Chuva no Rio: governantes fizeram 'melhorias' em comunidade erguida sobre lixão em Niterói
Publicada em 08/04/2010 às 23h30m
Carla Rocha, Paulo Roberto Araújo, Rafael Galdo e Simone CandidaRIO - Das fazendas e chácaras que lhe davam um ar bucólico, o Morro do Bumba, em Viçoso Jardim, no bairro do Cubango, em Niterói, com o passar dos anos, tornou-se vizinho de um lixão. Este, depois de desativado, deu lugar a barracos, que quarta-feira à noite foram ao chão. Uma faixa de 50 metros de extensão da encosta despencou. Terra e lama deslizaram por pelo menos seiscentos metros, provocando o pior soterramento do município. Até as 22h desta quinta-feira, 17 corpos tinham sido resgatados e havia pelo menos 200 desaparecidos. Já no Morro dos Prazeres, em Santa Teresa, no Rio, mais quatro corpos foram resgatados ontem, elevando para 18 o número de mortos no local. Segundo os bombeiros, 14 pessoas ainda estão desaparecidas. O Prefeito de Niterói, Jorge Roberto Silveira, decretou estado de calamidade pública no município. As fortes chuvas dos últimos dias já provocaram a morte de 182 pessoas em todo estado, 107 são de Niterói, outras 55 pessoas morreram na capital, 16 em São Gonçalo, e Magé, Nilópolis, Paracambi e Petrópolis registraram um óbito em cada local. Os feridos no estado somam 161 pessoas.
(Acompanhe o trabalho de resgate das vítimas) Área foi condenada por estudo em 2004O desfecho trágico do Morro do Bumba foi sendo escrito, ano a ano, graças à omissão das sucessivas administrações do município que fizeram vista grossa para o crescimento da favela. Antes mesmo da retirada do lixão, algumas casas já haviam sido erguidas ali. Mas, com a Ponte Rio-Niterói, o processo de favelização ganhou impulso, avançando sobre um solo íngreme e instável de cor preta, resultado da decomposição do lixo.
(Veja mais imagens da tragédia no Morro do Bumba)Contratado para fazer um levantamento sobre o risco de desabamento de encostas em Niterói, o Instituto de Geo-Ciências da UFF condenou a área, em 2004, num trabalho entregue ao então prefeito, Godofredo Pinto (PT).
- Isso é indesculpável. Foi omitido pela prefeitura que ali funcionara um lixão, o que é estranho. E, mesmo sem ter a informação, foi constatado que era uma área de risco. Se eu soubesse do lixão, teria dedicado um capítulo inteiro para mostrar que aquela situação era impossível - disse Adalberto da Silva, que participou do trabalho.
" Isso é indesculpável. Foi omitido pela prefeitura que ali funcionara um lixão, o que é estranho "
O lixão funcionou entre 1970 e 86. No final do governo de Wellington Moreira Franco, a prefeitura tentou usar o aterro sanitário do Engenho Pequeno, em São Gonçalo, onde o município investiu, na época, R$ 600 mil. Mas a comunidade local reagiu e, por dois anos, o lixo foi depositado em Gramacho, Duque de Caxias.
Ex-prefeito de Niterói entre 1983 e 1988, que assumiu o governo um ano após a desativação do lixão do Morro do Bumba, o médico Waldernir Bragança, conta que proibiu totalmente a ocupação. Segundo ele, depois a fiscalização afrouxou e alguns barracos começaram a ser erguidos.
- Era uma terra fofa. Eles ocupavam e a prefeitura tentava tirar, mas eles voltavam - justificou Bragança. - É um lugar onde não se pode erguer casas, pois o terreno tinha restos de papel e material orgânico. O gás metano acaba explodindo e a água da chuva acelera este processo.
Em vez de reprimir a ocupação irregular do antigo lixão, o poder público acabou por incentivar a invasão. O resultado do descaso de pouco mais de dez anos estava estampado ontem no desespero dos moradores.
- Houve um programa de urbanização naquela área. Tem escola profissionalizante, creche oficial e tudo o mais. Daí, dizer que o povo ocupou sem ninguém saber é um pouco demais. Temos uma catástrofe anunciada com a conivência das autoridades - protestava a funcionária pública Renata Botelho, que $perto do Morro do Bumba.
Foi no Morro do Bumba que a Cedae, no governo Leonel Brizola, fez sua primeira grande obra de saneamento em Niterói, levando para o local, de helicóptero, uma grande caixa d'água para atender aos moradores. Logo depois, Brizola (que virou nome de rua no local) levou para o Bumba o programa Uma Luz na Escuridão. Mais tarde, a prefeitura construiu uma escola municipal e levou para a comunidade o programa Médico de Família. O local ganhou uma grande quadra poliesportiva, uma creche e outros equipamentos públicos.
Ex-administrador regional em Ititioca, área que compreende o Morro do Bumba, na gestão de Godofredo Pinto (PT) - de 2002 a 2005 e depois de 2005 a 2008 -, Salomão Vianna disse ontem que, muito chocado, não conseguiu ficar muito tempo junto aos escombros do desabamento.
- Eu me afastei porque é muito triste. Infelizmente, era um empreendimento urbano desordenado. Ninguém incentivou, não houve uso político. Depois da retirada do lixão, famílias de nordestinos começaram a ocupar o morro - disse Salomão, que, em sua gestão, conduziu ações de manutenção, acreditando que deveria promover melhorias para a comunidade, como operações tapa-buraco e limpeza de ruas.
Na gestão seguinte, de João Sampaio (PDT) -1993 a 1997 -, houve obras de urbanização, em 1996. As grandes favelas de Niterói surgiram e cresceram em áreas públicas. É o caso dos Morros do Estado, do Cavalão, do Preventório e da Favela do Sabão.
Com a tragédia, o Bumba, que já tinha virado palco de campanhas eleitorais, virou motivo de briga política. O ex-vereador Paulo Eduardo Gomes (PSOL), ainda ligado à oposição, culpa o atual prefeito, Jorge Roberto Silveira (PDT) - 1989 a 1993; 1997 a 2001; e 2001 a 2002, quando saiu para disputar o governo estadual). Segundo ele, até 1988, as construções no morro estavam expressamente proibidas. A partir de 89, quando Jorge Roberto assumiu a administração do município, as ocupações ganharam fôlego:
- É uma hipocrisia agora dizer que a culpa é dos mortos. Essas casas tinham água encanada e energia elétrica regularizada.
O presidente Lula voltou a criticar os governantes que deixam as pessoas construírem casas em áreas de risco:
- Eu penso que isso vai aumentando a consciência dos dirigentes deste país, para não permitir que as pessoas mais pobres comecem a construir suas casas na área de encostas.