Nas estatísticas da CET, não entram as vítimas de acidentes com seqüelas atendidas nos hospitais da capital
Diego Zanchetta e Rodrigo Brancatelli, de O Estado de S. Paulo
Antes das festas de fim de ano, a Sprinter parou com um problema no motor durante uma entrega. Naves, então, pediu a moto emprestada de um vizinho para buscar uma peça no mecânico. "Fui dirigindo porque tinha carta de moto e meu colega de entregas foi na garupa. Numa curva meio fechada, um caminhão que estava na contramão bateu na minha perna direita ao desviar de um buraco. Não tive nenhum outro arranhão e meu amigo, que pulou da garupa antes da batida, não sofreu nada", conta Naves, que teve a perna direita amputada. Morador de Carapicuíba, há nove meses ele cruza a cidade duas vezes por semana para fazer sessões de fisioterapia no Hospital das Clínicas (HC).
Nas estatísticas da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) não são contabilizadas as vítimas de acidentes com seqüelas atendidas nos hospitais públicos e particulares da capital, como é o caso de Naves. Na estimativa do Laboratório de Estudos do Movimento do Instituto de Ortopedia do HC, cada morte no trânsito da capital resulta em até dois seqüelados que vão precisar de assistência médica por um período de pelo menos seis meses.
De 1º de janeiro até o dia 16 de setembro, passaram somente pela fisioterapia do Instituto de Ortopedia 168 pacientes, dos quais 41 (24,4%) eram vítimas de acidentes de trânsito. Desses 41, mais da metade (22 pessoas) era de vítimas com seqüelas causadas por acidentes de moto. A média de mortes em 2007 entre os motociclistas de São Paulo beira 1,3 por dia, o equivalente a um aumento de 22,6% em comparação com 2006, quando foram computados 380 óbitos. Em 2007, foram 466 mortes sobre motos - 19,5% tinham até 19 anos.
"Os jovens em tratamento, com lesões por causa de acidentes de moto, são a maioria das vítimas com seqüelas no trânsito", afirma a ortopedista Júlia Greve, do HC. Pela fisioterapia do complexo também passaram neste ano 13 vítimas com seqüelas por atropelamentos - a média foi de 2 pedestres mortos por dia em 2007. O autônomo José Raymundo Neto, de 52 anos, por exemplo, perdeu a perna direita em abril deste ano, ao ser atropelado na calçada de uma travessa da Avenida Guarapiranga, na zona sul.
Casado e pai de duas filhas, o morador do Capão Redondo ainda se recuperava de uma delicada cirurgia de aneurisma quando aconteceu o acidente. "Estava voltando com dois amigos do almoço, pela calçada. Um carro ficou desgovernado e me atingiu. Felizmente meus dois colegas tiveram reflexo para ver o carro antes e escaparam", relata Neto, que também teve pinos colocados na perna esquerda, esmagada pelo veículo. "Logo vou colocar uma prótese e voltar a andar", conta, otimista.
Os recursos do DPVAT (seguro obrigatório pago por donos de veículos) garantem às vítimas de trânsito uma verba inicial de R$ 2.700 para o custeio de tratamento e fisioterapia, conforme determina a Lei 6.194, de 1974. "Só que 99% da população desconhece o direito", afirma Lúcio Machado, presidente do Centro de Defesa das Vítimas do Trânsito, onde são atendidas 400 vítimas de acidentes na capital todos os meses.
A verba do DPVAT deve ser garantida a qualquer vítima, independentemente de apuração de culpa - em 2007, a arrecadação do tributo foi de R$ 3,722 bilhões, valor correspondente a 36.286.115 veículos segurados. "O primeiro direito do acidentado é a reabilitação física e ortopédica. Esse paciente pós-hospitalar deve ter assegurada condições de uma vida digna", acrescentou Machado. "Numa cidade com mais de 1.500 mortes no trânsito e tantos milhares de feridos, teria de haver uma política pública bem definida para o atendimento de pessoas com seqüelas."
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