quinze minutos depois, os mesmos policiais souberam por um taxista de um acidente na esquina da Rua Bairi com a Rua Carapurui, na Lapa. Ao chegar ao local, viram o Palio, destruído contra um poste, com o motor pegando fogo. Guilherme já estava morto. O motorista e o passageiro tiveram ferimentos leves. No boletim de ocorrência não há registro de que o condutor tenha passado pelo teste do bafômetro.

Os "tios" de Guilherme foram os primeiros a receber a notícia do acidente. A mãe só chegou de viagem às 19 horas e foi direto para o Instituto Médico-Legal. Sem se conhecerem, os parentes de Guilherme dividiram a recepção do IML com familiares de Uilson da Silva Santos, 33 anos.

O motoboy saiu de casa, em Jundiaí, às 6h30, para trabalhar em São Paulo. Durante a semana, morava com os pais na capital e, na sexta, voltava para a cidade vizinha, onde vivia com a mulher e com a filha, Gabriela, de 5 anos. Funcionário de uma empresa de motofrete, Uilson tirava R$ 800 por mês, às vezes um pouco mais. Até sofrer um acidente e quebrar a perna, em agosto do ano passado, ele entregava produtos farmacêuticos. Depois, passou a levar documentos.

Às 7h42, ele seguia para a empresa quando bateu na traseira de um carro, na Marginal do Pinheiros. Ele se desequilibrou, caiu e foi atropelado por um caminhão. O helicóptero Águia da PM levou o motoboy inconsciente para o Hospital das Clínicas, onde morreu às 10h40.

No início da noite, 24 amigos e parentes de Uilson esperavam a liberação do corpo no IML. Enquanto Gabriela perguntava insistentemente à mãe por que ela chorava, se ouvia o noticiário da TV: "O paulistano teve problemas no trânsito na manhã dessa segunda-feira.As Marginais atingiram 30 km de congestionamento, por conta de um acidente com um motoboy..."

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