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domingo, 19 de outubro de 2008

''Terapia genética contra obesidade pode estar disponível até 2012''


Karina Toledo


O médico endocrinologista Geraldo Medeiros, que lançou recentemente o livro O Gordo Absolvido - a dieta pela genética, acredita que até 2012 a terapia genética contra a obesidade será uma realidade. Esses medicamentos, se tomados regularmente como as drogas para o controle da pressão arterial, corrigiriam o distúrbio metabólico que levou ao sobrepeso e permitiriam a pessoa com mais peso recuperar a saúde e conquistar a forma física que sonha.

O custo disso? Seria elevado, sem dúvida, mas Medeiros afirma que o governo poderia financiar o tratamento, como faz com a aids. Afinal, os gastos para a saúde pública causados por doenças associadas à obesidade - entre elas hipertensão, diabete, insuficiência renal e problemas cardiovasculares - são ainda maiores.

Mas o médico não se refere às pessoas "cheinhas" ou àquelas que, mesmo magras, sempre acham que precisam "perder dois quilos". Ele está preocupado com a obesidade de fato, uma doença que eleva em seis vezes o risco de morte quando o Índice de Massa Corporal (IMC) de uma pessoa passa de 40 (mais informações nesta página). Em entrevista ao Estado, o endocrinologista divide parte da experiência acumulada em mais de 30 anos de pesquisa, docência e prática de consultório.

O que é a terapia genética?


Estima-se que existam 450 genes relacionados à obesidade no ser humano. Hoje ainda se conhece pouco, mas acredito que até 2011 vamos ter esse mistério decifrado. Há uma possibilidade de que até 2012 essa terapia genética esteja disponível.

Como ela vai agir?

Você pode silenciar esse gene defeituoso - o que já foi conseguido em animais, mas não em humanos -, mas há um grande medo de que, com isso, você acabe silenciando outros genes próximos. Outra possibilidade, que está mais em voga, é bloquear a proteína produzida por esse gene e que provavelmente está fazendo com que seu sistema não funcione como deveria. Podem ser desenvolvidos medicamentos que combatam essa proteína especificamente. Mas vamos dizer que dos 450 genes candidatos nós conseguimos descobrir poucos. Até a indústria farmacêutica descobrir qual gene faz determinada proteína e descobrir que determinada substância é capaz de anular a ação dessa proteína, demora de seis a sete anos. É plausível acontecer? É, mas não tão imediato. Em ratos foi testada com sucesso. Tem uma terapia gênica que funcionou no ser humano, que é a da hemofilia.

Mas então seria um tratamento para a vida toda?

É isso que a indústria farmacêutica mais ama, é o que mais dá dinheiro.

Pelo menos de início será opção para poucos.

Também acho que sim. Mas talvez aconteça o que está acontecendo com a aids, caso em que o Estado distribui o coquetel de medicamentos gratuitamente.

O senhor acredita que, para o Estado, a obesidade é um problema tão crítico como a aids?

Quanto você e os seus filhos vão pagar por essa epidemia de obesidade? Basta pensar no número de diabéticos que vai aparecer precisando de hemodiálise. Nós teríamos muito menos diabéticos hoje se os índices de obesidade fossem menores. Os números são aterrorizantes. O serviço de diálise renal do Hospital das Clínicas está no ponto máximo de saturação e a previsão para 2011, se a média de novos diabéticos permanecer, é de que não haverá máquina nem nefrologista para tratar todo mundo. Obesidade é doença e precisa de tratamento. Só companhia de seguro que não reconhece isso, pois não quer pagar o tratamento de obesos, que inclui a cirurgia, senão ela quebra.

Quais as causas genéticas da obesidade já comprovadas?

Infelizmente, só 5% das pessoas gordas têm o seu gene identificado e são geralmente aquelas em que a obesidade começa na infância. Um exemplo disso é o gene ligado à leptina (mais informações nesta pág.). Quando esse gene é defeituoso, o indivíduo não fabrica a leptina ou então deixa de ter o receptor para essa proteína no cérebro. Nos outros 95% dos casos, sabemos que também existe um gene causando a obesidade, mas ainda não sabemos qual. Não é por acaso que os genes da obesidade e da diabete estão muito perto no genoma humano. Não é só coincidência, uma moléstia interfere na outra.

Uma pessoa pode ficar obesa sem ser por questões metabólicas?

Sim. O que não acredito é que ela passe de um certo limite. Vai até 70 ou 80 quilos e pára. Mas quando você vê pessoas que são extraordinariamente obesas, tranqüilamente tem um fator genético agindo.

Como se faz o diagnóstico desses distúrbios metabólicos?

Você pode medir a insulina no sangue, por exemplo, para saber se o paciente sofre de resistência à insulina. Esse problema está ligado a várias coisas. Quando a insulina está em níveis muito altos no sangue, favorece a conversão do que é ingerido em gordura, que tende a se acumular na região abdominal. Quanto mais gordura visceral maior a resistência à insulina, mais depósito de gordura no fígado e está armado o circo. É o tipo de obesidade que dá muita complicação. A primeira delas é hipertensão, mas há ainda lesão endotelial, diabete, colesterol e triglicérides elevados. A leptina você também pode dosar facilmente, mas é uma causa muito rara. Eu faria o exame somente naquelas crianças que são muito gordas desde que nasceram.

O senhor apóia o uso de remédios para emagrecer. Mas, quando o paciente pára de tomar a droga, ele consegue manter o peso?


Uma minoria. Temos 14 medicamentos para tratar a obesidade, entre eles ansiolíticos, antidepressivos, adrenérgicos (que queimam gordura) e inibidores de apetite. Desses 14, podemos combinar dois ou três diferentes, o que vai dar 168 combinações. Hoje estamos dando menos medicamentos, mas combinados, em doses pequenas. Eu acredito que determinadas pessoas tenham um distúrbio hipotalâmico que faz com que elas, se pararem a medicação, comam descontroladamente.

Mas é possível tomar remédios a vida toda?

Fiz um levantamento de 296 pessoas que passaram por meu consultório e que estão tomando medicamento há mais de 20 anos. Quase sempre fenproporex (que controla o apetite). Se elas param de tomar o remédio, engordam. São dependentes? Sim, mas não é dependência psíquica, e sim física, como um diabético tem dependência do medicamento que regula os níveis de insulina no sangue, como o hipertenso tem dependência do medicamento que faz baixar sua pressão. Essas pessoas são totalmente normais, mas uma vez por dia têm de tomar fenproporex. É óbvio que os anorexígenos têm de ser controlados, mas o potencial de abuso do fenproporex é baixo. Não há a necessidade de aumentar a dosagem ao longo do tempo. Quem não apresenta efeitos colaterais no início do tratamento pode ficar assim por anos. É como se você encaixasse algo que faltava e corrigisse algum defeito que a pessoa tem.

O senhor acredita em reeducação alimentar só baseada em força de vontade?

Sou bem descrente. O médico precisa ter uma enorme capacidade de comunicação e o paciente uma grande fé nesse líder.

O senhor comenta no livro que a obesidade está se tornando uma doença de pobre.

A Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, do IBGE) mostrou que após o Plano Real, em 1994, houve um crescimento da obesidade no Nordeste, pois uma multidão de pessoas que viam seu salário derreter na semana seguinte em que o recebiam passou a ter dinheiro até o fim do mês. Essas pessoas não têm base cultural para comprar uma revista, ir ao cinema. O dinheiro que sobra vai para comida. Elas têm uma fome atrasada. Congressos mostraram que, enquanto na Região Sul a população obesa declinou ou se manteve estável, no Centro-Oeste, Sudeste e Nordeste aumentou muito, pois entrou mais comida.

Isso é um fenômeno brasileiro?

Não. Nos Estados Unidos as populações mais obesas são os hispânicos e os negros. Os caucasianos têm menos índices de obesidade porque, em geral, têm nível socioeconômico melhor. Os hispânicos, na verdade, trazem os genes da obesidade do México, mas quem oferece um ambiente extremamente "obesogênico" são os Estados Unidos, onde é possível encontrar em cada esquina um restaurante de fast-food.

O ambiente tem mais influência do que a genética?


O gene que leva ao distúrbio nutricional precisa do ambiente para se manifestar. Alguém que tem tendência, mas não come, não engorda.

O senhor vê uma tendência de diminuição?

Não. Apesar de todas as campanhas na TV. O que mais tem nos EUA é dieta, produto light, e as pessoas estão ficando cada vez mais obesas. O índice já chegou a 65% da população. Mas não basta terapia genética, o problema é cultural, o ambiente é extremamente "obesogênico". Esse problema cresce nos países de cultura anglo-saxônica, como Inglaterra e Alemanha, mas não em países de dieta mediterrânea, como França e Itália.

Por quê?

Estou cada vez mais convencido de que comer carboidrato ultraprocessado, como farinha branca, açúcar refinado, arroz branco e tudo o que se prepara com isso, é ruim. São alimentos "obesogênicos". Se você comer um macarrão integral, grão duro, ele vai ficar quatro horas no seu estômago, não vai causar excitação da insulina. Talvez esse seja o caminho. Nós voltarmos a comer os alimentos como nossos tetravôs preparavam. Trigo integral, arroz integral, pão integral.

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