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domingo, 19 de outubro de 2008

"Fui mal compreendido", afirma Pedro Cardoso

SILVANA ARANTES
da Folha de S.Paulo


O ator Pedro Cardoso diz que foi "mal compreendido" ao atacar o que chama de uso pornográfico da nudez no cinema e na TV. Ele leu manifesto sobre o tema há duas semanas, no Rio, antes da sessão de "Todo Mundo Tem Problemas Sexuais", que produz e no qual atua --sem cenas de nudez.

Críticos do manifesto apontaram moralismo do ator. "Estou querendo falar da construção do Brasil e de como a pornografia, nos meios de comunicação de massa, atrapalha o país a se identificar", afirma ele.

Ayrton Vignola/Folha Imagem
"Fui mal interpretado", diz Pedro Cardoso depois da polêmica sobre nudez no cinema
"Fui mal interpretado", diz Pedro Cardoso depois da polêmica sobre nudez no cinema

Para Cardoso, 46, "o Brasil não é um país de pornógrafos", mas "a pornografia está se tornando uma expressão oficial do país". Ele diz que, ao se opor à pornografia, faz um "apelo para que os meios de comunicação de massa mostrem um país mais parecido com ele mesmo".

FOLHA - Você é contrário à pornografia?

PEDRO CARDOSO - Minha batalha é contra o disfarce da pornografia em obra de arte e em entretenimento. Quem quiser fazer pornografia ou usufruir da pornografia no seu mundo privado não é assunto meu.

É assunto meu que a pornografia esteja, disfarçada, na novela das seis, no programa de auditório, na quase totalidade dos filmes, porque atingiu meu mercado de trabalho. É disso que estou falando. Não fui compreendido.

As críticas não foram feitas ao que penso, mas ao parágrafo em que disse que a nudez inviabiliza a arte de representar. É uma questão tão acesa que roubou o foco principal do que eu estava querendo dizer.

FOLHA - O que quis dizer ao afirmar que é sempre o ator quem está nu em cena, nunca o personagem?

CARDOSO - A questão do nu para o ator é muito complexa. Para representar nu, um ator terá que vestir a nudez do personagem. Se algo de verdadeiramente fundamental acontece na história no caminho da nudez, o ator é capaz de representar o personagem nu e, numa habilidade muito grande da sua arte, iludir a visão do espectador, de modo que ele veja a nudez do personagem sobre a nudez do ator. Ou seja, o ator tem que vestir algo inefável. É possível. Não tenho nada contra a nudez em si, como uma possibilidade de momento da arte.

Tenho contra a nudez sem história, onde o ator fica nu na hora em que tira o figurino. Convenhamos, um homem ou uma mulher tomando banho, como é freqüente ver na TV aberta, é algo prosaico. Essa nudez é mera exibição do corpo da atriz. Não é dramaturgia. Uma relação sexual entre dois personagens em que nada acontece além da própria relação não é dramaturgia.

FOLHA - Você diz que, por "ingenuidade", aceitou convite de Ivan Cardoso para um filme em torno da descoberta sexual de jovens que, de fato, era a pornochanchada "Os Bons Tempos Voltaram: Vamos Gozar Outra Vez" (1984). Você não havia lido o roteiro antes de filmar?

CARDOSO - Meu personagem teria uma cena de sexo, sumariamente descrita no roteiro. O roteiro não indicava que as cenas de sexo seriam explícitas. Ele disfarçava a pornochanchada em um filme de aventura adolescente. É sempre assim. Ninguém te convida para o ato pornográfico nomeando-o como ato pornográfico.

FOLHA - Ao perceber o que era, você abandonou o set e um dublê fez a cena. Com tal atitude, no início de sua carreira, você não provou que é possível dizer "não" a uma cena da qual discorda sem que isso inviabilize sua ascensão profissional?

CARDOSO - Isso, que aconteceu comigo há quase 30 anos [o filme foi rodado em 1983], intensificou-se muito. Hoje, 98% dos convites feitos a uma atriz incluem uma cena de nudez. Se a cena é pornográfica, não sei, mas incluem cena de nudez.

Então, é muito difícil para o ator entrar no mercado de trabalho se ele disser esse "não". Essa opressão, muitas vezes, empurra atores e atrizes a dizer um "sim" muito contrariado.

FOLHA - Que reação seu manifesto gerou na Globo?

CARDOSO - Está faltando comparecer à discussão a figura dos empresários que investem em comunicação de massa. Eles deveriam dizer o que pensam sobre o que está em discussão. A questão não se resolverá entre artistas. A Rede Globo não me procurou, nem acho que o fará. Em meu texto, não especifico nenhuma empresa. Falo de uma coisa geral. Minha questão não é particularizada com empresas nem com pessoas.

FOLHA - Mas seu manifesto não está relacionado ao seu namoro?

CARDOSO - Não respondo perguntas sobre minha vida particular, porque considero que a totalidade da imprensa que cobre os fatos culturais não tem parâmetros éticos confiáveis.

Mencionei o fato de namorar uma atriz por honestidade intelectual, quando percebi que a temperatura com que eu lidava com esse assunto era causada pelo fato de ver minha namorada ter de enfrentar os ataques da pornografia diariamente.

FOLHA - Supõe-se que seu manifesto contenha referência à atriz Graziella Moretto, apontada como sua namorada, e ao filme "Feliz Natal", de Selton Mello. Se essa percepção for equivocada, não lhe incomoda que pessoas alheias à questão estejam sendo associadas a ela?

CARDOSO - Sobre esse assunto, já disse o que queria dizer. Aqueles que fizeram o que descrevi sabem quem são. [Cardoso afirmou ser "freqüente que esses cineastas de primeiro filme exibam para seus amigos, em sessões privê, as cenas ousadas que conseguiram arrancar de determinada atriz".]

Não os nomeio, porque fatos como esses são impossíveis de serem provados, porque são tremendamente subjetivos.

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